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quinta-feira, 27 de julho de 2023

O suicídio de padres no Brasil

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
*Artigo do Padre Licio de Araújo Vale,

Diocese de São Miguel Paulista, SP


Mesmo a fé sendo uma aliada essencial para dar sentido à vida, e os padres, importantes alicerces para a vivência da fé, algo tem acontecido que extrapola a força da crença e da vocação. Tenho feito o registro do suicídio notificado de padres no Brasil. A minha pesquisa começa com a morte do Pe. Bonifácio Buzzi, aos 57 anos, em Três Corações-MG, em 07 de agosto de 2016 e termina com a morte do Pe. Mário Castro, aos 55 anos, na Diocese de Roraima, em 19/06/2023. De agosto de 2016 a junho de 2023, 40 padres se mataram no Brasil.

O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. No caso dos padres, vários estudos apontam que os principais fatores de risco são o estresse, a solidão e a cobrança excessiva. O Papa Francisco acrescenta a questão do clericalismo : ‘O clericalismo é uma peste na Igreja’, afirmou ele em entrevista no voo de volta de Fátima, em 14/05/2017.

Nos dias de hoje, tanto a Igreja quanto os próprios sacerdotes enfrentam o desafio de atuar numa sociedade cada vez mais individualista, secularizada e espetacularizada, que apresenta grandes exigências causadas pelas mudanças sociais e pela pluralidade de valores. A evolução experimentada pela sociedade pós-moderna deixou sua marca na vida da Igreja, provocando uma mudança na imagem que as pessoas têm dela e, por conseguinte, de seus sacerdotes.

Diversas contingências incidem na realidade do sacerdote hoje. Neste artigo, convido vocês para de refletirem apenas sobre uma delas : o dilema entre a imagem teológica e a sociológica do presbítero.

Em muitos casos, a imagem teológica do sacerdote se contrapõe à imagem sociológica que lhe é atribuída na sociedade dita pós-moderna. A imagem teológica é aquela que o sacerdote projeta quando celebra os sacramentos, os sacramentais e quando se relaciona com seus colaboradores mais próximos. Por outro lado, a imagem sociológica é aquela que o presbítero recebe da sociedade, muitas vezes diferente daquela que ele tem de si próprio, o que pode causar estresse, solidão e abatimento. A contradição entre essas duas imagens pode levar o sacerdote a subvalorizar a imagem teológica, ou então enclausurar-se nela. Dessa forma, pode mover-se numa ambivalência que lhe facilite passar de uma imagem a outra. Mais ainda, a supervalorização da imagem teológica pode levá-lo a subestimar a imagem sociológica e cultivar o desejo de ocupar um posto na sociedade, ao passo que a infravalorização dessa imagem teológica pode levar a questioná-la e vê-la como um produto de uma teologia exagerada.

Portanto, o desafio dos sacerdotes neste aspecto resume-se a não fugir da realidade, refugiando-se na imagem teológica do presbítero, mas tampouco ignorar a imagem sociológica que se tem deles na sociedade atual. Mais ainda, devem viver coerentemente a dimensão teológica do sacerdócio, tão questionada a partir da realidade social em todos os seus aspectos. É o caso de um sacerdote recém-ordenado que fica deslumbrado com sua imagem teológica, motivo pelo qual nela se refugia e se identifica somente como sacerdote, porém começa a se distanciar de sua humanidade, de seu ‘ser pessoa’ com qualidades e defeitos. Gostaria de lembrar aqui que no caso da vocação sacerdotal o Senhor chama ‘pessoas’. Para ‘ser padre’, é preciso ‘ser’ primeiro.

Assim, evadir-se de sua verdadeira realidade pode resultar em uma personalidade fragmentada, inclusive com o aparecimento de transtornos psíquicos. O século XXI vem se caracterizando pela marcação de um ritmo diferente, no qual reinam o individualismo, a urbanização, a inteligência artificial, o metaverso, ou seja, uma outra realidade. Ser sacerdote no século XXI implica uma descoberta nova para a Igreja, porque os paradigmas anteriores e a experiência dos sacerdotes predecessores não respondem a todas as interrogações que os ministros ordenados atualmente enfrentam. Adaptar-se ao tempo presente mediante serviço fiel e efetivo ao chamado do Evangelho requer olhos e ouvidos atentos aos sinais dos tempos, habilidade para atender aos corações sedentos nesta mudança de época e cuidar de si.

Por fim, é relevante reconhecer a importância e urgência de uma melhor formação inicial nos seminários e noviciados (trabalhando mais efetivamente a dimensão humano-afetiva), a criação de estratégias pastorais mais apropriadas não só para a formação permanente, mas também para o cuidado dos próprios sacerdotes, como também enfrentar o medo e o preconceito em relação à saúde mental dos presbíteros.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-07/padre-licio-suicido-padres-brasil.html

terça-feira, 12 de julho de 2022

A morte de um padre

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Louis Daufresne


‘Um suicídio envia sempre uma mensagem. Mas decifrá-lo é complicado. Só se pode especular, discernir um grito de ajuda, comparar este ato a uma vingança pessoal. Quando o ato fatal não é acompanhado por uma carta, as pessoas em redor ficam com um terrível sentimento de culpa. Quando o suicídio se repete, o fenômeno torna-se o barómetro de uma grande depressão coletiva. A Igreja não é exceção, mesmo que poucos padres tirem as suas próprias vidas.

