sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O Totalitarismo Relativista e a Destruição da Cultura

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Padre Anderson Alves,
 sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil – e doutorando em
Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma

‘Não restam dúvidas de que vivemos numa época relativista. Cada vez mais pessoas pensam que não há nenhuma verdade certa, ou que a verdade não seja conhecível, ou, o que é equivalente, que todas as afirmações são igualmente verdadeiras. Esse tipo de relativismo vem se impondo como pensamento único. Quem nega ser verdade que não exista verdade faz algo óbvio, à custa de ser chamado de prepotente, intolerante e antidemocrático; em uma palavra: um perigo público. Como dissemos em outra ocasião, vivemos numa cultura dominada não por um relativismo absoluto, algo essencialmente contraditório, mas sim por um absolutismo relativista[1]. 

O dito relativismo pode ser bem contemplado em um raciocínio frequente do chamado “pós-modernismo”. Afirma-se que todos os homens são iguais; por isso, quando dois homens possuem opiniões diversas, ambas devem ser tidas como verdadeiras, pois seria “antidemocrático” ou “politicamente incorreto” dizer que uns homens têm razão sobre outros.

Esse estranho raciocínio pretende ser relativista, mas supõe a existência de verdades firmes e incontestáveis: a igualdade essencial de todos os homens, a certeza de que a democracia é a melhor forma de governo possível e que o “politicamente correto” deve ser o padrão único de linguagem. Sendo assim, esse raciocínio expressa aparentemente o relativismo, mas se funda em dogmas bem sólidos.

De qualquer modo, o que aqui se expressa é que o critério de verdade deixou de ser a relação do juízo com a realidade conhecida e passou a ser a relação do juízo com a dignidade de quem o profere. Todo juízo deveria ser considerado igualmente verdadeiro (ou igualmente falso) só pelo fato de que foi realizado por um ser humano portador de uma dignidade intrínseca.

Com isso queremos mostrar que a forma de raciocinar relativista é profundamente contraditória, pois pretende negar o que supõe desde o princípio: a existência da verdade. Supõe, por exemplo, a verdade de que todos os homens são iguais em dignidade e, posteriormente, afirma que não existe nenhuma verdade.

O que importa é que essa forma de pensar relativista dá por certo que não há uma verdade e uma bondade intrínsecas às coisas. A verdade de cada coisa é a que cada um constrói, e o valor de cada uma é totalmente atribuída pelo sujeito. Mas qual seria a consequência desse tipo de pensamento?

Romano Guardini foi um autor que refletiu sobre esses temas e deu respostas diametralmente opostas. Em primeiro lugar ele constatou que algo presente em diversos momentos da história do pensamento é a afirmação de que o bem é a verdade de cada coisa, na medida em que se torna objeto do agir. Sendo assim, do que é verdadeiro em si surge a comprensão do que é realmente justo. O bem moral seria então o justo que brota da essência de cada realidade particular.

E, quando se reconhece a verdade das realidades em si mesma, se exclui da ética o “direito à arbitrariedade”, ou seja, o direito de agir com a natureza assim como se quer, impondo-lhe o dever de atuar segundo o próprio interesse. O dito “direito à arbitrariedade” seria intrínseco ao “existencialismo”, ao pós-modernismo e a outras formas de pensamento relativista. Por outro lado, se há uma verdade intrínseca às coisas, o bem é o que deve ser feito sempre, e equivale à verdade das coisas em si como tarefa para o agir moral. A verdade das coisas e do bem exclui então o direito à arbitrariedade, a qual é expressão de um puro voluntarismo.

E todo totalitarismo manifesta horror pela verdade, porque essa é a única força que destrói toda imposição arbitária na sua raiz. E a verdade das coisas é algo essencialmente democrático, pois pode ser conhecida por todos os que a buscam.

