sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

São João Bosco, Presbítero

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  

João Melquior Bosco, nasceu no dia 16 de agosto de 1815, numa família católica de humildes camponeses em Castelnuovo d'Asti, no norte da Itália, perto de Turim. Órfão de pai aos dois de idade, cresceu cercado do carinho da mãe, Margarida, e amparo dos irmãos. Recebeu uma sólida formação humana e religiosa, mas a instrução básica ficou prejudicada, pois a família precisava de sua ajuda na lida do campo.

Aos nove anos, teve um sonho que marcou a sua vida. Nossa Senhora o conduzia junto a um grupo de rapazes desordeiros que o destratava. João queria reagir, mas a Senhora lhe disse : ‘Não com pancadas e sim com amor. Torna-te forte, humilde e robusto. À seu tempo tudo compreenderás’. Nesta ocasião decidiu dedicar sua vida a Cristo e a Mãe Maria; quis se tornar padre. Com sacrifício, ajudado pelos vizinhos e orientado pela família, entrou no seminário de Chieri, daquela diocese.

Inteligente e dedicado, João trabalhou como aprendiz de alfaiate, ferreiro, garçom, tipógrafo e assim, pôde se ordenar sacerdote, em 1841. Em meio à revolução industrial, aconselhado pelo seu diretor espiritual, padre Cafasso, desistiu de ser missionário na Índia. Ficou em Turim, dando início ao seu apostolado da educação de crianças e jovens carentes. Este ‘produto da era da industrialização’, se tornou a matéria prima de sua Obra e vida.

Neste mesmo ano, criou o Oratório de Dom Bosco, onde os jovens recebiam instrução, formação religiosa, alimentação, tendo apoio e acompanhamento até a colocação em um emprego digno. Depois, sentiu necessidade de recolher os meninos em internatos-escola, em seguida implantou em toda a Obra as escolas profissionais, com as oficinas de alfaiate, encadernação, marcenaria, tipografia e mecânica, repostas às necessidades da época. Para mestres das oficinas, inventou um novo tipo de religioso : o coadjutor salesiano.

Em 1859, ele reuniu esse primeiro grupo de jovens educadores no Oratório, fundando a Congregação dos Salesianos. Nos anos seguintes, Dom Bosco criou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora e os Cooperadores Salesianos. Construiu, em Turim, a basílica de Nossa Senhora Auxiliadora, e fundou sessenta casas salesianas em seis países. Abriu as missões na América Latina. Publicou as Leituras Católicas para o povo mais simples.

Dom Bosco agia rápido, acompanhou a ação do seu tempo e viveu o modo de educar, que passou à humanidade como referência de ensino chamando-o de ‘Sistema Preventivo de Formação’. Não esqueceu do seu sonho de menino, mas, sobretudo compreendeu a missão que lhe investiu Nossa Senhora. Quando lhe recordavam tudo o que fizera, respondia com um sorriso sereno : ‘Eu não fiz nada. Foi Nossa Senhora quem tudo fez’.

Morreu no dia 31 de janeiro de 1888. Foi beatificado em 1929 e canonizado por Pio XI em 1934. São João Bosco, foi proclamado ‘modelo por excelência’ para sacerdotes e educadores. Ecumênico, era amigo de todos os povos, estimado em todas as religiões, amado por pobres e ricos; escreveu : ‘Reprovemos os erros, mas respeitemos as pessoas’ e se fez , ele próprio, o exemplo perfeito desta máxima.


Fonte :
* http://www.paulinas.org.br/diafeliz/?system=santo&id=147

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Dia da Vida Consagrada : mensagem dos bispos italianos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



‘‘Os religiosos mostram que a verdade do poder é o serviço, a verdade da posse é a custódia e a doação, a verdade do prazer é a gratuidade do amor. A verdade da morte é a Ressurreição.’ É o que afirmam os bispos italianos na Mensagem para o Dia da Vida Consagrada, que será celebrado na próxima segunda-feira, 2 de fevereiro.


Consagrados expressam alegria

No texto, os bispos ressaltam que o povo pede às pessoas consagradas ‘olhos que saibam escrutar a história olhando para além das aparências muitas vezes contraditórias da vida, que deixem transparecer proximidade e novas possibilidades, que iluminem com ternura e paz. É isso que distingue quem coloca a própria vida nas mãos de Deus : um olhar aberto, livre, confortador, que não exclui ninguém, abraça e une– reporta a agência Sir.

