* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
arcebispo de Belém do Pará
‘Nos dias de Carnaval voltam às ruas
fantasias de reis e rainhas, para que o “reinado” de “Momo” se estabeleça, e
“tudo acabar na quarta-feira”. Volta então o quotidiano, com suas lutas,
tristezas ou alegrias. Muitas pessoas precisarão de muitos fins de semana, com
farras, bebidas ou baladas para se desafogarem, seja qual for o tempo do ano. E
a vida vai adiante, como se fossem necessários espasmos de exuberância, barulho
ou exagero. É o reino da sensibilidade e da superficialidade, ao qual
arriscamos ficar acostumados. Nasce no coração de muitas pessoas a pergunta a respeito
de uma maior continuidade de sentimentos, marcada pela serenidade. A resposta
não está no barulho ou na correria, mas dentro do coração e mais alto, no ponto
de chegada das escolhas a serem feitas. Quando estas se realizam em torno de
valores consistentes, tudo muda. Divertir-se passa a ser partilha de vida, a
alegria brota de dentro e contagia, as festas deixam de ter o gosto amargo da
ressaca ou da vergonha e a felicidade verdadeira se instala.
Jesus se proclamou Rei e anunciou que
seu reino não é desse mundo. Sua paixão era o Reino de Deus. Fala de Reino dos
Céus, usa inúmeras parábolas para dele aproximar as pessoas, mostra-o presente
dentro e perto de nós, suscita vigilância em seus discípulos para a sua
chegada. Um dia, é nossa esperança e certeza, Ele virá glorioso para julgar os
vivos e os mortos e o seu Reino não terá fim. Até lá, os cristãos têm a tarefa
ao mesmo tempo exigente e gloriosa de anunciar este Reino. Sua vida há de ser
de tal modo coerente que as pessoas se sintam atraídas a ponto de aderirem ao
Senhor e ao seu Reino. Não é necessário competir ou guerrear com os reinos do
mundo, mas implantar os valores do Evangelho, que acolhem e elevam todas as
realidades humanas, dando-lhes sentido e rumo.
Da própria natureza (Mt 6,24-34) o
Senhor tira comparações para explicar o Reino de Deus. Quando tanta gente tem
necessidade de se enfeitar ou se maquiar, em busca de fantasias para o ano
inteiro, o Senhor faz voltar os olhos para as flores do campo, que se vestem
melhor do que Salomão ou todos os reis da terra. São simples, tirando da terra
só e tão somente o que precisam para serem vivas e bonitas. Nelas o Pai do Céu
inscreveu uma harmonia que nenhum artista consegue imitar. Olhando-as, nasce
nas pessoas apaixonadas pelo Reino de Deus um bom gosto diferente. Em torno de
si, a casa, a roupa ou o ambiente começam a ficar diferentes, para melhor,
porque elas existem. Sem exageros, saem plantando uma ordem nova, sem
imposições, recolhendo o que existe de bom, integrando pessoas e coisas. Sua
presença não pesa, mas constroí relacionamento com os outros. Seu jeito de
viver, antes de analisar ou criticar, recolhe o bem e a beleza.
Sabemos que muitas pessoas “curtem” a
natureza, mas a contribuição dos cristãos é diferente. A poesia da vida nasce
do relacionamento com Deus e a justiça de seu Reino. A natureza não é
divinizada, mas acolhida e amada por pessoas que fizeram escolhas de vida,
recebendo o chamado a seguir Jesus e os valores do Reino de Deus. Não vão em busca
de forças extraordinárias, mas descobrem o extraordinário da vida no
relacionamento com Deus.
Também o “reino” animal é carregado de
lições que apontam para o “Reino de Deus”. Os pássaros dos céus, que não
semeiam, não colhem nem ajuntam em armazéns (Cf. Mt 6, 26), são sinais do amor
com que Deus cuida dos seus. Olhar para eles e descobrir as lições que o Senhor
nos oferece é sabedoria! Confiança, liberdade, entrega! Asas que se abrem e
muitas pessoas até encontram jeito de “voar”, com instrumentos esportivos que
possibilitam sentir o gostinho de tais alturas! Entretanto, maiores altitudes
podem ser alcançadas mesmo com os pés no chão, por quem se entrega confiante
nos braços do Pai, vivendo bem cada momento presente, ouvindo o apelo do
Senhor: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua
própria preocupação! Para cada dia bastam seus próprios problemas” (Mt 6, 34).
Indo além de plantas ou pássaros, Jesus
remete seus discípulos de todos os tempos à escolha que decide tudo: “Buscai em
primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão
dadas por acréscimo” (Mt 6, 33). Não somos ingênuos, pensando que Deus estará à
nossa disposição para oferecer roupa e alimento, mas sabemos que sua
Providência Santíssima age e se realiza também através de nossas escolhas
diárias. Buscar a justiça do Reino de Deus quer dizer coerência com a verdade e
retidão no agir. Se assim nos decidimos, o espaço está aberto para que Deus
realize sua obra. A culpa da falta de comida ou de roupa, casa, abrigo, apoio,
não está em Deus, mas nas estruturas injustas que se instalaram entre nós e que
não correspondem em nada com o plano por Ele estabelecido. O paraíso terrestre,
descrito no livro do Gênesis, continua sendo a referência para quem quer
conhecer o projeto original! De lá para cá, muito estrago foi feito e muitas
tarefas se apresentam para quem quer optar pelo que Deus pensa.
Nesta semana, a Igreja inicia a
Quaresma e lança em todo o Brasil a Campanha da Fraternidade, que toca num tema
atual e desafiador, o tráfico humano. Não corresponde ao plano de Deus as
pessoas serem transformadas em mercadorias, ou prostituídas. Atenta contra o
Reino de Deus crianças ou jovens e adultos serem negociados para transplante de
órgãos. Causa vergonha, revolta, e comoção que grita por soluções o tráfico de
pessoas para trabalho escravo! Tudo isso clama pelo Reino de Deus! Desejamos
contribuir para que nasça uma nova consciência social e todas as pessoas de boa
vontade se unam para vencer esta terrível chaga social. A Campanha da
Fraternidade quer ser mesmo uma Campanha de opinião pública, para suscitar
novas práticas de relacionamento entre as pessoas.
A justiça do Reino de Deus exige que as
pessoas sejam mais tratadas do que as plantas ou os animais! Sem desvalorizar a
natureza, é hora de dar um salto de qualidade no relacionamento social. Afinal,
no último dia da criação, na belíssima visão do Livro do Gênesis, foram criados
o homem e a mulher e só deles se disse “à sua imagem e semelhança” (Cf. Gn 1,
26-31). Não permaneçamos inativos ou imóveis diante de ações que vilipendiam a
beleza da obra de Deus. Esperamos um tempo novo e desejamos construí-lo juntos!’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/o-reino-de-deus-e-sua-justica
Nenhum comentário:
Postar um comentário