Todo regime totalitário, pois, está convencido de que não exista uma essência objetiva sobre as coisas, sobre a natureza, sobre as relações humanas e sobre a moral. Por isso o totalitarismo visa sempre difundir uma mentalidade relativista. Só assim pode manipular as pessoas segundo os próprios interesses. Romano Guardini viu isso no regime nazista, que negava a existência de normas morais certas e da verdade reconhecida por todos. Aquela tirania relativizava o que era aceito pacificimente por todos, absolutizando suas próprias ideias perversas, e impunha um regime de pensamento único, o qual está intrinsecamente ligado ao terror. Hoje vemos que o relativismo pretende que tratemos a verdade como se fosse mentira, e a mentira como se fosse verdade.

Entretanto, se as coisas são realmente inteligíveis e se o ser delas manifesta o bem a ser realizado, o homem se reconhece como um ser responsável pelo mundo. Ele deve conhecer a realidade que lhe foi dada para agir de modo responsável. Se há uma verdade que rege o agir moral, o homem não pode querer dominar a realidade com uma “vontade de poder” absoluta.

E a cultura nada mais é do que a capacidade de perceber a exigência que surge da verdade de cada coisa e a disponibilidade de lhe corresponder. «O homem deve decidir aceitar ou refutar a realidade. Ele é responsável por isso pelo fato de ser homem. Ser homem significa precisamente ser responsável pelo mundo»[2]. De fato, a dita responsabilidade, fundada na certeza de se poder alcançar a verdade sobre cada coisa, se manifesta na cultura.

Por outro lado, o relativismo, ou seja, a negação da verdade implícita de cada realidade como indicação de atuação, gera a destruição da cultura. Nada mais destrutivo do que o relativismo. Por outro lado, o homem culto é aquele capaz de distinguir os valores verdadeiros e os falsos, ou seja, conhece as realidades e o valor implícito de cada uma. O homem culto musicalmente, por exemplo, é aquele que conhece e valoriza as obras musicais realmente de grande importância.

O relativismo, no fundo, nega a verdade e a bondade das coisas e, fazendo isso, faz tudo se tornar indiferente.  E a dita indiferença destrói a cultura, a educação, a moralidade e a mesma sociedade. Se não há uma verdade e uma bondade em cada coisa, para que estudar? Para que se dedicar ao trabalho científico? Para que serve a arte se não para exprimir de forma singular e bela uma verdade e uma bondade conhecida? E como ser ético na vida profissional se não há nenhum bem conhecível?

Portanto, o totalitarismo relativista, que pretende dominar nossas sociedades, além de ser contraditório e autoritário é um verdadeiro obstáculo para o progresso humano, cultural, político e social das nossas sociedades.


Fonte :
[1] Cfr.: A. Alves, Relativismo absoluto ou absolutismo relativista. Disponível em:  http://www.zenit.org/pt/articles/relativismo-absoluto-ou-absolutismo-relativista

[2] Romano Guardini, Etica, Editrice Morcelliana, Brescia 2003, pp. 53-54.


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

São João Bosco, Presbítero

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Nasceu perto de Castelnuovo, na diocese de Turim, em 1815. Teve uma infância sofrida. Ordenado sacerdote, consagrou todas as suas energias à educação da juventude, para formá-la na prática da vida cristã e no exercício de uma profissão. Com essa finalidade, fundou Congregações, sobretudo, a Sociedade São Francisco de Sales (Salesianos). Escreveu também diversos opúsculos para proteger e defender a religião católica. Morreu em 1888.


A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de São João Bosco, Presbítero :


Ofício das Leituras

Segunda leitura
Das Cartas de São João Bosco, presbítero
(Epistolario, Torino 1959, 4,201-203)    (Séc.XIX)


Sempre trabalhei com amor
Antes de mais nada, se queremos ser amigos do verdadeiro bem de nossos alunos e levá-los ao cumprimento de seus deveres, é indispensável jamais vos esquecerdes de que representais os pais desta querida juventude. Ela foi sempre o terno objeto dos meus trabalhos, dos meus estudos e do meu ministério sacerdotal; não apenas meu, mas da cara congregação salesiana.

Quantas vezes, meus filhinhos, no decurso de toda a minha vida, tive de me convencer desta grande verdade! É mais fácil encolerizar-se do que ter paciência, ameaçar uma criança do que persuadi-la. Direi mesmo que é mais cômodo, para nossa impaciência e nossa soberba, castigar os que resistem do que corrigi-los, suportando-os com firmeza e suavidade.

