*Artigo de Padre José Vieira,
Missionário Comboniano
‘Em Dezembro de 2005 visitei a Etiópia
com dois jornalistas amigos. Enquanto viajávamos de Adis-Abeba para Awassa,
chamou-me a atenção uma linha extensa de estufas que não estavam junto ao lago
Zwai cinco anos antes, quando deixei o país. A maioria estava ainda em
acabamento, mas algumas já estavam a operar. Como sou muito curioso parei e fui
ver o que crescia nelas. Eram flores!
A floricultura é uma indústria que está
a criar grandes raízes na África Oriental, sobretudo no Vale de Rift, que
também é o berço da humanidade. O Quénia está à cabeça da produção : em 2014,
exportou 125 mil toneladas de flores, sobretudo para a Europa, e embolsou 432
milhões de euros. As flores sustentam cerca de dois milhões de famílias
quenianas.
Mas a Etiópia está a posicionar-se como
concorrente directa do Quénia : a mão-de-obra é mais barata, há mais segurança
para os trabalhadores estrangeiros e o Governo está a incentivar o investimento
internacional com um pacote de benesses : não cobra impostos durante cinco anos
nem custos alfandegários à maquinaria importada e facilita o acesso ao crédito.
O clima e a abundância de solos e de água são outros argumentos de peso.
Em 1997, o país tinha duas pequenas
companhias privadas a produzir flores, mas hoje conta com 84 – 70 delas com
capitais estrangeiros, sobretudo da Holanda, Índia, Reino Unido e Grécia.
Setenta por cento das flores da Etiópia
acabam na Holanda, mas também na Nigéria, Sudão e Omã. A Portugal chegam,
através da Holanda, rosas, próteas, hibiscos, helicónias, cravos. Em 2001, a
indústria facturou 537 mil euros. Dez anos depois já ia nos 145 milhões. Em
2016, projecta ganhar 448 milhões. Nos últimos cinco anos, criou cem mil postos
de trabalho, sobretudo para mulheres, e reduziu a taxa de criminalidade.
A Etiópia é o segundo produtor africano
e o quarto mundial não europeu de flores. Tanzânia, Uganda, Ruanda, Zimbabué,
Namíbia e África do Sul são outros países africanos com alguma expressão
produtiva.
Mas as
rosas têm espinhos e a floricultura não foge à regra. As condições de trabalho nas estufas
são precárias, muitos trabalhadores recebem menos de um euro por dia e não têm
equipamento adequado para manusear os químicos que os envenenam e aos solos e
águas. As mulheres não têm direito a licença de parto e arriscam-se a perder o
trabalho quando dão à luz. Os trabalhadores vivem alojados em instalações
superlotadas e inadequadas, o que pode levar à difusão da sida.
Por outro lado, a indústria necessita
de muita água – um pé de rosa ‘bebe’um
litro e meio por dia e o Quénia produz 72 milhões por ano (um terço chega à
Europa) – e não é amiga do ambiente. O lago de Naivasha, no Centro do Quénia,
alimenta a produção intensiva de flores e o seu nível está a baixar, muitos
peixes aparecem mortos e a vida selvagem diminui nas suas margens.
As flores são um produto de luxo e o
seu mercado depende da disponibilidade financeira da Europa – que a crise do
euro limitou – e dos preços do petróleo já que o seu transporte se faz
exclusivamente de avião. A produção do Quénia registou uma quebra em
consequência da retracção do mercado europeu e está a abrir-se à Rússia, ao
Japão e à Coreia do Sul.
A indústria tenta soluções inovadoras
para limitar os danos ambientais, e sobretudo a pressão de organizações não
governamentais que a têm debaixo do radar, e melhorar as condições de trabalho.
No Quénia as rosas já são produzidas em
caixas em vez do solo e usam cinzas vulcânicas como fertilizante, insectos para
controlar pestes e fibras de coco para baixar o consumo de água. Os defensores
da indústria sublinham que há uma grande procura de flores na Europa e que a
sua criação na África Oriental, em lugar do Velho Continente, produz menos
dióxido de carbono por haver mais luz e melhores temperaturas. Mas ainda se
está longe de uma floricultura orgânica, amiga do produtor e do ambiente.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EukpuZkAAptaGKTWTELeiam, também, este artigo de 2006 : http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEFlZAFAuZgfYrmGQZ
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