O recente suicídio do padre François de Foucauld, da diocese de Versalhes, entristece o coração e força a mente a questionar-se a si própria. Como poderia ele ter chegado a isto? Um padre dá a sua vida pela ‘boa notícia’. Ele instrui e nutre almas para ajudá-las a crescer rumo ao Céu. Nas nossas mentes, o abismo não tem qualquer influência sobre ele. Um padre que comete suicídio é como um salva-vidas abandonando um banhista em apuros para se afogar diante dos seus olhos. Assim, quando a tragédia ocorre, a emoção é enorme.

Uma forma de repúdio

No entanto, os meios de comunicação social falharam em grande parte sobre o evento. Relegaram-no à página de notícias. É uma notícia. Mas esta história trágica é reforçada pelos seus próprios ingredientes. Primeiro, havia o nome, conhecido e prestigioso, ao qual remetia o nome do sacerdote : o grande Charles de Foucauld tinha acabado de ser declarado santo em Roma, em meados de Maio. O padre François tinha a marca desse sobrenome, é claro. A sua morte voluntária foi um sinal de repúdio a esta herança, como se o seu antepassado não o tivesse podido ajudar de cima. Podemos imaginar que ele não o implorou na sua angústia? Depois havia o lugar : Versalhes, a ‘reserva’ onde persiste uma sociologia familiar católica militante, com tudo o que os códigos de boa educação exigem em termos de contenção e respeitabilidade. O padre François de Foucauld parecia corresponder a este tipo ideal.

A sua idade também era digna de nota, muito jovem por padrões clericais : teria feito 50 anos no dia do seu funeral. O seu perfil também era intrigante : um homem de carácter, representava esta geração de párocos de choque enviados para a frente de uma paróquia em desordem. Não havia razão para suspeitar de um erro de discernimento. O padre François tinha estado a oficializar durante 18 anos no mesmo território. No final, ainda não é claro o que o poderia ter levado a tirar a sua própria vida. Havia os sinais : tanto quanto pude perceber, o nível de alerta tinha sido atingido desde a greve de fome que ele infligiu a si próprio durante vinte dias num apartamento em Levallois, fora da vista dos seus paroquianos. Depois houve o seu artigo no La Croix em que apelava à ‘liberdade de expressão’ e à ‘consideração das testemunhas de abusos de poder’ a fim de ‘discernir gradualmente em conjunto as regras claras e pacíficas de governança no seio da Igreja’.

Quem é o responsável?

Por um lado, os ‘amigos’ do padre François de Foucauld apontam para disfunções institucionais cristalizadas num relatório de auditoria e numa mediação exclusivamente incriminatória, como se a Igreja se isentasse das regras do direito nos seus procedimentos litigiosos, em particular do debate contraditório entre o padre e os leigos que recriminam contra ele. Por outro lado, a diocese afirma ter esgotado todos os meios à sua disposição. Diz-se que o padre de Foucauld havia se fechado numa forma de incomunicação, tendo a sua atitude perante a hierarquia conduzido a uma situação insolúvel.

A instituição é responsável? Ninguém se pergunta se os pais se sentiriam alienados pelo suicídio dos seus filhos. O mesmo se aplica aos dirigentes de empresas ou instituições afetadas por epidemias de suicídio. No entanto, são considerados responsáveis, pelo menos moralmente, pelas más condições de trabalho que levaram alguns a cometer suicídio. ‘Ficarei marcado para sempre’, disse o antigo chefe da empresa France Telecom, Didier Lombard, soluçando ao ouvir os testemunhos de partes civis no julgamento de recurso da empresa na semana passada por assédio moral, após 19 suicídios e 12 tentativas de suicídio. O seu braço direito Louis-Pierre Wénès ‘sempre considerou que não havia mal-estar generalizado na empresa, mas sim, sem dúvida, situações individuais delicadas’. Esta é a questão. Trata-se de um fenômeno sistêmico ou de um caso isolado?

Algumas pessoas gostariam de fazer com que a Igreja parecesse uma zona sem lei, uma espécie de território perdido da República. A controvérsia é um mau conselheiro. O que é evidente é que o sofrimento no trabalho é um tabu. Aprendemos que a Igreja está no mundo mas não é do mundo. Este adágio, se mal interpretado, pode levar os homens com cargos de responsabilidade a não prestarem contas a ninguém. As guerras do ego não encontram assim uma forma de se abrir e resolver. Tanto mais que as relações entre as pessoas consagradas são difíceis de compreender. O conceito de obediência parece nebuloso. Um bispo não tem autoridade civil sobre o seu padre, o que coloca a questão do abuso de poder em perspectiva.