A mensagem prossegue dizendo : ‘É verdade o que escreve o Papa Francisco em sua Carta a todos os consagrados : Onde quer que haja consagrados, aí está a alegria! Isso acontece porque eles reconhecem em si mesmos, e em todos os lugares e momentos da vida, a obra de um Deus que nos salva com alegria. O cansaço e a decepção são experiências comuns em cada um de nós : benditos aqueles que nos ajudam a não curvar-nos em nós mesmos e a não fechar-nos em escolhas cômodas e de curto alcance’.


Consagrados deem respostas adequadas aos desafios de hoje

Alegremo-nos, portanto, com a presença das consagradas e dos consagrados em nossas comunidades. Façamos festa com eles, agradecendo por uma história rica de fé e de humanidade exemplares e pela paixão que mostram hoje no seguir Cristo pobre, casto, obediente’ – prossegue a Mensagem do Conselho episcopal permanente.

Os bispos italianos depositam grande confiança em vocês, irmãs e irmãos caríssimos, sobretudo pela contribuição que podem dar para renovar o impulso e o frescor da nossa vida cristã, de modo a elaborar juntos formas novas de viver o Evangelho e respostas adequadas aos desafios atuais.


Consagrados ajudem a Igreja a desenhar o novo humanismo cristão

Após recordar a exortação do Papa aos consagrados (‘Despertai o mundo’), criando ‘outros lugares onde se viva a lógica evangélica da doação’, o texto ressalta que ‘as pessoas consagradas se unem ao amor absoluto de Deus por todo homem a fim de que ninguém se perca’.

Em seguida, é evidenciada também a ‘feliz coincidência’, este ano, com a celebração do V Congresso eclesial nacional italiano, em Florença, de 9 a 13 de novembro próximo, com o tema ‘Em Jesus Cristo o novo humanismo’.

A obra de tantas pessoas consagradas – ressaltam os bispos – seja cada vez mais o sinal do abraço de Deus ao homem e ajude nossa Igreja a desenhar o novo humanismo na concretude e na perspicácia do amor.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/dia-da-vida-consagrada-mensagem-dos-bispos-italian
  

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Santo Tomás de Aquino, Presbítero e Doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Nasceu por volta do ano 1225, da família dos Condes de Aquino. Estudou primeiramente no mosteiro de Monte Cassino e depois em Nápoles. Ingressou na Ordem dos Frades Pregadores e completou os estudos em Paris e em Colônia, tendo tido como professor Santo Alberto Magno. Escreveu muitas obras de grande erudição, e, como professor, lecionou disciplinas filosóficas e teológicas, o que lhe valeu grande reputação. Morreu nas proximidades de Terracina, a 7 de março de 1274. Sua memória é celebrada a 28 de janeiro, data em que seu corpo foi trasladado para Toulouse (França), em 1369.


A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de Santo Tomás de Aquino,
Presbítero e Doutor da Igreja :

Ofício das Leituras

Segunda leitura
Das Conferências de Santo Tomás de Aquino, presbítero
(Colatio 6 super Credo in Deum)      (Séc.XIII)

Na cruz não falta nenhum exemplo de virtude
Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla : para ser remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos praticar.

Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males que nos sobrevêm por causa dos nossos pecados.

Mas não é menor a utilidade em relação ao exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar nossa vida inteira. Quem quiser viver na perfeição, nada mais tema fazer do que desprezar aquilo que Cristo desprezou na cruz e desejar o que ele desejou. Na cruz, pois, não falta nenhum exemplo de virtude.

Se procuras um exemplo de caridade : Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13). Assim fez Cristo na cruz. E se ele deu sua vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por causa dele.

Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente! Podemos reconhecer uma grande paciência em duas circunstâncias : quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora, Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque atormentado, não ameaçava (1Pd 2,23); foi levado como ovelha ao matadouro e não abriu a boca (cf. Is 53,7; At 8,32).

É grande, portanto, a paciência de Cristo na cruz. Corramos com paciência ao combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé. Em vista da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, não se importando com a infâmia (cf. Hb 12,1-2).

Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.

Se procuras um exemplo de obediência, segue aquele que se fez obediente ao Pai até à morte : Como pela desobediência de um só homem, isto é, de Adão, a humanidade toda foi estabelecida numa condição de pecado, assim também pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça (Rm 5,19).

Se procuras um exemplo de desprezo pelas coisas da terra, segue aquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2,3), e que na cruz está despojado de suas vestes, escarnecido, cuspido, espancado, coroado de espinhos e, por fim, tendo vinagre e fel como bebida para matar a sede.

