quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O cuidado psíquico dos presbíteros

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre César Thiago do Carmo Alves


‘‘Noites traiçoeiras...até aqui não faltou em mim esforço, dei o meu melhor...mas tenho remado muito a favor da maré, e tenho permitido que ela me leve...momentos de revolver tudo, de tomar uma nova decisão... me ilumine senhor... seu amor é e me basta me refaça, me faça apenas humano’. Dois dias antes de cometer suicídio, o padre Rosalino de Jesus Santos, com 34 anos em 2016, escreveu esse texto em sua rede social, já indicando seu estado psíquico e emocional. Um gatilho. Casos de suicídios entre os presbíteros tem provocado questionamentos no cenário eclesial. No Brasil, tem-se notícias de que entre os anos de 2016 e 2018, dezessete padres tiraram a própria vida. Nesse ano de 2021, já se contabiliza três. Na França, o bispo de Troyes, dom Marc Stenger, diante do suicídio de padres conhecidos se questionou numa entrevista : ‘Nós, os líderes, ouvimos seu sofrimento?’. E ainda recordou das perguntas feitas pelo bispo de Lebrun após o autoextermínio de Jean-Baptiste Sèbe, presbítero daquela diocese : ‘o que poderia ter feito para evitar a tragédia? Nós ouvimos seu pedido de ajuda?’.

Indubitavelmente, os presbíteros são pessoas que começaram a vida com muito idealismo. Sem se desvencilhar da perspectiva do chamado eclesial para o serviço ministerial ordenado, deve-se considerar também que várias são as motivações que levam uma pessoa a desejar tornar-se padre. A maior parte delas estão associadas a nobres ideais que se alinham na perspectiva do amor a Deus e ao próximo, num verdadeiro desejo de realização pessoal no encontro com o Senhor. De anunciar a Palavra consagrando a vida a serviço do Reino e na inteira disponibilidade para o serviço do povo. Acontece que ao longo do caminho encontram-se decepções e/ou dificuldades. Nesses casos observa-se um movimento oposto ao que se esperava como ideal, conduzindo, portanto, à frustração. Nem todos têm condições psíquicas e emocionais para enfrentá-las. Em sua pesquisa, o psicanalista Willian César Castilho, documentada na obra Sofrimento psíquico dos presbíteros, elenca a partir da oitiva de padres, relatos de frustrações, dentre os quais estão : falta de entrosamento entre os presbíteros; relacionamento ruim entre padres e religiosos; o predomínio de uso de máscaras nas relações; a vida humano-afetiva : autoritarismo e insegurança; carreirismo e busca por melhores paróquias; rivalidades; falta de reconhecimento; exploração; fofocas etc. Assim sendo, pode-se criar um ambiente nocivo para a vivência presbiteral. O padre não encontra uma rede de apoio entre os seus.

Outro fator é a compreensão que se pode ter do ministério. Pensar ser super homem, ou ainda, deus, tendo que responder a tudo e a todos de maneira satisfatória, além do mais, lidar com as expectativas que a comunidade impõe sobre a pessoa do padre. Sem tempo e com pressão externa e que o próprio presbítero se coloca internamente, ele tende a cair na síndrome do bom samaritano desiludido por compaixão. Então, novamente sobressai a pergunta : quem o escuta? Por vezes o pedido de ajuda não é verbal. O presbítero apresenta sinais, gatilhos. 

Não é raro vermos padres esgotados. Nesse sentido, é vital que, para a sua sobrevivência, tenham tempo para si mesmos. Para cultivar a espiritualidade (retiros, momentos orantes, meditações, etc.); a saúde do corpo (atividades físicas, consultas e exames médicos, etc.) e da mente (encontro com amigos, lazer, leitura, etc.). O ativismo pode ter consequências sérias. Sabemos que o trabalho é muito, mas sem uma qualidade mínima de vida, chega-se a um momento que se torna insustentável continuar. Por isso, tempo para si não é tempo perdido, muito pelo contrário. É tempo ganho que aprimora o serviço pastoral. E, ainda, é preciso buscar incansavelmente o autoconhecimento. Perceber que precisa de ajuda não torna o padre um incompetente ou um fraco. Antes disso, é sinal de alguém que reconhece sua fragilidade humana e quer crescer mesmo em meio às dores nas noites escuras. Buscar ajuda é assumir para si mesmo o que ensina Paulo : ‘quando sou fraco, então é que sou forte’ (2 Cor 12,10).

Ainda, urge a necessidade de formar os presbíteros para a fraternidade. De lançar mão das ciências que possam colaborar no amadurecimento psicológico dos padres e dos candidatos ao ministério ordenado. Retrógrada ainda é a visão de alguns responsáveis pela formação ou até mesmo bispos e superiores maiores (Gerais e/ou Provinciais) a respeito de psicólogos nas casas de formação, sob a pretensa desculpa de psicologização. Essa é uma visão pré-conciliar. Nessa linha de visão, quando a pessoa é ordenada o que espera dela, por parte de alguns, é somente o trabalho. O que importa é o que ela faz, pouco se importando com o que o presbítero vivencia. Há uma ausência de escuta verdadeira. O risco é de considerar o padre como algo descartável.

Bispos e superiores maiores de ordens e congregações têm a tarefa irrenunciável de ser agentes de comunhão entre os seus presbíteros e religiosos, favorecendo a fraternidade e não o inverso. Isso ajuda em muito a saúde psíquica. Quando essas lideranças não são agentes de comunhão e de escuta realmente interessada, afetivamente e pastoralmente, na partilha do padre, mas sim de divisão de uma diocese; prelazia; província etc., e de adoecimento do seu clero e/ou religiosos, essas mesmas lideranças precisam ter a coragem de se colocar em processo de conversão ou renunciar à função para o bem da saúde psíquica das pessoas que são por elas coordenadas e da própria diocese ou ordem/congregação.

Por outro lado, deve-se reconhecer que, felizmente, são inúmeros os bispos e superiores maiores que são verdadeiros pastores, preocupados humanamente e espiritualmente com o seu clero e religiosos. São testemunhas referenciais do Cristo Pastor. Nesses casos, observa-se padres em sua maioria felizes, realizados e com sentimento de pertença à diocese, ordem ou congregação.  Sinal de saúde.

A saúde psíquica dos presbíteros é antes de tudo uma questão de humanização. Um padre que cuida dessa dimensão, sem dúvida, potencializa a sua realização pessoal e isso tem reflexo nas suas vivências consigo mesmo, com os outros, com Deus bem como no seu apostolado. Seja a oração do padre Rosalino de Jesus Santos ‘seu amor é e me basta me refaça, me faça apenas humano’ não mais indicativo para o autoextermínio fruto de um desgaste psíquico e emocional, mas sim inspiração para uma vida saudável humanamente, psicologicamente e espiritualmente para os presbíteros. Viva a vida!

Em memória de todos os padres que cansados retiraram a própria vida, requiescant in pace!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1531720/2021/08/o-cuidado-psiquico-dos-presbiteros/

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