Tomai cuidado para que ninguém vos julgue dominados por um ímpeto de violenta indignação. É muito difícil, quando se castiga, conservar aquela calma tão necessária para afastar qualquer dúvida de que agimos para demonstrar a nossa autoridade ou descarregar o próprio mau humor. Consideremos como nossos filhos aqueles sobre os quais exercemos certo poder. Ponhamo-nos a seu serviço, assim como Jesus, que veio para obedecer e não para dar ordens; envergonhemo-nos de tudo o que nos possa dar aparência de dominadores; e se algum domínio exercemos sobre eles, é para melhor servirmos.

Assim procedia Jesus com seus apóstolos; tolerava-os na sua ignorância e rudeza, e até mesmo na sua pouca fidelidade. A afeição e a familiaridade com que tratava os pecadores eram tais que em alguns causava espanto, em outros escândalo, mas em muitos infundia a esperança de receber o perdão de Deus. Por isso nos ordenou que aprendêssemos dele a ser mansos e humildes de coração.

Uma vez que são nossos filhos, afastemos toda cólera quando devemos corrigir-lhes as faltas ou, pelo menos, a moderemos de tal modo que pareça totalmente dominada.

Nada de agitação de ânimo, nada de desprezo no olhar, nada de injúrias nos lábios; então sereis verdadeiros pais e conseguireis uma verdadeira correção.

Em determinados momentos muito graves, vale mais uma recomendação a Deus, um ato de humildade perante ele, do que uma tempestade de palavras que só fazem mal a quem as ouve e não têm proveito algum para quem as merece.


Fonte :
‘In Liturgia das Horas III’, pg. 1225, 1226


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Dom Columba Marmion, Bem-Aventurado

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



O Beato Columba Marmion nasceu em Dublin (Irlanda), a 1º de abril de 1858 e foi batizado com o nome de José. O pai era irlandês e a mãe era francesa. Tornou-se sacerdote da diocese de Dublin em 1881, após ter concluído brilhantemente os estudos teológicos em Roma. Descobriu a vida beneditina durante a permanência por alguns dias em Maredsous, na Bélgica, abadia fundada em 1872 pelo Mosteiro de Beuron (Alemanha), um dos centros que favoreceram na Igreja o retorno às fontes bíblicas, litúrgicas, patrísticas, ecumênicas : ideal fascinante para o jovem irlandês de alma missionária e contemplativa. Ingressou em Maredsous em 1886, fazendo sua profissão a 10 de fevereiro de 1891. Foi cogitada sua vinda ao Brasil (Olinda), em 1896, para ajudar Dom Gerardo van Caloen e demais monges alemães e belgas que no ano anterior tinham iniciado a restauração da vida monástica do nosso país. Declarou-se disponível, mas no fim seu abade não desejou sua saída de Bélgica. Já abade, escreverá a Dom Gerardo : ‘A obra (de restauração) do Brasil tem as minhas simpatias mais sinceras e quero favorecer toda verdadeira vocação (para aí)’ - carta de 20.10.1909. Dom Columba será enviado a Louvain em 1899 para auxiliar na fundação da Abadia de Mont-César. Aí desenvolveu seus dons de pregador e de diretor espiritual, tornando-se confessor, confidente e amigo do futuro cardeal Mercier, primaz da Bélgica. Foi eleito Abade de Maredsous em setembro de 1909, ocupando o cargo até a morte, a 30 de janeiro de 1923.

Em 1971 foi publicada uma versão escrita de suas conferências espirituais, ‘Jesus Cristo, vida da alma’, seguido de ‘Jesus Cristo nos seus mistérios’ e de ‘Jesus Cristo, ideal do monge’. Todos estes livros tiveram uma influencia considerável na formação espiritual de seminaristas, do clero, dos religiosos e religiosas, dos leigos, também no Brasil. É considerado um dos grandes mestres espirituais do século XX.

Dom Columba Marmion foi beatificado pelo Papa João Paulo II, em Roma, a 3 de setembro de 2000, no contexto do Ano Santo, juntamente com os Papas Pio IX, João XXIII, o arcebispo de Gênova, Tomas Reggio e o sacerdote francês Guilherme José Chaminade. Sua comemoração litúrgica é feita a 3 de outubro (mas nos mosteiros do Brasil, com autorização da Santa Sé, a 30 de janeiro).