Três lições

Uma primeira lição desta tragédia seria, de acordo com uma fórmula já difundida, permitir que o sofrimento seja exprimido. Nicolas Jourdier, um diretor de empresa, acaba de criar o grupo Saint-Michel-Saint-François no Facebook. Amigo muito próximo do padre François de Foucauld, ele pretende trabalhar para libertar as palavras de clérigos, leigos e voluntários que não encontram ninguém com quem falar. Em 24 horas, quase 450 pessoas já se apresentaram, para sua surpresa, com a benevolência de dois arcebispos. A segunda lição seria respeitar os procedimentos de auditoria interna decididos nas dioceses para resolver conflitos entre pessoas, tais como o que foi lançado em Versalhes. Recordemos as condições : independência, uma vez que o auditor não deve estar envolvido nas operações analisadas ou nas partes envolvidas. Integridade – o que significa verificação cruzada de fontes para melhor determinar a verdade. Objetividade, o que significa confrontar as conclusões com os responsáveis pelas operações a serem auditadas. Se houver uma discrepância entre a análise do auditor e o ponto de vista do auditado, ambos são citados, para evitar qualquer risco de uma ‘auditoria de acusação’.

Uma terceira lição, provavelmente a mais importante, seria a de educar os leigos, que são demasiado rápidos para ‘acreditar’ em tudo que se comenta. Algumas pessoas querem brilhar na sua própria luz, como se o Concílio Vaticano II lhes oferecesse um passe para o excesso de zelo. Será que o padre François de Foucauld teria encontrado no mesmo estado psíquico que o professor que está sujeito a uma trama de pais e cujo diretor o deixa cair? Normalmente, na escola, aqueles que denunciam são repreendidos. Isso acontece na Igreja? Afinal, se todos ficassem no seu lugar, a sociedade ficaria ‘melhor’. O desrespeito em todos os níveis também não poupa as paróquias. Nesta história, como em tantas outras, coloca-se a questão da devida compreensão da autoridade.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/07/11/a-morte-de-um-padre/

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Suicídio de padres no Brasil: o que está acontecendo?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Francisco Vêneto,

jornalista 


‘O suicídio de padres no Brasil tem se tornado um assunto preocupantemente frequente.

Neste último dia 1º de fevereiro, o corpo sem vida do padre Geraldo de Oliveira, de 77 anos, foi encontrado entre os bancos da igreja de São Sebastião, em Surubim, Pernambuco, ao lado de um frasco e de uma carta na qual declarava sentir-se desprezado pela própria comunidade.

O bispo da diocese de Nazaré da Mata, dom Francisco de Assis, prestou solidariedade ‘aos seus familiares, ao clero, à paróquia São Sebastião, em Surubim, e ao povo de Deus’, acrescentando tratar-se de um ‘momento de grande dor’. Dom Francisco afirmou ainda que, ‘como seguidores de Jesus, caminho, verdade e vida, cremos na vida eterna e na superioridade do amor de Deus, a quem recomendamos esse nosso irmão, confiando-lhe também as preces de todos os nossos diocesanos’.

Só ao longo de 2021 e início de 2022, já foram ao menos 10 casos confirmados de suicídios de padres no Brasil.

Em novembro de 2021, repercutiu intensamente no país um contundente comentário sobre a gravidade deste panorama e sobre a carência de acompanhamento e apoio aos padres nos seus momentos de maior fragilidade emocional. 

O clero está despertando para as próprias necessidades?

Sobre o mais recente episódio de suicídio de um padre brasileiro, o bispo de Barretos, SP, dom Milton Kenan Junior, escreveu uma mensagem aos sacerdotes na qual registra que há membros do clero que, a seu ver, tendem a ‘rotular, desprezar, ignorar, boicotar… porque aquele irmão não pensa como eu, porque o outro ousa ser diferente’.

Sem justificar o ato desesperado e extremo de dar fim à própria vida, o bispo assegurou que muitos se suicidam ‘porque não encontraram quem se sentasse com eles para ouvi-los; porque não encontraram alguém que os olhasse sem julgá-los’. Dom Milton exortou os padres a mudarem este cenário para evitar a multiplicação de casos como o do padre Geraldo, que, nas palavras do bispo, ‘depois de 50 anos de sacerdócio procurou a dignidade na morte por própria conta’.

Suicídio de padres no Brasil : afinal, por quê?

Segundo o padre José Rafael Solano Durán, de Londrina, PR, encontramos hoje ‘presbíteros, diáconos e bispos desencantados; homens que já não se sentem mais atraídos por nada e muito menos por ninguém. Neste caso, por Cristo’. O padre José Rafael, que é doutor em Teologia Moral, acrescenta, segundo matéria do site Gaudium Press, que, ‘para muitos, fazer parte do clero é muito mais do que um problema, um dilema. Homens capazes de pensar e refletir, mas incapazes de decidir. Quem não sabe decidir perde o horizonte do fundamental e chega a um ponto no qual situações inesperadas o absorvem, se tornando simplesmente alguém que vive segundo as decisões dos outros’.