Não te preocupes com as vestes e riquezas, porque repartiram entre si as minhas vestes (Jo 19,24); nem com honras, porque fui ultrajado e flagelado; nem com a dignidade, porque tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na em minha cabeça (cf. Mc 15,17); nem com os prazeres, porque em minha sede ofereceram-me vinagre (Sl 68,22).


Fonte :
‘In Liturgia das Horas III’, 1221, 1223
  

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O soco, os coelhos e os pretextos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Padre Antonio Grappone

‘Primeiro, o soco. O grupinho ‘pacifista e evangélico’ está escandalizado : ‘Nós sempre damos a outra face’, declaram. Talvez seja verdade.

Depois, a história dos coelhos. Os jovens que são pura tradição (mas será que sabem do que falam?), com a medalha de católicos perfeitos, estão feridos. Mas...

Estas reações demostram apenas ignorância, meus caros jovens. Será que nós lemos o que o papa disse? Tentamos entender? Ou só vimos as manchetes na internet, que, em muitos casos, são fuxicos miseráveis e nem um pouco inocentes de ‘ilustres’ jornalistas ou ‘autodenominados’ teólogos?

O papa Francisco ama a comunicação direta e não se preocupa em ser sutil, especialmente nas conversas informais. Mas ele sempre diz a verdade. Ele não se preocupa em equilibrar cada coisa que diz : ele é o papa, fala dentro de um contexto mais amplo, que é o Magistério da Igreja, e dentro do magistério pessoal, que, não custa lembrar, é o magistério petrino.

A jogada dos senhores da informação, dos vendedores de fumaça, é precisamente a de desacreditar o magistério, seja diante de quem se opõe a ele, seja diante de quem o apoia, embora vários apoiem o que lhes convém, deformando todo o sentido. Querem dividir a Igreja. ‘Divide et impera’, como de fato acontece. E não poucos (e bons) católicos se prestam a esse jogo. Não podemos continuar caindo na armadilha!

O papa Francisco conhece muito bem esses problemas e por isso escreveu a Evangelii gaudium, a exortação apostólica que contém as diretrizes do seu modo de agir e de todas as suas afirmações. É preciso estudá-la melhor! O papa quer evangelizar, chegar a todos, não pode usar sempre uma linguagem especializada e pomposa. Ele quer chamar a todos à conversão, começando por si mesmo.

Até os pais de muitos filhos, que o Santo Padre estima e encoraja, precisam ser chamados à conversão. Ter filhos, em si, não é garantia de nada : em muitas partes do mundo existe uma frequente irresponsabilidade com os filhos, gerados e abandonados a si mesmos e às ruas. O papa vem desses lugares, dessas situações.

E depois, meia dúzia de ocidentais que clamam o direito de insultar impunemente as religiões (ah, vejam que curioso, em particular a nossa!)... E, no mesmo país, se alguém afirma que o casamento é entre um homem e uma mulher, corre o risco de ir para a cadeia!

Mas a questão é outra. O papa é amado ‘independentemente’. É o sinal visível da unidade da Igreja. Ele é, na terra, a Cabeça do Corpo de Cristo entre os homens do nosso tempo. Nele a Igreja encontra unidade e é universal. Muitas confissões cristãs não têm o presente do papa e, sejamos claros, isso é algo que se faz notar. A comunidade desmorona, a Tradição se perde ou se mumifica, a Igreja se deteriora.

Santa Catarina, que é Doutora da Igreja, chamava os papas de ‘doce Cristo na terra’. E os papas do tempo dela foram Gregório XI e Urbano VI, ambos discutíveis e discutidos. Basta pensar que com o papa Urbano aconteceu um grave cisma. Catarina, porém, amou os dois, apoiou os dois. Se ela os chamou a honrar o seu dever, foi porque Cristo diretamente lhe deu esta ordem, que ela cumpriu de forma estritamente privada, pessoalmente ou por meio de cartas, que se tornaram públicas só depois da morte da santa e dos papas. Não eram artigos de jornal!

Diante de Pedro, mesmo que ele diga ou faça coisas que não nos agradam, só tem sentido o respeito e a gratidão. A menos que sejamos perfeitos alienados. Não é questão de ver quem tem razão, mas de considerar os papéis que Deus deu à Igreja.

Eu também, às vezes, demoro a entender o papa. Nesses casos, quando se trata de algo importante, escuto com mais atenção e leio melhor as declarações sobre o tema, porque não acho sensata a ideia de que eu tenha toda a verdade católica no bolso e o papa não.

