Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Página de um manuscrito da Biblioteca Deir al-Surian
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘A teologia cristã ortodoxa,
infelizmente, é ainda pouco conhecida pela grande parcela da população cristã
no Brasil, se comparada com a teologia cristã latina. Porém, ela se mostra
riquíssima, tanto referente às suas formulações, quanto à sua iconografia, tendo
muito a nos ensinar em nossos dias. Diante disso, no texto de hoje, gostaria de
apresentar duas dimensões importantes dentro dessa teologia, bem como um
conceito muito caro a ela : a dimensão apofática, a dimensão catafática e o
conceito de Theosis (1).
No que tange à primeira
dimensão, no pensamento oriental prevalece aquela que é chamada dimensão
apofática da teologia, ou seja, segundo a definição de Evdokimov, ‘a
teologia é a negação de toda definição humana’ (EVDOKIMOV, 1996, p.22).
Dessa forma, para Evdokimov, não existe nome capaz de exprimir Deus de forma
adequada, podendo somente se falar sobre aquilo que Deus não é e nunca aquilo
que Ele é. Nesse sentido, a tônica da teologia oriental é apofática desde que
ela não se desligue de sua base que é a teologia catafática.
Meyendorff, em seu livro La
teologia Bizantina, nos dá uma boa visão do que seria a
teologia catafática, mostrando-nos sua premissa que diz que só podemos conhecer
de Deus aquilo que Dele é revelado. Uma vez que Ele sempre se revela como Pai,
Filho e Espírito, esse fato não pode ser deduzido de nenhum princípio ou de
forma racional (cf. MEYENDORFF, 1984, p.220). Aqui, fica-se claro que a
teologia apofática e catafática são complementares. Enquanto não é possível
dizer quem Deus é em sua essência (dimensão apofática), ainda assim é possível
falarmos de Deus a partir daquilo que ele revelou a nós (dimensão catafática).
Algo que é importante de se ter
em mente é que a teologia cristã ortodoxa sempre deu ênfase à monarquia do Pai.
Tudo procede do Pai e está em estreita relação com o ele. Dessa forma, as
relações da Trindade se manifestam de acordo com as propriedades pessoais de
cada um e são essas propriedades que distinguem o Pai como não gerado e fonte
de todas as coisas, o Filho como gerado e o Espírito na qualidade de expirado.
O Pai é eternamente Pai, o Filho é coexistente ao Pai e o Espírito procede do
Pai. Essas características de não gerado, gerador e expirador permanecem no
campo apofático na perspectiva oriental, cabendo ao ser humano simplesmente
contemplar o mistério divino.
Por último, apresentamos o
lindo conceito da Theosis. Theosis, ou divinização
do homem querem dizer a mesma coisa. Ambas tratam da pneumatização do ser
humano, do seu ser transformado pelo Espírito Santo. A Theosis representa
o fim último do ser humano, que é viver a semelhança que faz com que a imagem
siga em direção ao seu arquétipo, ou em outras palavras, participar da vida de
Deus.
Diversos foram os padres gregos
que discorreram sobre o tema da Theosis, tais como Orígenes,
Clemente de Alexandria, Irineu e Atanásio, dentre vários outros que poderíamos
citar, padres esses de fundamental importância para o desenvolvimento da
teologia oriental. Em todos esses é clara a visão de que o homem deve ser
deificado, ou seja, ter restaurada a imagem autêntica de Deus.
Contudo, mostra-se muito
importante percebermos que a deificação, no pensamento oriental, não se encerra
na restauração da imagem de Cristo, o que tornaria esse processo estático, mas
se trata de um movimento contínuo, de um se assemelhar crescente a essa imagem,
tendo o Espírito Santo um papel fundamental nesse processo. Esse pensamento
segue ao longo dos séculos na teologia oriental, tendo diversos
sistematizadores, tais como Máximo Confessor, Gregório Palamas e, mais
recentemente, Paul Evdokimov e John Meyendorff, fazendo-nos perceber ser esse
um dos pilares dessa teologia.
Logicamente, não tem como desenvolvermos todos esses temas na profundidade que merecem e muitos outros ficaram de fora, tais como a questão sacramental e a epiclese. Contudo, diante desse pequeno panorama, convidamos o leitor e a leitora a conhecer mais dessa teologia tão rica, que pode cooperar muito para uma experiência mais profunda da própria fé cristã em nossos dias.
Nota :
1) Esse texto toma por base nosso artigo A epiclese enquanto espelho da Theosis: uma abordagem possível na teologia oriental
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1535187/2021/08/um-pequeno-panorama-sobre-a-teologia-crista-ortodoxa/
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