Dom Marmion – disse João Paulo II na cerimônia de beatificação – deixou-nos um autentico tesouro de ensino espiritual para a Igreja do nosso tempo. Nos seus escritos, ele ensina um caminho de santidade, simples e portanto exigente, para todos os fiéis que Deus, por amor, destinou para serem seus filhos adotivos em Jesus Cristo (cf. Ef 1, 5). Jesus Cristo, nosso Redentor, fonte de toda a graça, está no centro da nossa vida espiritual, é o nosso modelo de santidade’.


Alguns pensamentos tirados dos escritos do Beato Columba Marmion :

A adoção filial
É a todos os filhos de adoção, a todos os que são irmãos de Jesus pela graça santificante, que o Espírito Santo foi dado. Tal Dom é divino e contém os dons mais preciosos de vida e de santidade : por isso sua efusão em nós é uma fonte de alegria que enche todo o mundo (Jesus Cristo em seus mistérios).

Imitar Jesus
Cristo é o modelo perfeito de nossa santidade. Deus encontra nele todas as suas delícias. E as encontra em nós, na medida de nossa semelhança com Jesus (A união com Deus).

Cristo, meu próximo
Eu não tenho receio de dizer que uma alma que se eleva sobrenaturalmente, sem reservas, em direção a Cristo na pessoa do próximo, ama muito a Cristo e por ele é infinitamente amada; ela fará grandes progressos na união com Nosso Senhor (Jesus Cristo, vida da alma).

A chamada beneditina e o Evangelho
A espiritualidade de São Bento provém diretamente do Evangelho; a grandeza, a simplicidade, o vigor e a suavidade derivam dessa fonte e tornam-se um traço característico dela (Jesus Cristo, ideal do monge).

A perfeição do monge
Estou cada vez mais persuadido que a perfeição do monge é expressa nas palavras de São Francisco de Sales : ‘nada desejar, nada pedir, nada recusar’ (carta a Dom Gerardo van Caloen, 1897).

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Oração

Deus, nosso Pai,
nos destes a graça
de conhecer Vosso Filho em seus mistérios.

A vosso servo Columba
destes o talento,
de falar em Vós.
Ele o fez frutificar
mediante sua irradiação
em todo o mundo.

Graças a seu ensinamento,
os batizados se tornam mais conscientes
que são vossos filhos e são convidados
a ver e a viver cada coisa em Cristo.

Sabemos agora que nossa fraqueza
é assumida na fraqueza de Cristo,
aquela que ele tomou sobre si
para dar-nos em troca a força do Espírito.

Daí somos encorajados
a fazer parte do povo bendito
dos pobres e dos sofredores
aos quais ofereceis o vosso conforto
e a quem abris sem descanso
os mistérios do Reino,
por Jesus, vosso Filho, que vive convosco
e com o Espírito Santo
agora e para sempre. Amém.

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As graças recebidas pela intercessão do Beato Columba Marmion devem ser comunicadas ao Vice-Postulador da Causa de Canonização, Dom José Palmeiro Mendes, OSB, Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, Rua Dom Gerardo, 68 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20090-030 ou por e-mail : djose@osb.org.br

A ele também podem ser solicitadas estampas, medalhas, etc...


Fonte :
Encarte - Edições Lumen Christi - 2013


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Ave Maria! Dos sermões de São Tomás de Aquino