No final das contas, estou sempre de acordo com o Santo Padre. Aprendi a compreender as preocupações dele, mesmo que inicialmente não fossem as minhas, e, assim, elas se tornaram minhas também. Além do mais, o papa é o papa. Demos graças a Deus por ele e rezemos por ele!


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/o-soco-os-coelhos-e-os-pretextos
  

domingo, 25 de janeiro de 2015

Vai e anuncia


 *Artigo das Irmãs Agostinianas Missionárias


‘ESTOU CONTIGO!
Por isso, vai e anuncia!
Deus não abandona o seu povo
E caminha com ele nos passos da história.

ESTOU CONTIGO!
Por isso não temas anunciar-me
Na gratuidade dos teus gestos,
Por mais simples que sejam.
Eles testemunham a vida que dás 
Ao envio que recebeste.

VAI, ESTOU CONTIGO!
Onde estiveres, lá estarei
Para que tenhas força de ser anúncio
Da aliança que fiz com o meu povo.

ESTOU CONTIGO!
Anuncia-me como o Deus fiel
Na fidelidade do teu serviço
E na coerência do que és 
E daquilo que fazes.

VAI E ANUNCIA!
Dize com a tua vida que estou contigo
E não me ausentarei jamais
Da vida de meus irmãos.

VAI, ESTOU CONTIGO!
A minha bondade deve tornar-se transparente,
Em tua vida, ANUNCIA-ME na alegria
E na simplicidade do teu modo de ser.
Conta com minha graça presente e atuante.
Na vivência do carisma que assumes.

ESTOU CONTIGO!
Vai, não tenhas medo de abandonar-te
Em minhas mãos.
A minha vontade é mais universal
Do que o restrito mundo dos teus projetos

ESTOU CONTIGO!

POR ISSO, VAI E ANUNCIA!
Sê profeta, pela vida.
Atualiza, diariamente o teu sim,
Na alegria de poder estar a serviço.


Fontes :


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Conexão Haiti (Capítulo 3 de 3)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Novas carreiras : Jacson Casimir trabalha como barman no Vicolo Nostro, 
restaurante italiano no bairro do Brooklin, em São Paulo. 
Ele foi um dos 400 imigrantes haitianos que chegaram à capital paulista 
na primeira semana de abril de 2014.

* Artigo de Kevin Damasio

A jornada de sonhos e dramas do mais novo e crescente
grupo de imigrantes do Brasil


‘De volta ao ônibus, os haitianos tentam descontrair o clima, mas logo as gargalhadas dão lugar ao silêncio. As incertezas são muitas. Onde arrumar emprego. Como ganhar dinheiro suficiente para enviar ao Haiti. Ter moradia razoável. Aprender português. Adaptar-se à nova cidade... Por outro lado, a esperança, que os fez superar a tortuosa rota na mão dos coiotes, reluz nas expressões de cada um. Ainda não sabem como, mas estão perto de se estabelecer no Brasil e poder ajudar os familiares a reconstruir suas vidas.

Mais 2.900 quilômetros de estrada nos aguardam. Angeline Aimable ajeita-se a todo instante na poltrona, sem achar posição confortável. O olhar expressivo reflete a coragem com que essa haitiana de 22 anos, grávida de seis meses, vem viajando desde seu país. Por fim, ela resolve esticar a blusa no chão do corredor e deita de barriga para cima. Descansa assim por meia hora. De São Paulo, Angeline ainda terá de encarar mais oito horas de ônibus até Curitiba, no Paraná, ao encontro do primo.

No começo da noite, estamos na rodoviária de Vilhena, na divisa com o Mato Grosso. Os problemas aparecem. A maioria dos haitianos já não tem dinheiro para comer. Alguns reclamam de fome, outros vão apenas ao banheiro e voltam à plataforma de embarque. A cena persiste no dia seguinte. Em Várzea Grande, dois haitianos perguntam o preço do café com leite em um restaurante, mas não têm os 2 reais. A fome gera, no fim do dia, uma cena de solidariedade : seis grupos de quatro haitianos dividem marmitas. Lembro-me do que muitos haviam me dito : ‘Somos do mesmo país. Somos irmãos’.

