Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
do Padre César Thiago do Carmo Alves
‘‘Noites traiçoeiras...até
aqui não faltou em mim esforço, dei o meu melhor...mas tenho remado muito a
favor da maré, e tenho permitido que ela me leve...momentos de revolver tudo,
de tomar uma nova decisão... me ilumine senhor... seu amor é e me basta me
refaça, me faça apenas humano’. Dois dias antes de cometer suicídio, o
padre Rosalino de Jesus Santos, com 34 anos em 2016, escreveu esse texto em sua
rede social, já indicando seu estado psíquico e emocional. Um gatilho. Casos de
suicídios entre os presbíteros tem provocado questionamentos no cenário
eclesial. No Brasil, tem-se notícias de que entre os anos de 2016 e 2018,
dezessete padres tiraram a própria vida. Nesse ano de 2021, já se contabiliza
três. Na França, o bispo de Troyes, dom Marc Stenger, diante do suicídio de
padres conhecidos se questionou numa entrevista : ‘Nós, os líderes, ouvimos
seu sofrimento?’. E ainda recordou das perguntas feitas pelo bispo de
Lebrun após o autoextermínio de Jean-Baptiste Sèbe, presbítero daquela diocese :
‘o que poderia ter feito para evitar a tragédia? Nós ouvimos seu pedido de
ajuda?’.
Indubitavelmente, os
presbíteros são pessoas que começaram a vida com muito idealismo. Sem se
desvencilhar da perspectiva do chamado eclesial para o serviço ministerial
ordenado, deve-se considerar também que várias são as motivações que levam uma
pessoa a desejar tornar-se padre. A maior parte delas estão associadas a nobres
ideais que se alinham na perspectiva do amor a Deus e ao próximo, num verdadeiro
desejo de realização pessoal no encontro com o Senhor. De anunciar a Palavra
consagrando a vida a serviço do Reino e na inteira disponibilidade para o
serviço do povo. Acontece que ao longo do caminho encontram-se decepções e/ou
dificuldades. Nesses casos observa-se um movimento oposto ao que se esperava
como ideal, conduzindo, portanto, à frustração. Nem todos têm condições
psíquicas e emocionais para enfrentá-las. Em sua pesquisa, o psicanalista
Willian César Castilho, documentada na obra Sofrimento psíquico dos
presbíteros, elenca a partir da oitiva de padres, relatos de frustrações,
dentre os quais estão : falta de entrosamento entre os presbíteros;
relacionamento ruim entre padres e religiosos; o predomínio de uso de máscaras
nas relações; a vida humano-afetiva : autoritarismo e insegurança; carreirismo
e busca por melhores paróquias; rivalidades; falta de reconhecimento;
exploração; fofocas etc. Assim sendo, pode-se criar um ambiente nocivo para a
vivência presbiteral. O padre não encontra uma rede de apoio entre os seus.
Outro fator é a compreensão que
se pode ter do ministério. Pensar ser super homem, ou ainda, deus, tendo que
responder a tudo e a todos de maneira satisfatória, além do mais, lidar com as
expectativas que a comunidade impõe sobre a pessoa do padre. Sem tempo e com
pressão externa e que o próprio presbítero se coloca internamente, ele tende a
cair na síndrome do bom samaritano desiludido por compaixão. Então,
novamente sobressai a pergunta : quem o escuta? Por vezes o pedido de ajuda não
é verbal. O presbítero apresenta sinais, gatilhos.
Não é raro vermos padres
esgotados. Nesse sentido, é vital que, para a sua sobrevivência, tenham tempo
para si mesmos. Para cultivar a espiritualidade (retiros, momentos orantes,
meditações, etc.); a saúde do corpo (atividades físicas, consultas e exames
médicos, etc.) e da mente (encontro com amigos, lazer, leitura, etc.). O
ativismo pode ter consequências sérias. Sabemos que o trabalho é muito, mas sem
uma qualidade mínima de vida, chega-se a um momento que se torna insustentável
continuar. Por isso, tempo para si não é tempo perdido, muito pelo contrário. É
tempo ganho que aprimora o serviço pastoral. E, ainda, é preciso buscar
incansavelmente o autoconhecimento. Perceber que precisa de ajuda não
torna o padre um incompetente ou um fraco. Antes disso, é sinal de
alguém que reconhece sua fragilidade humana e quer crescer mesmo em meio às
dores nas noites escuras. Buscar ajuda é assumir para si mesmo o que ensina
Paulo : ‘quando sou fraco, então é que sou forte’ (2 Cor 12,10).
Ainda, urge a necessidade de
formar os presbíteros para a fraternidade. De lançar mão das ciências que
possam colaborar no amadurecimento psicológico dos padres e dos candidatos ao
ministério ordenado. Retrógrada ainda é a visão de alguns responsáveis pela formação
ou até mesmo bispos e superiores maiores (Gerais e/ou Provinciais) a respeito
de psicólogos nas casas de formação, sob a pretensa desculpa de psicologização.
Essa é uma visão pré-conciliar. Nessa linha de visão, quando a pessoa é
ordenada o que espera dela, por parte de alguns, é somente o trabalho. O que
importa é o que ela faz, pouco se importando com o que o presbítero vivencia. Há
uma ausência de escuta verdadeira. O risco é de considerar o padre como algo
descartável.
Bispos e superiores maiores de
ordens e congregações têm a tarefa irrenunciável de ser agentes de comunhão
entre os seus presbíteros e religiosos, favorecendo a fraternidade e não o
inverso. Isso ajuda em muito a saúde psíquica. Quando essas lideranças não são
agentes de comunhão e de escuta realmente interessada, afetivamente e
pastoralmente, na partilha do padre, mas sim de divisão de uma diocese;
prelazia; província etc., e de adoecimento do seu clero e/ou religiosos, essas
mesmas lideranças precisam ter a coragem de se colocar em processo de conversão
ou renunciar à função para o bem da saúde psíquica das pessoas que são por elas
coordenadas e da própria diocese ou ordem/congregação.
Por outro lado, deve-se
reconhecer que, felizmente, são inúmeros os bispos e superiores maiores que são
verdadeiros pastores, preocupados humanamente e espiritualmente com o seu clero
e religiosos. São testemunhas referenciais do Cristo Pastor. Nesses casos,
observa-se padres em sua maioria felizes, realizados e com sentimento de
pertença à diocese, ordem ou congregação. Sinal de saúde.
A saúde psíquica dos
presbíteros é antes de tudo uma questão de humanização. Um padre que cuida
dessa dimensão, sem dúvida, potencializa a sua realização pessoal e isso tem
reflexo nas suas vivências consigo mesmo, com os outros, com Deus bem como no
seu apostolado. Seja a oração do padre Rosalino de Jesus Santos ‘seu amor é
e me basta me refaça, me faça apenas humano’ não mais indicativo para o
autoextermínio fruto de um desgaste psíquico e emocional, mas sim inspiração
para uma vida saudável humanamente, psicologicamente e espiritualmente para os
presbíteros. Viva a vida!
Em memória de todos
os padres que cansados retiraram a própria vida, requiescant in pace!’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1531720/2021/08/o-cuidado-psiquico-dos-presbiteros/
Nenhum comentário:
Postar um comentário