Entre essas ‘decisões dos outros’ há desde casos de falsa vocação, induzida sem discernimento sério e responsável por parte de familiares ou mesmo de formadores em seminários, até pressões desproporcionais relacionadas não apenas com a vida sacramental dos fiéis, mas também com questões administrativas sem estrutura de apoio. Não se podem ignorar, tampouco, as cada vez mais frequentes situações de clamorosa injustiça decorrente de falsas acusações de assédio sexual ou moral : tornou-se preocupantemente comum generalizar contra a totalidade do clero como se todos fossem predadores abomináveis, quando a grande maioria dos sacerdotes não tem culpa nem corresponsabilidade alguma pelos crimes hediondos perpetrados por uma minoria de bandidos de batina.

Um histórico preocupante de estresse e depressão

Embora o acúmulo de casos de suicídio de padres tenha sido particularmente chocante em 2021 e os sinais de alerta continuem intensos em 2022, não é de hoje que este quadro se registra na Igreja brasileira.

Em novembro de 2016, por exemplo, uma sequência de três suicídios dentro do período de apenas 15 dias chamou as atenções da mídia. O padre Ligivaldo dos Santos, de Salvador, se atirou de um viaduto aos 37 anos de idade. O padre Rosalino Santos, de Corumbá, MS, tinha 34 anos quando publicou no Facebook uma foto de quando era criança, legendada com frases soltas como ‘Dei o meu melhor’ e ‘Me ilumine, Senhor’ – dois dias depois, o seu corpo sem vida foi encontrado pendendo de uma forca. Pouco depois, o terceiro sacerdote brasileiro a dar fim à própria vida dentro daquela quizena foi o pároco Renildo Andrade Maia, de Contagem, MG : ele tinha apenas 31 anos.

Psicologia e sacerdócio

Na época, o psicólogo Ênio Pinto, autor do livro ‘Os Padres em Psicoterapia’, destacou que ‘a vida religiosa não dá superpoderes aos padres. Pelo contrário, eles são tão falíveis quanto qualquer um de nós. Em muitos casos, a fé pode não ser forte o suficiente para superar momentos difíceis’. Ênio tem noção do que diz, já que trabalhou durante muitos anos no Instituto Terapêutico Acolher, em São Paulo, fundado no ano 2000 especificamente para oferecer atendimento psicoterápico a padres, freiras e leigos a serviço da Igreja.

A mesma visão foi compartilhada pelo também psicólogo William Pereira, autor do livro ‘Sofrimento Psíquico dos Presbíteros’. Para ele, ‘o grau de exigência da Igreja é muito grande : espera-se que o padre seja, no mínimo, modelo de virtude e santidade. Qualquer deslize, por menor que seja, vira alvo de crítica e julgamento. Por medo, culpa ou vergonha, muitos preferem se matar a pedir ajuda’.

Já na época foram apontados como possíveis fatores de peso para o suicídio de padres no Brasil o excesso de trabalho, a falta de lazer e a perda de motivação.

Estresse, ansiedade, depressão e sacerdócio

De fato, uma pesquisa realizada ainda em 2008 pela organização Isma Brasil, voltada a estudar e tratar do estresse, já indicava que a vida sacerdotal era uma das ocupações mais estressantes : dos 1.600 padres e freiras entrevistados naquele ano, 448 (28%) se disseram ‘emocionalmente exaustos’, um percentual superior ao dos policiais (26%), dos executivos (20%) e dos motoristas de ônibus (15%). Segundo a psicóloga coordenadora dessa pesquisa, Ana Maria Rossi, os padres diocesanos são mais propensos a sofrer de estresse do que os religiosos que vivem reclusos. Na sua opinião, um dos fatores mais estressantes ‘é a falta de privacidade. Não interessa se estão tristes, cansados ou doentes : os padres têm que estar à disposição dos fiéis 24 horas por dia, sete dias por semana’.

Realmente, muito longe da ‘vida mansa’ que os desinformados atribuem levianamente ao clero em geral, o dia-a-dia da maioria dos sacerdotes é pontuado por muitas celebrações de batizados, casamentos, unções dos enfermos, escuta de confissões e um grande número de atividades pastorais que incluem iniciativas logisticamente complexas de caridade e ação social junto a pessoas necessitadas, além da celebração diária da Santa Missa, das orações pessoais ou comunitárias e dos tempos de estudo – sem mencionar os casos em que o padre ainda dá aulas e atende os fiéis em direção espiritual, ouvindo e tendo que dar conselhos diante de casos que, muitas vezes, são de uma gravidade devastadora.

Outra instituição especialmente dedicada a atender sacerdotes e freiras que lutam contra o estresse, a ansiedade ou a depressão é a Âncora, do Paraná, que chega a registrar ocupação de 100% e, em alguns meses, trabalha com lista de espera.

