segunda-feira, 24 de março de 2014

Estevão



Este artigo, gentilmente cedido por Dom Lourenço Palata Viola, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo,
faz parte de sua palestra proferida no retiro anual dos oblatos 
(capítulo 3 de 5)


Seremos acompanhados pelo protomártir Estevão, aquele que primeiro teve a honra de testemunhar sua fé através da efusão de seu sangue a semelhança de Jesus Cristo.

Sabemos pelo relato de São Lucas que o número dos que aderiam à fé aumentava a cada dia e assim os apóstolos já não estavam mais conseguindo atender a todos aqueles que desejavam escutar a Boa Nova da Salvação. Estevão é um dos sete homens cheios de fé e do Espírito Santo que foram escolhidos pela comunidade de Jerusalém tendo em vista auxiliar o grupo apostólico no anúncio da Palavra e na prática da caridade.

Particularmente tudo isso efetuou-se devido ao caso das viúvas de língua grega que diziam “não mais estarem sendo assistidas no serviço diário” (At 6,1), ou seja, sabemos que os apóstolos tinham um maior domínio sobre o aramaico e nessa língua proferiam suas pregações, assim sendo, o serviço diário das viúvas, as quais se reuniam num grupo a parte conforme as divisões e costumes não apenas para comerem, mas também para serem instruídas sofria as consequências dessa disparidade linguística e as mesmas não conseguiam entender as instruções ministradas pelos apóstolos achando-se assim privadas da Boa Nova. 

Estevão, assim como os outros seis “homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria” (At 6,3) são portadores de nomes de origem grega, e ainda mais, um deles, Nicolau era proveniente de Antioquia, e portanto, era um judeu convertido da Diáspora. Esses homens seriam testemunhas da fé, teriam como missão proclamar a Palavra aos não crentes, aqueles que estão às mesas e não no Templo, ofereceriam a Palavra de Deus e professariam a Fé até mesmo com o derramamento de seu sangue, se necessário fosse, como no caso de Estevão.

Coroado, eis o significado do nome daquele que foi a primeira testemunha a destacar-se no Livro dos Atos (citado sete vezes) sem ser do grupo dos apóstolos, e de quem recebemos um claríssimo exemplo de eficaz testemunho da fé (martyria).

Um dos propósitos do Ano da Fé era reascender no coração dos cristãos a necessidade do surgimento e ou uma renovação do testemunho da Fé em nossas vidas. Assim sendo o exemplo deste mártir, o qual deu um valoroso testemunho da divindade de Jesus Cristo diante da Sinagoga dos judeus e ao proclamar a verdade irritou seus ouvidos tornando os inimigos do Evangelho seus próprios inimigos a ponto de o condenarem a uma chuva de pedras mortíferas, nos encoraja a vivenciarmos, como nos diz o Papa Francisco em sua Encíclica Lumen Fidei “a convicção de uma fé que faz grande e plena a vida, centrada em Cristo e na força de sua graça. Era essa convicção que animava a missão dos primeiros cristãos (...) para os quais a fé, enquanto encontro com Deus vivo que se manifestou em Cristo, era uma “mãe”, porque os fazia vir a luz, gerava neles a vida divina, uma nova experiência, uma visão luminosa da existência, pela qual estavam prontos a dar testemunho até o fim” (Francisco, Lumen Fidei, 5).

Todos nós somos impulsionados pela caridade de Cristo. (cf 2Cor 5,14)

 Ao passarmos pela porta da fé no momento de nosso batismo passamos a fazer parte do rebanho do bom pastor, mas é sempre também através desta porta que somos enviados a testemunhar a fé. 

Pela porta da fé passamos tanto ao entrar quanto ao sair; ao entrar porque decidimos estar com o Senhor para vivermos com Ele; ao sairmos porque a fé exige de nós um testemunho e um compromisso públicos.

Não podemos nunca perder a consciência de que o acreditar não é um fato privado. O Ressuscitado nos constitui testemunhas de sua ressureição dentro de uma comunidade, a Igreja. Por isso acreditamos na Igreja e com a Igreja, tornando-nos assim sal e luz no mundo, imagens de Cristo não temerosas e apagadas, mas sim bem visíveis para todos!         

A vida de Estevão configurou-se plenamente com a de Cristo, todo seu ministério e principalmente o processo injusto e mentiroso feito pelo sinédrio para tramarem sua morte o conduziram a doutrina perfeita da caridade, imitando em tudo o Mestre inclusive sua última oração: “Senhor, não lhes imputeis este pecado” (At 7,60).

O martírio é um ato supremo de coragem e de verdadeira prudência, o qual aos olhos do mundo pode parecer uma loucura. Os mártires revelam-nos as possibilidades da natureza que se abre a força de Deus e assinalam um modelo, real e simbólico ao mesmo tempo, para o comportamento de cada um de nós, discípulos e discípulas de Jesus Cristo.

Nenhum exemplo é mais útil para instruir ao Povo de Deus que o dos mártires. A eloquência é fácil de impetrar, a razão é eficaz para persuadir. Não obstante, valem mais os exemplos que as palavras, e ensina-se melhor com as obras que com as palavras” (S. Leão Magno, Homilia na festa de S. Lourenço).

Encerrando esta meditação, faço presentes as palavras da Lumen gentium que tão belamente nos apresenta o dom do martírio, testemunho de fé para o qual todos devemos estar dispostos: “Como Jesus, Filho de Deus, manifestou o seu amor dando a vida por nós, assim ninguém dá maior prova de amor do que aquele que oferece a própria vida por Ele e por seus irmãos (cfr. 1 Jo. 3,16; Jo. 15,13). Desde os primeiros tempos, e sempre assim continuará a suceder, alguns cristãos foram chamados a dar este máximo testemunho de amor diante de todos, e especialmente perante os perseguidores. Por esta razão, o martírio, pelo qual o discípulo se torna semelhante ao mestre, que livremente aceitou a morte para salvação do mundo, e a Ele se conforma no derramamento do sangue, é considerado pela Igreja como um dom insigne e prova suprema de amor. E embora seja concedido a poucos, todos, porém, devem estar dispostos a confessar a Cristo diante dos homens e a segui-lo no caminho da cruz em meio das perseguições que nunca faltarão à Igreja” (LG 42).

- At 6; 7

* Testemunho verdadeiramente minha Fé? Sou imagem de Jesus Cristo no meio do mundo?

* Minhas atitudes condizem com aquilo que meu coração recebeu e minha boca professa?

* Estou disposto a ser mártir ou sou prefiro ser juiz?



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