Seguimos madrugada adentro. Atravessamos o Mato Grosso do Sul e o interior paulista. A última parada antes do destino final é em Ourinhos. Os imigrantes dominam o banheiro, lavando o rosto e os cabelos com sabonete e xampu na pia. A maioria não tem dinheiro para tomar café, inclusive eu. Na passagem por Boituva, Tertulien Pressoir, de 34 anos, pergunta se já chegamos a São Paulo. Abens Alcy, na poltrona ao lado, quer saber onde estamos. A cena se repete quando passamos por Barueri e por Osasco. Estamos perto. A ansiedade fica clara no silêncio que agora impera. A fome aperta. Abro um pacote de biscoito integral e divido com outros nove haitianos.

Às 2 da tarde, desembarcamos na estação Barra Funda. O alívio por ter chegado ao destino dura pouco. Novos problemas aparecem. Não há ninguém para receber e orientar os imigrantes. Mal pego minha mala no bagageiro e os haitianos se aglomeram ao meu redor com diversas questões. Todos querem saber o que fazer a seguir.

Alguns, para seguir viagem – Campinas, Santa Catarina, Curitiba, Goiânia –, precisam ligar para conhecidos e pedir o número do bilhete de ônibus. Outros vão ficar em São Paulo, em abrigos provisórios ou na casa de conterrâneos. Uma vida nova está prestes a começar. Por fim, vamos todos de metrô para o Centro da capital.

A Casa do Migrante pode abrigar 110 pessoas por noite. De janeiro a setembro deste ano, passaram por ali 3.462 haitianos – no total, em 2013, foram 2.272. Os viajantes recebem alimentação, suporte jurídico, psicológico e de saúde, além de aulas de português e inglês. Paolo Parise, de 47 anos, padre italiano que coordena a Missão Paz, dirige-se aos recém-chegados, acompanhado de um intérprete brasileiro e outro haitiano. Explica que não há espaço para todos dormirem ali, então muitos ficarão no abrigo da prefeitura, do outro lado da rua. Em um salão, todos aguardam para jantar – comida, finalmente.

Uma das maiores preocupações da Missão Paz é evitar que os imigrantes acabem submetidos a empregos suspeitos – não raro em condições análogas à escravidão. Contratantes assim, segundo Paolo Parise, espalham-se pelas portas das estações de metrô na região central de São Paulo. Em agosto, duas operações de fiscais do trabalho, com suporte da polícia, resgataram um grupo de 19 bolivianos e 12 haitianos reféns de tais situações em confecções clandestinas.

Para evitar o problema, a Missão Paz criou o Eixo Trabalho, pelo qual quase 2 mil imigrantes já conseguiram emprego. Em dois dias da semana, empresários vão ao abrigo, onde são orientados sobre o processo de contratação. A equipe da missão exige salários justos, expõe as condições de trabalho e faz o cadastro das empresas. Enquanto isso, os imigrantes assistem a palestras sobre direitos e deveres trabalhistas e são informados sobre as vagas disponíveis. Em seguida, contratantes e imigrantes encontram-se. Após três meses, assistentes sociais visitam as empresas para acompanhar a situação.

Foi assim que Jacson Casimir, de 24 anos, e outros quatro conterrâneos conseguiram vagas em um restaurante italiano de São Paulo. A firma contratante foi fiadora no aluguel de uma casa de três quartos para os haitianos, pagou o primeiro mês de aluguel e comprou para o grupo roupa de cama, toalhas, artigos de higiene, uniformes e sapatos. Os 60 empregados do restaurante doaram quase 2.000 reais, quantia que serviu para a primeira compra de mercado dos imigrantes. Durante 15 dias, um funcionário os acompanhou até o restaurante para ensinar a pegar ônibus. ‘Sou muito grato por tudo isso’, diz Jacson, já em bom português.

Trabalho não é tudo. É preciso ter onde viver, e muitos imigrantes já engrossam as fileiras por demandas habitacionais na cidade. Tertulien Pressoir, que veio no mesmo ônibus que eu desde Rio Branco, alojou-se com sua prima, Nacilia Nacius, em um prédio em frente à Praça da Sé – uma ocupação praticamente só de haitianos, administrada pelo grupo Luta por Moradia Digna. O apartamento tem apenas um cômodo, que serve como quarto, sala e cozinha. O banheiro comunitário fica no corredor.

Nacilia, de 32 anos, veio para o Brasil antes do marido, pela rota ilegal, em janeiro de 2013. Rony Saincilien, de 35, chegou após quatro meses. Falar espanhol os ajudou a aprender português e arrumar emprego – ele em construção civil, ela em uma confeitaria. Recebem, juntos, 2.000 reais e plano de saúde. Para morar na ocupação, pagam 300 reais mensais, quase metade do que lhes custava o aluguel de um apartamento no Cambuci. Os três filhos pequenos do casal ficaram em Cap Haïtien, com os pais de Nacilia – que está grávida de novo. As ligações semanais não são suficientes para diminuir a tristeza, evidente no olhar distante dela ao falar de Ronika, Carly e Hannah.