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

São Tomás de Aquino entre Platão e 
Aristóteles esmaga Averróis

Prólogo da *Revista Pedras Vivas

            Tomás de Aquino OP (1225-1274) foi frade dominicano, filósofo, teólogo, expoente da escolástica, proclamado santo e Doutor da Igreja, cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus. Começou sua instrução inicial em Monte Cassino, mas depois foi para a universidade (studium generale) que havia sido criada em Nápoles. Foi lá que Tomás provavelmente foi introduzido nas obras de Aristóteles, Averróis e Maimônides, todos que influenciariam sua filosofia teológica. Foi igualmente durante seus estudos em Nápoles que Tomás sofreu influencia de João de São Juliano, um pregador dominicano em Nápoles que fazia parte do esforço ativo intentado pela ordem dominicana para recrutar seguidores devotos. Aos 19 anos, contra a vontade da família, entrou na ordem fundada por Domingos de Gusmão. Estudou filosofia em Nápoles e depois em Paris. Estudou teologia em Colônia e, em Paris, tornou-se discípulo de Santo Alberto Magno, que ‘descobriu’ e se impressionou com a sua inteligência. Por este tempo foi apelidado de ‘boi mudo’. Dele, disse Santo Alberto : ‘Quanto este boi mugir, o mundo inteiro ouvirá o seu mugido’. Foi mestre na Universidade de Paris, tendo morrido aos 49 anos, na Abadia de Fossanova, quando se dirigia para Lion a fim de participar do Concílio, a pedido do Papa.


AVE MARIA!
 Dos Sermões de São Tomás de Aquino


A Saudação Angélica

PRÓLOGO

1. O saudação angélica é dividida em tres partes :
A primeira, composta pelo Anjo : Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres (Lc 1, 28).
A segunda é obra de Isabel, mãe de João Batista, que disse : Bendito é o fruto do teu ventre.
A terceira parte, a Igreja acrescentou : Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte.
O Anjo não disse : Ave Maria e sim, Ave, Cheia de graça. Mas este nome de Maria, efetivamente, se harmoniza com as palavras do Anjo, como veremos mais adiante.


AVE

2. Na antiguidade, a aparição dos Anjos aos homens era um acontecimento de grande importância e os homens sentiam-se extremamente honrados em poder testemunhar sua veneração aos Anjos.
A Sagrada Escritura louva Abraão por ter dado hospitalidade aos Anjos e por te-los reverenciado.
Mas um Anjo se inclinar diante de uma criatura humana, nunca se tinha ouvido dizer antes que o Anjo tivesse saudado à Santíssima Virgem, reverenciando-a e dizendo : Ave.

3. Se na antiguidade o homem reverenciava o Anjo e o Anjo não reverenciava o homem, é porque o Anjo é maior que o homem e o é por três diferentes razões :
Primeiramente, o Anjo é superior ao homem por sua natureza espiritual.
Está escrito : Dos seres espirituais Deus fez seus Anjos (Sl 103).

4. O homem tem uma natureza corruptível e por isso Abraão dizia a Deus : Falarei ao meu Senhor, eu que sou cinza e pó (Gn 18, 27).
Não convém que a criatura espiritual e incorruptível renda homenagem à criatura corruptível.
Em segundo lugar, o Anjo ultrapassa o homem por sua familiaridade com Deus.
Com efeito, o Anjo pertence  à família de Deus, mantendo-se a seus pés. Milhares de milhares de Anjos o serviam, e dez milhares de centenas de milhares mantinham-se em sua presença, está escrito em Daniel (7, 10).
Mas o homem é quase estranho a Deus, como um exilado longe de sua face pelo pecado, como diz o Salmista : Fugindo, afastei-me de Deus (Sl 54).
Convém, pois, ao homem honrar o Anjo por causa de sua proximidade com a majestade divina e de sua intimidade com ela.
Em terceiro lugar, o Anjo foi elevado acima do homem, pela plenitude do esplendor da graça divina que possui. Os Anjos participam da própria luz divina em mais perfeita plenitude. Pode-se enumerar os soldados de Deus, diz Jó (25, 3) e haverá algum sobre quem não se levante a sua luz? Por isso os Anjos aparecem sempre luminosos. Mas os homens participam também desta luz, porém com parcimônia e como num claro-escuro.
Por conseguinte, não convinha ao Anjo inclinar-se diante do homem, até o dia em que apareceu uma criatura humana que sobrepujava os Anjos por sua plenitude de graças, por sua familiaridade com Deus e por sua dignidade.
Esta criatura humana foi a Bem-Aventurada Virgem Maria. Para reconhecer esta superioridade, o Anjo lhe testemunhou sua veneração por esta palavra : Ave.


