* Artigo de Padre Anderson Alves,
sacerdote da
diocese de Petrópolis – Brasil – e doutorando em
Filosofia na
Pontificia Università della Santa Croce em Roma
‘Não
restam dúvidas de que vivemos numa época relativista. Cada vez mais pessoas
pensam que não há nenhuma verdade certa, ou que a verdade não seja conhecível,
ou, o que é equivalente, que todas as afirmações são igualmente verdadeiras.
Esse tipo de relativismo vem se impondo como pensamento único. Quem nega ser
verdade que não exista verdade faz algo óbvio, à custa de ser chamado de
prepotente, intolerante e antidemocrático; em uma palavra: um perigo público.
Como dissemos em outra ocasião, vivemos numa cultura dominada não por um
relativismo absoluto, algo essencialmente contraditório, mas sim por um
absolutismo relativista[1].
O dito
relativismo pode ser bem contemplado em um raciocínio frequente do chamado
“pós-modernismo”. Afirma-se que todos os homens são iguais; por isso, quando
dois homens possuem opiniões diversas, ambas devem ser tidas como verdadeiras,
pois seria “antidemocrático” ou “politicamente incorreto” dizer que uns homens
têm razão sobre outros.
Esse
estranho raciocínio pretende ser relativista, mas supõe a existência de
verdades firmes e incontestáveis: a igualdade essencial de todos os homens, a
certeza de que a democracia é a melhor forma de governo possível e que o
“politicamente correto” deve ser o padrão único de linguagem. Sendo assim, esse
raciocínio expressa aparentemente o relativismo, mas se funda em dogmas bem
sólidos.
De
qualquer modo, o que aqui se expressa é que o critério de verdade deixou de ser
a relação do juízo com a realidade conhecida e passou a ser a relação do juízo
com a dignidade de quem o profere. Todo juízo deveria ser considerado
igualmente verdadeiro (ou igualmente falso) só pelo fato de que foi realizado por
um ser humano portador de uma dignidade intrínseca.
Com
isso queremos mostrar que a forma de raciocinar relativista é profundamente
contraditória, pois pretende negar o que supõe desde o princípio: a existência
da verdade. Supõe, por exemplo, a verdade de que todos os homens são iguais em
dignidade e, posteriormente, afirma que não existe nenhuma verdade.
O que
importa é que essa forma de pensar relativista dá por certo que não há uma
verdade e uma bondade intrínsecas às coisas. A verdade de cada coisa é a que
cada um constrói, e o valor de cada uma é totalmente atribuída pelo sujeito.
Mas qual seria a consequência desse tipo de pensamento?
Romano Guardini foi um autor que refletiu sobre esses temas e deu respostas
diametralmente opostas. Em primeiro lugar ele constatou que algo presente em
diversos momentos da história do pensamento é a afirmação de que o bem é a
verdade de cada coisa, na medida em que se torna objeto do agir. Sendo assim,
do que é verdadeiro em si surge a comprensão do que é realmente justo. O bem
moral seria então o justo que brota da essência de cada realidade particular.
E,
quando se reconhece a verdade das realidades em si mesma, se exclui da ética o
“direito à arbitrariedade”, ou seja, o direito de agir com a natureza assim
como se quer, impondo-lhe o dever de atuar segundo o próprio interesse. O dito
“direito à arbitrariedade” seria intrínseco ao “existencialismo”, ao
pós-modernismo e a outras formas de pensamento relativista. Por outro lado, se
há uma verdade intrínseca às coisas, o bem é o que deve ser feito sempre, e
equivale à verdade das coisas em si como tarefa para o agir moral. A verdade
das coisas e do bem exclui então o direito à arbitrariedade, a qual é expressão
de um puro voluntarismo.
E todo
totalitarismo manifesta horror pela verdade, porque essa é a única força que
destrói toda imposição arbitária na sua raiz. E a verdade das coisas é algo
essencialmente democrático, pois pode ser conhecida por todos os que a buscam.
Todo
regime totalitário, pois, está convencido de que não exista uma essência
objetiva sobre as coisas, sobre a natureza, sobre as relações humanas e sobre a
moral. Por isso o totalitarismo visa sempre difundir uma mentalidade
relativista. Só assim pode manipular as pessoas segundo os próprios interesses.
Romano Guardini viu isso no regime nazista, que negava a existência de normas
morais certas e da verdade reconhecida por todos. Aquela tirania relativizava o
que era aceito pacificimente por todos, absolutizando suas próprias ideias
perversas, e impunha um regime de pensamento único, o qual está intrinsecamente
ligado ao terror. Hoje vemos que o relativismo pretende que tratemos a verdade
como se fosse mentira, e a mentira como se fosse verdade.
Entretanto,
se as coisas são realmente inteligíveis e se o ser delas manifesta o bem a ser
realizado, o homem se reconhece como um ser responsável pelo mundo. Ele deve
conhecer a realidade que lhe foi dada para agir de modo responsável. Se há uma
verdade que rege o agir moral, o homem não pode querer dominar a realidade com
uma “vontade de poder” absoluta.
E a
cultura nada mais é do que a capacidade de perceber a exigência que surge da
verdade de cada coisa e a disponibilidade de lhe corresponder. «O homem deve
decidir aceitar ou refutar a realidade. Ele é responsável por isso pelo fato de
ser homem. Ser homem significa precisamente ser responsável pelo mundo»[2]. De
fato, a dita responsabilidade, fundada na certeza de se poder alcançar a
verdade sobre cada coisa, se manifesta na cultura.
Por
outro lado, o relativismo, ou seja, a negação da verdade implícita de cada
realidade como indicação de atuação, gera a destruição da cultura. Nada mais
destrutivo do que o relativismo. Por outro lado, o homem culto é aquele capaz
de distinguir os valores verdadeiros e os falsos, ou seja, conhece as
realidades e o valor implícito de cada uma. O homem culto musicalmente, por
exemplo, é aquele que conhece e valoriza as obras musicais realmente de grande
importância.
O
relativismo, no fundo, nega a verdade e a bondade das coisas e, fazendo isso,
faz tudo se tornar indiferente. E a dita indiferença destrói a cultura, a
educação, a moralidade e a mesma sociedade. Se não há uma verdade e uma bondade
em cada coisa, para que estudar? Para que se dedicar ao trabalho científico?
Para que serve a arte se não para exprimir de forma singular e bela uma verdade
e uma bondade conhecida? E como ser ético na vida profissional se não há nenhum
bem conhecível?
Portanto,
o totalitarismo relativista, que pretende dominar nossas sociedades, além de
ser contraditório e autoritário é um verdadeiro obstáculo para o progresso
humano, cultural, político e social das nossas sociedades.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.zenit.org/pt/articles/o-totalitarismo-relativista-e-a-destruicao-da-cultura
[1] Cfr.: A. Alves, Relativismo
absoluto ou absolutismo relativista. Disponível em: http://www.zenit.org/pt/articles/relativismo-absoluto-ou-absolutismo-relativista
[2] Romano Guardini, Etica,
Editrice Morcelliana, Brescia 2003, pp. 53-54.