Saudade. Eis um drama elementar na vida dos imigrantes, mesmo os que concretizam o sonho de se estabelecer no Brasil. ‘Depois que meu filho nascer, vou ganhar documento’, conta Nacilia, referindo-se ao visto permanente. ‘Meu marido então vai poder buscar os outros no Haiti’.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http ://viajeaqui.abril.com.br/materias/imigrantes-haitianos-no-brasil?pw=3

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Conexão Haiti (Capítulo 2 de 3)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Após chegarem em São Paulo, muitos haitianos se encaminham para a 
Casa do Migrante, onde são acolhidos pelo padre Paolo Parise (no centro).

* Artigo de Kevin Damasio

A jornada de sonhos e dramas do mais novo e crescente
grupo de imigrantes do Brasil

‘Apesar dos percalços, os imigrantes seguiram para Lima e depois para Cusco. Ali, os coiotes avisaram que, para continuar, queriam pelo menos mais 50 dólares. Castin convenceu-os de que não tinha. Os peruanos, contudo, permitiram que ele continuasse o percurso sem pagar – pois o espanhol falado pelo haitiano, mesmo ruim, facilitava o diálogo com o resto do grupo.

Em Puerto Maldonado, na Amazônia peruana, Castin passou duas noites em um quarto de hotel barato, compartilhando uma tábua de madeira que servia de cama com duas conterrâneas. O trio juntou 45 novos soles para contratar um táxi capaz de levá-los à fronteira entre Peru e Acre. Por instrução do taxista, passaram a noite em um hotel em Iñapari, cidade fronteiriça e vizinha da acreana Assis Brasil. De manhã, foram até Brasileia. Retiraram o protocolo de refúgio na Polícia Federal e em seguida tomaram uma lotação, ao preço de 25 dólares cada um. Duas horas e meia de estrada depois, chegaram ao abrigo de imigrantes em Rio Branco. Exaustos, famintos e quase sem dinheiro.

O refúgio de Brasiléia, a primeira parada da maioria dos imigrantes até meados deste ano, passou por grandes crises. A pior foi de março a abril de 2014, com a enchente do Rio Madeira – 2 500 estrangeiros ficaram sitiados no precário município de 20 mil habitantes. Aviões da Força Aérea Brasileira levavam mantimentos ao Acre e seguiam para Rondônia com imigrantes, que dali partiam para outros destinos. Em julho, quando Castin chegou ao país, o abrigo oficial acreano havia acabado de ser transferido para a capital Rio Branco, na Aliança, uma chácara com capacidade para abrigar 250 pessoas.

As secretarias estaduais de Desenvolvimento Social (Seds) e de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) alternam a cada semana a coordenação do espaço. Os haitianos dividem-se em dois blocos para homens e um para mulheres. Há ainda um setor para imigrantes de outros países, em grande parte senegaleses, e outro para mulheres grávidas ou com crianças pequenas. A maioria dos estrangeiros fica ali por no máximo 15 dias, o tempo de tirar CPF, carteira de trabalho e se vacinar contra febre amarela, hepatite e tétano. Acompanhantes de jovens e crianças, assim como grávidas, hospedam-se por mais tempo. Café da manhã (pão com manteiga e café com leite), almoço e jantar são financiados pelo governo do Acre. As marmitas são sopa ou refeições tradicionais no Haiti, com arroz e feijão empapados, macarrão ao alho e óleo, legumes cozidos e um tipo de carne, sobretudo frango ensopado.

Como era de esperar, um mercado surgiu no abrigo para atender às demandas dos imigrantes – materiais e emocionais. Na lan house local, meia hora de internet custa 1 real. Negócios mais informais podem ser bem promissores – no dia em que visito o lugar, o senegalês Abdoulahat Lô permite que os imigrantes façam ligações em seu laptop, em troca de 2 reais por minuto. Conheço Charles Pierre Kenny, um haitiano de 27 anos que fala português – aprendeu o idioma quando foi intérprete na Minustah. O objetivo dele é o mesmo de todos : enviar dinheiro à família. ‘No Haiti, se não gastar muito, dá para viver com 200 dólares por mês’, diz. Pai, mãe e irmão ficaram em Porto Príncipe. No terremoto de 2010, a casa deles foi abaixo. A família mora num barraco enquanto, aos poucos, constrói outra casa.