CHEIA DE GRAÇA

5. Primeiramente, a Bem-Aventurada Virgem ultrapassou todos os Anjos por sua plenitude de graça, e para manifestar este preeminência o Arcanjo Gabriel inclinou-se diante dela, dizendo : cheia de graça; o que quer dizer : a vós venero, porque me ultrapassais por vossa plenitude de graça.

6. Diz-se também da Bem-Aventurada Virgem que é cheia de graça, em três perspectivas :
Primeiro, sua alma possui toda a plenitude de graça. Deus dá a graça para fazer o bem e para evitar o mal. E sob esse duplo aspecto a Bem-Aventurada Virgem possuía a graça perfeitissimamente, porque foi ela quem melhor evitou o pecado, depois de Cristo.
O pecado ou é original ou atual; mortal ou venial.
A Virgem foi preservada do pecado original, desde o primeiro instante de sua concepção e permaneceu sempre isenta de pecado mortal ou venial.
Também está escrito, no Cântico dos Cânticos (4, 7) : Tu és formosa, amiga minha, e em ti não há mácula.
 ‘Com exceção da Santa Virgem, diz Santo Agostinho, em seu livro sobre a natureza e a graça; todos os santos e santas, em sua vida terrena, diante da pergunta ; ‘estais sem pecado?’ teriam gritado a uma só voz : ‘Se disséssemos : estamos sem pecado (cf. 1Jo 1, 6), estaríamos enganando-nos a nós mesmos e a verdade não estaria conosco’.
 ‘A Virgem Santa é a única exceção. Para honrar o Senhor, quando se trata a respeito do pecado, não se faça nunca referencia à Virgem Santa. Sabemos que a ela foi dada uma abundancia de graças maior; para triunfar completamente do pecado. Ela mereceu conceber Aquele que não foi manchado por nenhuma falta’.
Mas o Cristo ultrapassou a Bem-Aventurada Virgem. Sem dúvida, um e outro foram concebidos e nasceram sem pecado original. Mas Maria, contrariamente a seu Filho, lhe é submissa de direito. E se ela foi, de fato, totalmente preservada, foi por uma graça e um privilégio singular de Deus Todo Poderoso que é devido aos méritos de seu Filho, Jesus Cristo, Salvador do gênero humano (N.T.)

7. A Virgem realizou também as obras de todas as virtudes. Os outros santos se destacaram por algumas virtudes, dentre tantas. Este foi humilde, aquele foi casto, aquele outra, misericordioso, por isto são apresentados como modelo para esta ou aquela determinada virtude; como, por exemplo, se apresenta São Nicolau, como modelo de misericórdia.
Mas a Bem-Aventurada Virgem é o modelo e o exemplo de todas as virtudes. Nela achareis o modelo da humildade. Escutai suas palavras : Eis a escrava do Senhor (Lc 1, 38). E mais : O Senhor olhou a humildade de sua serva (Lc, 1, 48). Ela é também o modelo da castidade : ela mesma confessa que não conheceu homem (cf. Lc 1, 43). Como é fácil constatar, Maria é o modelo de todas as virtudes.
A Bem-Aventurada Virgem é pois cheia de graça, tanto porque faz o bem, como porque evita o mal.

8. Em segundo lugar, a plenitude de graça da Virgem Santa se manifesta no reflexo da graça de sua alma, sobre sua carne e todo o seu corpo.
Já é uma grande felicidade que os santos gozem de graça suficiente para a santificação de suas almas. Mas a alma da Bem-Aventurada Virgem Maria possui uma tal plenitude de graça, que esta graça de sua alma reflete sobre sua carne, que, por sua vez, concebe o Filho de Deus.
Porque o amor do Espírito Santo, nos diz Hugo de São Vitor, arde no coração da Virgem com um ardor singular, Ele opera em sua carne maravilhas tão grandes, que dela nasceu um Homem Deus, como avisa o Anjo à Virgem Santa : Um Filho santo nascerá de ti e será chamado Filho de Deus (Lc 1, 35).

