Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo d0 Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ
‘Nestes tempos sombrios, somos
assolados por medos de todo tipo. Se não bastasse o pavor de sermos
contaminados ou de contaminar nossos entes queridos, experimentamos também o
medo de olhar para dentro de nós mesmos, pois somos conscientes que nem sempre
temos vivido essa situação de modo conforme ao Evangelho. Mas é preciso rezar
(e muito!) durante o tempo da pandemia. Vamos dar mais um passo esta semana,
lembrando, no entanto, que cada passo implica o anterior, que continua sendo
válido.
Segundo passo –
Atentos aos desejos profundos que nos movem
Para sermos pessoas de
discernimento precisamos ter a paixão de fazer em tudo a vontade de Deus, como
Jesus. Paixão pelo Reino, pela verdade, pela justiça, pela paz. Ter um grande
desejo de conhecer sempre mais e melhor o que Deus quer de nós, aqui e agora1.
Ao rezar sobre o que fazer nesse tempo de indecisões e inseguranças, Inácio nos
orienta a considerarmos que força ocupa em nossa vida essa Paixão pelo Reino!
Diante de cada possibilidade
que se apresenta a nós, importa muito considerar os motivos interiores que nos
movem a tomar esta ou aquela decisão. Normalmente somos movidos por uma mistura
de motivos, alguns deles talvez nos atraiam mais. A presença de motivos mistos
não nos impede de sermos conscientemente movidos pelo Amor de Deus, mas é
preciso dirigir nossos pensamentos e sentimentos para Deus com todo o nosso
coração, alma e mente, com toda a nossa força 2. O Amor
de Deus é que deve ser o motivo principal que nos move.
Rezar nossos desejos
profundos, que movem nossa decisão : ‘O Reino de Deus é semelhante a um tesouro escondido em
um campo que um homem encontra’ (Mt 13,44). Esse tesouro está em nós.
Decidir a própria vida é buscar e encontrar esse tesouro oculto, nosso desejo
profundo. Essa busca de nosso tesouro exige paciência e escuta, isto é, atenção
e disponibilidade aos sinais que Deus nos faz, em nós mesmos e ao nosso redor.
A filósofa judia Simone Weil pressentia isto quando escrevia em seu livro
Attente de Dieu3 : ‘Os bens mais preciosos não devem ser
buscados, mas sim esperados, porque o homem não pode encontrá-los por seus
próprios meios’.
Desejos e
discernimento : Os desejos têm
uma grande importância no discernimento espiritual. O jesuíta Anthony de Mello
ilumina essa verdade em uma história que ele nos conta de como devemos proceder
para descobrir o chamado de Deus:
O discípulo era um judeu. Ele
perguntou : ‘Qual boa obra eu devo realizar que seja aceitável a Deus?’.
‘Como eu poderia saber?’, disse o Mestre. ‘A sua Bíblia diz que
Abraão praticou a hospitalidade e Deus estava com ele. Elias amava rezar e Deus
estava com ele. Davi governou um reino e Deus estava com ele também. Há algum
modo para que eu possa encontrar o trabalho que me cabe fazer?’. ‘Sim.
Procure pela mais profunda inclinação do seu coração e a siga’4.
Contrariamente ao modo negativo
que os desejos são vistos na tradição cristã posterior, Jesus dirigia as
pessoas a irem ao encontro dos seus desejos quando elas estavam em busca de
direção para suas vidas. O evangelho de João (1,30-36) descreve a experiência
dos dois discípulos de João Batista que se põem a seguir a Jesus e este se
volta e lhes pergunta : ‘O que vocês querem?’. ‘Rabi, onde moras?’.
‘Vinde e vede’. Santo Inácio nos seus Exercícios também segue essa visão
positiva dos desejos na vida espiritual. Ele instrui os exercitantes a
iniciarem cada período de oração comunicando os seus desejos que enchem o seu
coração (EE 48). ‘Pedir o que quero e desejo’ é essencial à oração
inaciana. Inácio articula uma espiritualidade do desejo5.