As mulheres gestantes ou com crianças são geralmente haitianas que vieram encontrar parentes já estabelecidos no país. Gaelle Cesar, de 18 anos, grávida de oito meses, insiste na idéia de ir de avião para Santa Catarina, ao encontro da mãe. Precisaria de autorização médica, e por isso Antonio Crispim, coordenador do abrigo, vai levá-la para consulta no dia seguinte. Ela vem conversar comigo. ‘Sou forte. Não tenho problema em viajar. Atravessei do Equador ao Peru em muitos ônibus. Foram sete dias para chegar até aqui. Sei que Deus vai me ajudar’, diz. Sua fé em que tudo vai dar certo funciona. Depois da consulta, ela é autorizada a viajar.

Os imigrantes têm três opções para continuar a viagem : por conta própria, contratados por empresários ou com os ônibus fretados pelo governo acreano para São Paulo. Os destinos variam conforme as ofertas de emprego. Nos dez dias que passo no abrigo, um abatedouro de aves de Paranavaí, no Paraná, recruta 74 haitianos – entre eles, Castin e Kenny – e um frigorífico de suínos de Estrela, no Rio Grande do Sul, leva outros 30.

Um ônibus é confirmado para São Paulo. Um funcionário anuncia a viagem no megafone, e todos correm para entregar os passaportes. As 44 vagas são preenchidas em 15 minutos.

O destino é a estação Barra Funda, na capital paulista. Partimos às 7 da noite. O clima é de alegria e apreensão. A viagem será longa, exaustiva. Nas 66 horas seguintes, vamos encarar 3.800 quilômetros de estrada, com oito paradas de meia hora para comer e usar o banheiro. Quase todos vão para a Casa do Migrante, um projeto coordenado por missionários cristãos que fazem um trabalho assistencialista com os refugiados.

De madrugada, atravessamos de balsa o caudaloso Rio Madeira, que separa Acre e Rondônia. Às 5 da madrugada, chegamos a Porto Velho. Mudamos para um ônibus mais apertado, porém em bom estado. Eu me acomodo em uma poltrona no meio do veículo e caio no sono. Duas horas depois, fazemos a primeira parada do dia. Na lanchonete, os haitianos refestelam-se com fatias de pão caseiro com manteiga derretida. Café com leite aquece do frio matinal.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http ://viajeaqui.abril.com.br/materias/imigrantes-haitianos-no-brasil?pw=2
  

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Conexão Haiti (Capítulo 1 de 3)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Haitianos e senegaleses perfilam-se em Rio Branco para a viagem de 
3.800 quilômetros em 66 horas até São Paulo,
 em um ônibus alugado pelo governo do Acre.

 * Artigo de Kevin Damasio

A jornada de sonhos e dramas do mais novo e crescente 
grupo de imigrantes do Brasil


‘Castin Serge está sentado em um corredor na Chácara Aliança, abrigo de imigrantes em Rio Branco, capital do Acre.

Ele olha fixamente para a frente e para baixo. Parece cansado. Com mãos inquietas e longas pausas, busca palavras para tentar dimensionar, em seu inglês limitado, a turbulenta travessia que venceu para chegar ao Brasil.

São os primeiros dias de uma nova vida para ele. Uma vida ainda incerta. Tudo começou no início deste ano, quando seu pai lhe perguntou se conseguiria em cinco anos construir uma vida decente no país caribenho. O jovem cursava ciência da computação, em uma condição de ensino superior à da maioria de seus conterrâneos. Por outro lado, ponderou já estar com 25 anos e desejar constituir uma família. A resposta foi seca : ‘Não, pai. Depois da universidade não sei se encontrarei emprego. Para ajudá-lo, preciso deixar o Haiti’. As contas foram feitas. Debilitado por um recente derrame, o pai vendeu sua caminhonete e uma pequena propriedade. Comprou uma passagem de avião para o Equador e fez um empréstimo de 500 dólares. Assim, Castin, o mais velho dos seis irmãos, duas semanas depois de deixar a cidade de Gonaïves, está ali, no meio da Amazônia, à espera de um golpe de sorte do destino – a chance de regularizar sua situação e procurar um emprego em cidades mais ricas do Sul e do Sudeste do país.