9. Em terceiro lugar, a Bem-Aventurada Virgem é cheia de graça, a ponto de espalhar sua plenitude de graça sobre todos os homens.
Que cada santo possua graça suficiente para a salvação de muitos homens é coisa considerável. Mas se um santo fosse dotado de uma graça capaz de salvar toda a humanidade, ele gozaria de uma abundancia de graça insuperável. Ora, essa plenitude de graça existe no Cristo e na Bem-Aventurada Virgem.
Em todos os perigos, podemos obter o auxílio desta gloriosa Virgem. Canta o esposo, no Cântico dos Cânticos (4, 4) : Teu pescoço é como a torre de Davi, edificada com seus baluartes. Dela estão pendentes mil escudos, quer dizer, mil remédios contra os perigos.
Também em todas as ações virtuosas podemos beneficiar-nos de sua ajuda. Em mim há toda a esperança da vida e da virtude (Ecl 24, 25).     


MARIA

10. A Virgem, cheia de graça, ultrapassou os Anjos, por sua plenitude de graça. E por isto é chamada Maria, que quer dizer, ‘iluminada interiormente’, donde se aplica a Maria o que disse Isaias : O Senhor encherá tua alma de esplendores (Is 58, 11). Também quer dizer : ‘iluminadora dos outros’, em todo o universo; por isso, Maria é comparada, com razão, ao sol e à lua.


O SENHOR É CONVOSCO

11. Em segundo lugar, a Virgem ultrapassa os Anjos em sua intimidade com o Senhor.  O Arcanjo Gabriel reconhece esta superioridade, quando lhe dirige estas palavras : O Senhor é convosco, isto é, venero-vos e confesso que estais mais próxima de Deus do que eu mesmo estou. O Senhor, está, efetivamente, convosco.
O Senhor Pai está com Maria, pois Ele não se separa de maneira nenhuma de seu Filho e Maria possui esse Filho, como nenhuma outra criatura, até mesmo angélica. Deus mandou dizer a Maria, pelo Arcanjo Gabriel (Lc 1, 35). Uma criança santa nascerá de ti e será chamada Filho de Deus.
O Senhor está com Maria, pois repousa em seu seio. Melhor do que a qualquer outra criatura se aplicam a Maria estas palavras de Isaias : Exulta e louva, casa de Sião, porque o Grande, o Santo de Israel está no meio de ti (Is 12, 6).
O Senhor não habita da mesma maneira com a Bem-Aventurada Virgem e com os Anjos. Deus está com Maria, como seu Filho; com os Anjos, Deus habita como Senhor.
O Espírito Santo está em Maria, como em seu templo, onde opera. O Arcanjo lhe anunciou : O Espírito Santo virá sobre ti (Lc 1, 35). Assim, pois, Maria concebeu por efeito do Espírito Santo e nós a chamamos ‘Templo do Senhor’, ‘Santuário do Espírito Santo’ (cf. liturgia das festas de Nossa Senhora).
Portanto, a Bem-Aventurada Virgem goza de uma intimidade com Deus maior do que a criatura angélica.
Com ela está o Senhor Pai, o Senhor Filho, o Senhor Espírito Santo, a Santíssima Trindade inteira. Por isso canta a Igreja : ‘Sois digno trono de toda a Trindade’.
É esta então a palavra mais nobre, a mais expressiva, como louvor, que podemos dirigir à Virgem.

MARIA

12. Portanto o Anjo reverenciou a Bem-Aventurada Virgem, como a mãe do Soberano Senhor e, assim, ela mesma como Soberana. O nome de Maria, em siríaco significa soberana, o que lhe convém perfeitamente.

13. Em terceiro lugar, a Virgem ultrapassou os Anjos em pureza. Não só possuía em si mesma a pureza, como procurava a pureza para os outros. Ela foi puríssima de toa culpa, pois foi preservada do pecado original e não cometeu nenhum pecado mortal ou venial, como também foi livre de toda pena.


BENDITA SOIS VÓS ENTRE AS MULHERES

14. Três maldições foram proferidas por Deus contra os homens, por causa do pecado original.
A primeira foi contra a mulher, que traria seu filho no sofrimento e daria à luz com dores.
Mas a Bem-Aventurada Virgem não está submetida a estas penas. Ela concebeu o Salvador sem corrupção, trouxe-o alegremente em seu seio e o teve na alegria. A Ela se aplica a palavra de Isaias : A terra germinará, exultará, cantará louvores (Is 35, 2).