Selecionando nossos
desejos na oração : Quando olhamos
para nossos corações, deparamo-nos com uma mescla de desejos, sonhos,
esperanças, necessidades, temores e desejos. Alguns dos nossos desejos são
compatíveis com outros; alguns são mutuamente excludentes. Somos conscientes
também que os desejos podem afetar nossa vida seja positiva seja negativamente.
Alguns desejos podem nos escravizar e dissipar nossas energias; outros têm a
capacidade de gerar poder e energizar nossas vidas. Eis porque é muito
importante rezar sobre os nossos desejos : A oração é o lugar onde nós
selecionamos os desejos que nós escolhemos seguir6. O
processo envolve identificá-los, avaliá-los e selecioná-los.
Discernir o desejo é
separar o que há nele de ambição e o que há de comunhão : do desejar coisas ao viver a comunhão de desejos entre pessoas.
Separar as duas forças do desejo humano : discernir o ‘Desejo’ nos
desejos dispersos, descobrir que somos ‘desejáveis’ para os demais e que
somo ricos para bendizer. O progresso no amor e no desejo é um despojamento de
tudo e de todos. Temos que tender a uma libertação do coração, que vai se
abrindo ao amor e à graça de um novo encontro. Trata-se de despertar uma atenção
aguda às atrações do coração, à emergência do Desejo7.
Seguir a Jesus no ‘mais’
do desejo : A pessoa que se põe
em contato com os relatos do evangelho é chamada a se identificar com as
figuras evangélicas em sua forma de experimentar a proximidade de Jesus, no seu
convite a viver uma vida diferente da que vivia até então, nas vicissitudes que
esse caminho de seguimento comporta; é chamada, em suma, a converter estas
experiências concretas em experiências-chave para sua própria vida. Desde modo,
viver o seguimento de Jesus se converte em uma categoria evangélica da vocação
cristã e reflexa, com as estruturas dinâmicas próprias desta figura, o processo
de aventura de reabilitação radical do desejo, que se converte em processo de
amadurecimento e confirmação da eleição de vida8.
Jesus, o mediador do Desejo de
Deus, pelo fascínio e atração que suscita, seduz e adestra o desejo a ir mais
longe, mais além dos desejos cultivados pelo mundo, mais além inclusive do que
o próprio sujeito desejante se suponha capaz de alcançar, nem sequer de poder
imaginar : o ‘mais’ do desejo. A missão de Jesus é iniciar-nos no desejo
vindo de Deus, porque não conhecemos o dom de Deus, e a este nem a carne nem o
sangue podem revelar, mas só Deus mesmo, no rosto e no amor de seu Amado. Jesus
é o Mestre do desejo e seu Desejo é o original, onde se podem mirar todos os
desejos realmente humanos.’
Notas :
(1)
Luís González-Quevedo, Discernimento Espiritual – As Regras
Inacianas, São Paulo: Loyola 2013,12.
(2) Cf. Tad Dunne, Spiritual Exercises for Today, 154.
(3)
Simone Weil, Attente de Dieu, Paris: La Colombe 1950, 120.
(4) Anthony de Mello, One Minute Wisdom, New York:
Doubleday and Company 1975, 15.
(5) Wilkie Au and Noreen C. Au, The Discerning Heart. Exploring the
Christian Path, New York/ Mahwah, N.J. : Paulist Press 2006, 133.
(6) Wilkie Au and Noreen C. Au, The Discerning Heart, 138.
(7)
Xavier Quinzá Lleó, Ordenar el caos interior. Una propuesta
espiritual. Santander- Bilbao: Mensajero – Sal Terrae 2011, 94.
(8) Xavier Quinzá Lleó, Ordenar
el caos interior, 104-105.
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1532032/2021/08/tempo-de-decidir-momento-decisivo-e-complexo-orar-a-propria-situacao-de-eleicao-segundo-passo/
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