Em dezembro de 2010, o Brasil abriu as portas para os cidadãos do Haiti, vitimados pela pobreza que se agravou depois do maior terremoto da história do país, em 12 de janeiro daquele ano. A tragédia afetou um terço da população; 220 mil pessoas morreram e 1,5 milhão ficaram desabrigadas. Um surto de cólera, em 2010, e dois furacões, em 2012, agravaram o caos. O alto desemprego estimulou os haitianos a partir em um fluxo desesperado em busca de vagas no exterior. O Brasil virou um destino cobiçado : além de seu amplo mercado de trabalho, mantém ótimas relações diplomáticas – o Exército brasileiro lidera a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) desde 2004.

Mas a burocracia para conseguir a documentação correta de imigração no Haiti – no caso, um visto humanitário – induziu muitos jovens a uma rota clandestina e cheia de riscos, contando com o apoio de intermediários, os ‘coiotes’. Eles viajam de avião até o Equador, muitas vezes com escala na República Dominicana. Em seguida cruzam o Peru ou a Bolívia por terra, até chegar à fronteira com o Acre. Entram no país pela cidade de Brasileia ou de Assis Brasil, de onde seguem para regularizar sua situação na capital Rio Branco. ‘Encontrei problemas no caminho’, conta Castin. ‘No Peru, há muitas pessoas... que querem...’ ‘Explorar?’, completo, ao perceber que ele não encontra a palavra certa.

Exatamente. Na fronteira do Equador com o Peru, minha história de terror começou.

Os haitianos viajam para o Brasil sem saber dos perigos dessa rota ilegal. Para instruir futuros imigrantes, o padre Onac Axenat, de 35 anos , quer voltar ao Haiti. O missionário está no Brasil desde novembro de 2010. Estudou português em Brasília por três meses e se mudou para Rio Branco com o projeto de construir uma paróquia. Onac acompanha o novo fluxo migratório desde o fim de 2011. Os recém-chegados eram bem reservados, nada contavam sobre a saída de seu país, mas aos poucos o religioso descobriu que gastavam até 4 000 dólares na viagem – e chegavam de mãos abanando à fronteira brasileira. Onac denunciou a situação como tráfico de imigrantes. ‘Ligaram para me ameaçar, mas fiz o que era preciso. Ouvi português, espanhol, creole. É uma rede internacional de coiotes’, diz.

Essa rota vai continuar a existir enquanto ocorrer ação ostensiva desses intermediários’, alerta Nilson Mourão, de 62 anos, secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre. Para ele, desmontar a rota é uma operação que requer estratégia de identificação e repreensão por parte de todas as nações envolvidas – Haiti, República Dominicana, Equador, Peru, Bolívia e Brasil. Além disso, diz ele, é preciso facilitar a emissão do visto humanitário e de outros papéis nas embaixadas brasileiras. ‘Os coiotes’, explica, ‘vendem a idéia de que, pela rota ilegal, os haitianos serão logo documentados – o que é verdade. Por outro lado, é um processo perigoso e demorado. Os viajantes gastam mais, levam até 15 dias para chegar e são humilhados e explorados.’

O volume de imigrantes vindos do país caribenho só aumenta. Em setembro, 700 estavam no abrigo em Rio Branco – eram 175 em julho. Em 2013, o número de haitianos no Brasil superou 20 mil, quase 25% em São Paulo. Já para o final de 2014, a Organização Internacional para as Migrações estima chegar a 50 mil.

Castin Serge escorregou em um trecho pedregoso na trilha que leva à fronteira entre Equador e Peru. Cortou o calcanhar esquerdo, abandonou os sapatos e acelerou o passo para alcançar os dois senegaleses e o coiote peruano, para quem havia dado parte do dinheiro que trouxera do Haiti. Atravessaram um rio, ao encontro de motos-táxi que os aguardavam no Peru para levá-los até um hotel. Nos dias que se seguiram, Castin sofreu extorsão, furto, fome, sede. Pouco dormiu em hotéis precários ou escondido em vans e ônibus. ‘Os intermediários nos fazem acreditar que devemos ter medo da polícia, pois senão vão nos prender e deportar’, conta Castin, conformado, no abrigo em Rio Branco.

Na cidade peruana de Chiclayo, os imigrantes pagaram o que haviam combinado. No entanto, a cada parada, coiotes ou policiais corruptos exigiam mais dinheiro. Além disso, a mochila do haitiano acabou confiscada em um táxi contratado pelos coiotes, com laptop, roupas, sapatos e artigos de higiene. Castin nunca mais a viu. Ficou apenas com a maleta cheia de livros e documentos, também saqueada dias depois.


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