Fiéis devem ficar atentos, julgar menos e ajudar mais

É oportuno lembrar aos leitores católicos que é dever cristão zelar pelo bem das almas – e isto inclui a alma dos sacerdotes, religiosos, seminaristas, freiras e leigos consagrados. Eles contam com especial graça de Deus, certamente, mas Deus sempre deixou claro que confia o acolhimento da Sua graça à nossa liberdade, inteligência e caridade : todos precisamos fazer a nossa parte, seja por nós próprios, seja pelos outros, ajudando-os especialmente quando estão sobrecarregados e necessitados da nossa fraternidade.

Devemos tomar em especial o cuidado de não cometer injustos julgamentos baseados na visão imatura de que ‘o que falta a esses padres é vida de oração’. Em vários casos isto será verdade, mas é incorreto generalizar. Esta generalização reducionista, aliás, pode chegar a ser pecado de calúnia ou, no mínimo, maledicência. Mesmo as pessoas que vivem intensamente a fé e uma sólida espiritualidade estão sujeitas, sim, ao esgotamento físico e à necessidade de ajuda.

Se julgarmos menos e ajudarmos mais, viveremos com mais coerência o cristianismo que dizemos professar e que tanto gostamos de cobrar dos outros.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/02/21/suicidio-de-padres-no-brasil-o-que-esta-acontecendo/

sábado, 23 de outubro de 2021

Padre, sua vida também importa!

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Eliseu Donisete de Paiva Gomes,

da Arquidiocese de Mariana, MG


‘Desde 2015 no Brasil, por iniciativa do CVV (Centro de Valorização da Vida), da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) em conjunto com o CFM (Conselho Federal de Medicina), iniciou-se uma campanha de prevenção ao suicídio, que recebeu o nome de ‘Setembro Amarelo’, justamente porque o dia 10 do referido mês é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), recolhidos no ano de 2012, aproximadamente 800 mil pessoas cometem suicídio anualmente. É sem dúvida uma estatística muita assustadora, que atinge pessoas de todas as idades, gênero, classe social, cor, crentes, ateus, padres, freiras, etc. Estima-se que no mundo a cada 40 segundos alguém comete suicídio. No Brasil são 10 mil suicídios por ano, uma média de 27 brasileiros por dia, ou seja, a cada hora, uma pessoa tira sua vida no país.

Nesse cenário é preciso também falar sobre o suicídio na vida sacerdotal, que nos últimos anos tem aumentado de forma bastante expressiva. No Brasil entre os anos de 2017 e 2018 foram 20 padres que tiraram a própria vida, e desde que a pandemia começou já se tem notícias que no país 7 padres cometeram suicídio. Vários são os questionamentos que vão surgindo como forma de encontrar respostas para esse triste e preocupante cenário.

Quais os principais fatores que têm contribuído para o suicídio na vida sacerdotal? 

Estresse profissional

Uma pesquisa realizada em 2008 pela ISMA-BR (International Stress Management Association), voltada ao desenvolvimento da prevenção e do tratamento de stress no mundo, apontou que a vida sacerdotal é uma das profissões mais estressantes da atualidade. Nessa pesquisa, além de padres e religiosos, foram entrevistados profissionais de diversas áreas, dando destaque para os agentes de segurança pública, empresários e motoristas de ônibus, que comumente são profissões tidas como muito estressantes. Mas entre todas as profissões, os sacerdotes são os que mais experimentam o estresse profissional. Na pesquisa dos 1,6 mil padres e freiras entrevistados, 28% deles, quase 500, se sentiam ‘emocionalmente exaustos’.

O sacerdote é visto por muitos como se fosse um ‘super-homem’, e que por isso, tem que estar 24 horas disponível para atender a todas as solicitações da comunidade da qual ele foi constituído pároco e pastor. Mas no dia a dia da missão sacerdotal, ele precisa ser mais do que pastor, porque as demandas são tão variadas, que passam a exigir dele aptidões que estão para além da formação que recebeu no processo formativo.

 Na comunidade paroquial o sacerdote vai ter que lidar com construções e reformas de capelas, administração financeira e contábil, cuidar e zelar por todo o patrimônio paroquial, muitas vezes terá que atuar como psicólogo na orientação dos fiéis, em outros momentos terá que resolver conflitos entre membros das pastorais e lidar com problemas sociais, além é claro, da administração dos Sacramentos, reuniões e formações pastorais. Tudo isso, faz com que o sacerdote, com essa sobrecarga de trabalho, não tenha tempo para cuidar de si, da sua vida espiritual, da saúde mental, do seu lazer e descanso, e em pouco tempo, vai entrar num processo de estresse, esgotamento e desmotivação. 

Depressão  

Outro fator que pode desencadear o suicídio é a depressão. Em todo o mundo, aproximadamente 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofrem com esse transtorno. E o sacerdote, que também é gente, é ser humano, está sujeito a desenvolver esse transtorno mental. Depressão não é ausência ou falta de Deus. Se fosse assim, os padres nunca teriam esse transtorno. Inclusive muitos homens e mulheres de fé que o mundo já viu, tiveram lutas fortes contra a depressão, como por exemplo, São Francisco de Sales e Santa Terezinha do Menino Jesus. No caso específico do sacerdote, a depressão ocorre sobretudo por causa do isolamento, da falta de convivência com os demais presbíteros, não se sentir valorizado e nem realizado no ministério, dependência e conflitos afetivos, desequilíbrio emocional, entre outros. Se o sacerdote não procura ajuda, não dá o grito de socorro diante dessas situações, poderá entrar num quadro de depressão, e consequentemente até chegar ao suicídio.

