* Cardeal Dom Orani João Tempesta, O. Cist.,
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro,
RJ
‘O tempo quaresmal, propício e salutar
tempo de conversão, possibilita o caminho da verdadeira liberdade. Os
exercícios quaresmais do jejum, da oração e da esmola nos abrem silenciosamente
para o encontro com Aquele que é a plenitude da vida, com Aquele que é a luz e
a vida de toda pessoa que vem a este mundo (Jo 1, 10). Jejum, muito mais do que
uma privação, é esvaziamento, uma expropriação; tentativa de deixar-nos atingir
pela graça da liberdade com que Cristo nos presenteou. O jejum abre o nosso ser
para a receptividade da vida nova, da liberdade. A oração é a exposição de quem
espera ser atingido pela misericórdia d’Aquele que nos amou primeiro e até o
fim. (Jo 4,10). A esmola é o amor partilhado; é deixar-se tomar pela dinâmica
da caridade; é sair de si mesmo; é deixar-se tocar pela presença do outro,
especialmente do mais necessitado.
O período quaresmal convida os
discípulos missionários a uma verdadeira conversão, para que o testemunho da
liberdade em Jesus Cristo seja edificante e sustente a Igreja em sua missão de
anunciar o Evangelho. A conversão implica recomeçar a partir de Jesus Cristo.
Então, tenhamos os olhos fitos em Jesus Cristo, que, na cruz se fez solidário
aos que sofrem em nosso meio, especialmente com as injustiças. Nosso caminhar
quaresmal não pode ser insensível a situações que atentam contra a dignidade da
pessoa humana e seus direitos fundamentais, como o tráfico humano, tema da
Campanha da Fraternidade deste ano.
No caminho de conversão quaresmal, a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos apresenta a Campanha da
Fraternidade como itinerário de libertação pessoal, comunitário e social.
Tráfico humano e fraternidade é o lema da Campanha para a Quaresma em 2014. O
lema é inspirado na carta aos Gálatas: “É para a liberdade que Cristo nos
libertou” (5,1).
O tráfico humano viola a grandeza de
filhos, destrói a imagem de Deus, cerceia a liberdade daqueles que foram
resgatados por Cristo. As comunidades, as família, as pessoas certamente
buscarão superar a globalização da indiferença em relação ao tráfico humano.
O tráfico humano é um crime que atenta
contra a dignidade da pessoa humana, já que explora o filho e a filha de Deus,
limita suas liberdades, despreza sua honra, agride seu amor próprio, ameaça e
subtrai sua vida, quer seja da mulher, da criança, do adolescente, do
trabalhador ou da trabalhadora – de cidadãs e cidadãos que, fragilizados por
sua condição socioeconômica e/ou por suas escolhas, tornam-se alvo fácil para
as ações criminosas de traficantes.
Quanto ao tráfico humano, o Papa
Francisco se referiu assim a essa prática: “o tráfico de pessoas é uma
atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem
civilizadas! O tráfico humano é uma das questões sociais mais graves da
atualidade. Não há país livre do tráfico de pessoas, seja como ponto de origem
do crime, seja como destino dos traficados".
O Concílio Ecumênico Vaticano II trata
do tema na Gaudium et Spes nº 27: “a escravidão, a prostituição, o mercado de
mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas condições de trabalho, com as
quais os trabalhadores tratados como simples instrumentos de ganho, e não como
pessoas livres e responsáveis” são “infames”, prejudicam a civilização humana,
desonram aqueles que assim se comportam” e ofendem grandemente a honra do
Criador”.
Com esta Campanha da Fraternidade, a
Igreja Católica se une a essas iniciativas no intuito de potencializá-las e
suscitar, em suas comunidades, reflexões e ações de combate a esta chaga social,
de superação de situações de vulnerabilidade ao tráfico, de prevenção, proteção
e inserção, observando-se o respeito à dignidade do ser humano e o implemento dos direitos
humanos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais no convívio familiar,
comunitário e social. No entanto, a superação do silêncio das pessoas em
situação de tráfico requer a valorização da palavra, da voz e da experiência
vivenciada pelas vítimas, da nossa escuta qualificada e ativa, enquanto irmãos
e irmãs em Cristo.
Dessa maneira, a Campanha da
Fraternidade nos convida a fazer uma reflexão sobre o tema da Quaresma e sobre
o tráfico humano. Assim, a proposta é que façamos a reflexão sobre este tema em
nossas paróquias, nos grupos de reflexão, nos círculos bíblicos, nas pequenas
comunidades e em nossas casas, acompanhando o livro de encontro da CF 2014. É
vivendo, intensamente, estes encontros, nas nossas casas, com grupos de
reflexão, saindo em procissão com a Via Sacra pelas ruas de nossa cidade do Rio
de Janeiro que iremos conscientizar a sociedade da necessidade de superar o
tráfico humano e todas as situações que atentam contra a vida humana, a
liberdade de ir e de vir, e a prisão que muitos vivem iludidos pelas paixões
desordenadas!
Que estes encontros sejam momentos de
verdadeira e autêntica partilha e fraternidade, apanágios do amor e do perdão
que todos devemos não só viver, mas testemunhar!’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.zenit.org/pt/articles/encontros-da-campanha-da-fraternidade-2014
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