Cobrança excessiva

O tempo de formação até o sacerdócio ministerial, em se tratando das dioceses, dura aproximadamente oito anos, sendo um ano de Propedêutico, três anos de Filosofia e quatro anos de Teologia. Esse longo tempo vai ajudá-lo a se preparar acadêmica, espiritual e humanamente para estar à frente de uma comunidade paroquial. No entanto, isso não dá ao sacerdote poderes especiais, como se ele tivesse uma varinha de condão, para resolver todos os problemas da comunidade. Muitas vezes a ideia que transparece no meio do povo é que o padre é incansável, e isso é uma grande mentira. Assim como qualquer pessoa, o sacerdote se cansa, tem as suas crises, experimenta dores, enfermidades, sofrimentos, chora, fica triste, tem suas alegrias e realizações. Não se pode esquecer que antes de ser padre, ele é um ser humano. Nesse sentido, os fiéis precisam entender que quando as cobranças se tornam excessivas, elas de nada ajudam. Ao contrário, vão contribuir para gerar um maior desgaste na vida dos sacerdotes.

O que pode ser feito para ajudar os sacerdotes?

O primeiro passo é que cada sacerdote não se esqueça de cuidar de si mesmo. Como diz o ditado popular : ‘Quem gosta da gente somos nós mesmos’. E aqui entra uma importante iniciativa em muitas dioceses, a chamada Pastoral Presbiteral, que visa proporcionar encontros, momentos de formação, partilha e convivência entre os presbíteros, auxiliando-os nesse cuidado permanente da saúde mental. 

Um segundo passo é o envolvimento da própria comunidade eclesial que deve sentir-se responsável no processo de cuidado dos seus sacerdotes. Não é apenas rezar por eles, mas ser presença afetiva, amiga e carinhosa, de forma que esse cuidado proporcione ao sacerdote uma vida mais saudável que o fortaleça na sua vocação e missão. O padre cuida, mas também precisa ser cuidado.  

Um último passo é o cuidado dos bispos com os seus sacerdotes. E deve ser um cuidado paternal, afinal o bispo é pai, e como tal precisa estar atento e ser próximo dos seus filhos sacerdotes, sobretudo quando estes estão passando por situações mais delicadas e de fragilidades na saúde mental.

Assim como Jesus, que foi enviado pelo Pai, e deseja que nenhum daqueles que lhe foram confiados se percam (cf. Jo 6,39), o bispo, o presbitério e o povo, devem fazer o mesmo a fim de que nenhum sacerdote perca a sua vida por falta de cuidado, atenção e amor. Padre, a sua vida também importa!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1544623/2021/10/padre-sua-vida-tambem-importa/

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O cuidado psíquico dos presbíteros

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre César Thiago do Carmo Alves


‘‘Noites traiçoeiras...até aqui não faltou em mim esforço, dei o meu melhor...mas tenho remado muito a favor da maré, e tenho permitido que ela me leve...momentos de revolver tudo, de tomar uma nova decisão... me ilumine senhor... seu amor é e me basta me refaça, me faça apenas humano’. Dois dias antes de cometer suicídio, o padre Rosalino de Jesus Santos, com 34 anos em 2016, escreveu esse texto em sua rede social, já indicando seu estado psíquico e emocional. Um gatilho. Casos de suicídios entre os presbíteros tem provocado questionamentos no cenário eclesial. No Brasil, tem-se notícias de que entre os anos de 2016 e 2018, dezessete padres tiraram a própria vida. Nesse ano de 2021, já se contabiliza três. Na França, o bispo de Troyes, dom Marc Stenger, diante do suicídio de padres conhecidos se questionou numa entrevista : ‘Nós, os líderes, ouvimos seu sofrimento?’. E ainda recordou das perguntas feitas pelo bispo de Lebrun após o autoextermínio de Jean-Baptiste Sèbe, presbítero daquela diocese : ‘o que poderia ter feito para evitar a tragédia? Nós ouvimos seu pedido de ajuda?’.

Indubitavelmente, os presbíteros são pessoas que começaram a vida com muito idealismo. Sem se desvencilhar da perspectiva do chamado eclesial para o serviço ministerial ordenado, deve-se considerar também que várias são as motivações que levam uma pessoa a desejar tornar-se padre. A maior parte delas estão associadas a nobres ideais que se alinham na perspectiva do amor a Deus e ao próximo, num verdadeiro desejo de realização pessoal no encontro com o Senhor. De anunciar a Palavra consagrando a vida a serviço do Reino e na inteira disponibilidade para o serviço do povo. Acontece que ao longo do caminho encontram-se decepções e/ou dificuldades. Nesses casos observa-se um movimento oposto ao que se esperava como ideal, conduzindo, portanto, à frustração. Nem todos têm condições psíquicas e emocionais para enfrentá-las. Em sua pesquisa, o psicanalista Willian César Castilho, documentada na obra Sofrimento psíquico dos presbíteros, elenca a partir da oitiva de padres, relatos de frustrações, dentre os quais estão : falta de entrosamento entre os presbíteros; relacionamento ruim entre padres e religiosos; o predomínio de uso de máscaras nas relações; a vida humano-afetiva : autoritarismo e insegurança; carreirismo e busca por melhores paróquias; rivalidades; falta de reconhecimento; exploração; fofocas etc. Assim sendo, pode-se criar um ambiente nocivo para a vivência presbiteral. O padre não encontra uma rede de apoio entre os seus.

Outro fator é a compreensão que se pode ter do ministério. Pensar ser super homem, ou ainda, deus, tendo que responder a tudo e a todos de maneira satisfatória, além do mais, lidar com as expectativas que a comunidade impõe sobre a pessoa do padre. Sem tempo e com pressão externa e que o próprio presbítero se coloca internamente, ele tende a cair na síndrome do bom samaritano desiludido por compaixão. Então, novamente sobressai a pergunta : quem o escuta? Por vezes o pedido de ajuda não é verbal. O presbítero apresenta sinais, gatilhos. 

Não é raro vermos padres esgotados. Nesse sentido, é vital que, para a sua sobrevivência, tenham tempo para si mesmos. Para cultivar a espiritualidade (retiros, momentos orantes, meditações, etc.); a saúde do corpo (atividades físicas, consultas e exames médicos, etc.) e da mente (encontro com amigos, lazer, leitura, etc.). O ativismo pode ter consequências sérias. Sabemos que o trabalho é muito, mas sem uma qualidade mínima de vida, chega-se a um momento que se torna insustentável continuar. Por isso, tempo para si não é tempo perdido, muito pelo contrário. É tempo ganho que aprimora o serviço pastoral. E, ainda, é preciso buscar incansavelmente o autoconhecimento. Perceber que precisa de ajuda não torna o padre um incompetente ou um fraco. Antes disso, é sinal de alguém que reconhece sua fragilidade humana e quer crescer mesmo em meio às dores nas noites escuras. Buscar ajuda é assumir para si mesmo o que ensina Paulo : ‘quando sou fraco, então é que sou forte’ (2 Cor 12,10).

Ainda, urge a necessidade de formar os presbíteros para a fraternidade. De lançar mão das ciências que possam colaborar no amadurecimento psicológico dos padres e dos candidatos ao ministério ordenado. Retrógrada ainda é a visão de alguns responsáveis pela formação ou até mesmo bispos e superiores maiores (Gerais e/ou Provinciais) a respeito de psicólogos nas casas de formação, sob a pretensa desculpa de psicologização. Essa é uma visão pré-conciliar. Nessa linha de visão, quando a pessoa é ordenada o que espera dela, por parte de alguns, é somente o trabalho. O que importa é o que ela faz, pouco se importando com o que o presbítero vivencia. Há uma ausência de escuta verdadeira. O risco é de considerar o padre como algo descartável.

Bispos e superiores maiores de ordens e congregações têm a tarefa irrenunciável de ser agentes de comunhão entre os seus presbíteros e religiosos, favorecendo a fraternidade e não o inverso. Isso ajuda em muito a saúde psíquica. Quando essas lideranças não são agentes de comunhão e de escuta realmente interessada, afetivamente e pastoralmente, na partilha do padre, mas sim de divisão de uma diocese; prelazia; província etc., e de adoecimento do seu clero e/ou religiosos, essas mesmas lideranças precisam ter a coragem de se colocar em processo de conversão ou renunciar à função para o bem da saúde psíquica das pessoas que são por elas coordenadas e da própria diocese ou ordem/congregação.

Por outro lado, deve-se reconhecer que, felizmente, são inúmeros os bispos e superiores maiores que são verdadeiros pastores, preocupados humanamente e espiritualmente com o seu clero e religiosos. São testemunhas referenciais do Cristo Pastor. Nesses casos, observa-se padres em sua maioria felizes, realizados e com sentimento de pertença à diocese, ordem ou congregação.  Sinal de saúde.

A saúde psíquica dos presbíteros é antes de tudo uma questão de humanização. Um padre que cuida dessa dimensão, sem dúvida, potencializa a sua realização pessoal e isso tem reflexo nas suas vivências consigo mesmo, com os outros, com Deus bem como no seu apostolado. Seja a oração do padre Rosalino de Jesus Santos ‘seu amor é e me basta me refaça, me faça apenas humano’ não mais indicativo para o autoextermínio fruto de um desgaste psíquico e emocional, mas sim inspiração para uma vida saudável humanamente, psicologicamente e espiritualmente para os presbíteros. Viva a vida!

Em memória de todos os padres que cansados retiraram a própria vida, requiescant in pace!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1531720/2021/08/o-cuidado-psiquico-dos-presbiteros/

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Mãe se reconstrói do suicídio do filho a partir da fé

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

*Artigo de Leticia Ochoa Adams,

escritora

Tradução : Ramón Lara

 

‘Entrei na Igreja pela primeira vez quando fui batizada, ainda bebê. Fui criada no Texas por minha mãe solteira e nunca conheci meu pai. Quando criança, fui abusada sexualmente e durante minha adolescência, meu trauma foi agravado por temas religiosos que internalizei em minha casa hispano-americana. 

Sobre o sexo antes do casamento, sempre me disseram que era pecaminoso e, para a mente de uma jovem sobrevivente, isso significava que eu não era boa o suficiente para Deus. Afastei-me da minha fé e não voltaria a ela por mais de 20 anos.

Tempos depois, comecei namorar um homem católico e, com isso comecei a ter aulas de iniciação cristã para adultos, em 2009. Esperava fazer as aulas e receber o resto dos meus sacramentos sem nenhuma intenção de retornar verdadeiramente à Igreja. Até que conheci um homem chamado Noe Rocha, que me ajudou a entender que Deus me ama, sem se importar com os traumas pelos quais eu passei. Noe me ajudou a fortalecer meu relacionamento e a minha compreensão da Eucaristia.

Comecei a me envolver com a doutrina da Igreja e a lutar com a Teologia do Sofrimento dessa mesma Igreja que me acolhia novamente. Refleti com as palavras de Santo Agostinho : Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira. Exalaste teu perfume, respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama. Compreendi que, embora minha vida nem sempre tenha sido alegre, mesmo em meio a esses momentos de desolação, Deus me amou, Deus caminhou comigo.

Suicídio

Meu filho Anthony nasceu quando eu tinha 17 anos. Amei-o desde o primeiro momento em que o vi. Ele era responsável, gentil e divertido. Anthony adorava andar de skate e dirigir seu mustang. Quando voltei para a Igreja, Anthony tinha 16 anos. Ele entendeu o ensino da Igreja e os princípios de nossa fé, mas quando tinha 20 anos, me disse que era ateu. Entrei em pânico e discuti com ele muitas vezes, tentando mudar sua mente.

Na manhã de seu suicídio, Anthony sentou-se em meu quarto e me disse que tudo o que lhe ensinara sobre o catolicismo era verdade e que agora queria voltar para a Igreja. Até hoje não sei se ele disse isso para que eu não me preocupasse, porque sabia o que estava planejando, ou se realmente acreditava nisso, mas optei por acreditar que Deus estava trabalhando dentro do meu filho, especialmente durante seus momentos finais e mais dolorosos.

Eu não consegui fazer uma opção por ser feliz depois que Anthony se suicidou. Eu escolhi a tristeza. Chorar e me recusar a disfarçar minha dor com clichês ou com a ideia de que Anthony estava em um ‘lugar melhor’. Voltei-me para os ensinamentos da Igreja sobre a morte, sobre o julgamento, sobre o céu e sobre o inferno. Decidi orar pela alma do meu filho. Então chorei.

Na escuridão do meu luto, como outros momentos trágicos que experimentei ao longo da minha vida, eu sabia que Deus estava chorando comigo. Por mais que ame o Anthony, sei que Deus o ama mais. Não preciso convencer a Deus de que Anthony é um bom menino, apesar de seu suicídio. Também não me preocupo que Deus tenha amaldiçoado a alma de meu filho, como muitos em nossa Igreja acreditam. Acredito que Deus pode salvar não apenas Anthony, mas a mim também.

Também fui abençoada por ter grandes padres que apareceram para mim e minha família desde o momento em que encontramos o corpo de Anthony. Tenho um time dos sonhos de padres, e cada um deles está à minha disposição de maneiras diferentes, mas todos eles me ajudaram a processar essa perda. Espero que mais e mais padres aprendam a se mostrar para as pessoas da mesma maneira que meus padres se mostraram para mim.

Mesmo na dor e na tristeza que viverei pelo resto da vida, Deus abriu meus olhos para os momentos de alegria da minha vida : as risadas de meus netos, meu marido e eu pagando dívidas, e nossa casa, incluindo a garagem onde Anthony morreu. Desde sua morte, este espaço é dedicado ao canto, à alegria e ao amor.

O que espero que as pessoas entendam com a minha história é como a Igreja Católica pode ajudar a apoiar famílias que perderam um ente querido por suicídio. Temos a Teologia do Sofrimento que está enraizada no amor, na verdade e na realidade. Não entendo como posso ter momentos de alegria depois que meu filho tirou a própria vida, mas tenho. Não entendo como podem acontecer no espaço onde ele morreu, mas acontecem.

Decidi ser católica e orar pela alma de Anthony e pela minha.

Em sua bondade, Deus me dá alegria e força para curar, sobreviver e amar.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1475299/2020/10/mae-se-reconstroi-do-suicidio-do-filho-a-partir-da-fe/