15. A segunda maldição foi pronunciada contra o homem : Comerás o teu pão com o suor de teu rosto (Gn 3, 9). A Bem-Aventurada Virgem foi isenta desta pena. Como diz o Apóstolo : Fiquem livres de cuidados as virgens e se ocupem só com o Senhor (1Cor 7, 32-34).
A terceira maldição foi comum ao homem e à mulher. Em razão dela devem ambos tornar ao pó.
A Bem-Aventurada Virgem disto também foi preservada, pois foi, com o corpo, assunta aos céus. Cremos que, depois de morta, foi ressuscitada e elevada ao céu. Também se lhe aplicam muito apropriadamente as palavras do Salmo : Levanta-te, Senhor, entra no teu repouso; tu e a arca da tua santificação (Sl 131, 8).


MARIA

16. A Virgem foi pois isenta de toda maldição e bendita entre as mulheres. Ela é a única que suprime a maldição, traz a bênção e abre as portas do paraíso.

17. Também lhe convém, assim, o nome de Maria, que quer dizer, ‘Estrela do Mar’. Como os navegadores são conduzidos pela estrela do mar ao porto, assim, por Maria, são os cristãos conduzidos à Glória.


BENDITO É O FRUTO DE VOSSO VENTRE

18. O pecador procura nas criaturas aquilo que não pode achar, mas o justo o obtém. A riqueza dos pecadores está reservada para os justos, dizem os Provérbios (13, 22). Assim Eva procurou o fruto, sem achar nele a satisfação de seus desejos. A Bem-Aventurada Virgem, ao contrário, achou em seu fruto tudo o que Eva desejou.

19. Eva, com efeito, desejou de seu fruto três coisas :
Primeiro, a deificação de Adão e dela mesma e o conhecimento do bem e do mal,  como lhe prometera falsamente o diabo : Sereis como deuses (Gn 3, 5), disse-lhes o mentiroso. O diabo mentiu, porque ele é mentiroso e o pai da mentira (cf. Jô 8, 44). E por ter comido do fruto, Eva, em vez de se tornar semelhante a Deus, t0ornou-se dessemelhante. Por seu pecado, afastou-se de Deus, sua salvação, e foi expulsa do paraíso.
A Bem-Aventurada Virgem, ao contrário, achou sua deificação no fruto de suas entranhas. Por Cristo nos unimos a Deus e nos tornamos semelhantes a Ele. Diz-nos São João : Quando Deus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos como Ele é (1Jo 3, 2).

20. Em segundo lugar, Eva desejava o deleite (cf. Gn 3, 6), mas não o encontrou no fruto e imediatamente conheceu que estava nua e a dor entrou em sua vida.
No fruto da Virgem, ao contrário, encontramos a suavidade e a salvação. Quem come minha carne tem a vida eterna (Jo 6, 55).

21. Enfim, o fruto de Eva era sedutor nos aspecto, mas quão mais belo é o fruto da Virgem que os próprio Anjos desejam contemplar (cf. 1Pd 1, 12). É o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44, 3), porque é o esplendor da glória de seu Pai (Hb 1, 3) como diz São Paulo.

22. O fruto da Virgem Maria é bendito por Deus, que de tal forma encheu-o de graças, que sua simples vinda já nos faz render homenagem a Deus. Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, declara São Paulo (Ef 1, 3).
O fruto da Virgem é bendito pelos Anjos. O Apocalipse (7, 11) nos mostra os Anjos caindo com a face por terra e adorando o Cristo com seus cantos : O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força ao nosso Deus pelos séculos dos séculos. Amém.
O fruto de Maria é também bendito pelos homens : Toda a língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai, nos diz o Apóstolo (Fl 2, 11). E o Salmista 9Sl 117, 26) o saúda assim : Bendito o que vem em nome do Senhor.

Assim, pois, a Virgem é bendita porém, bem mais ainda, é o seu fruto.


Fonte :
Revista Pedras Vivas – Ano XV – nrº 68 e 69 – Mai/Jun e Jul/Ago de 2012, editada pelos oblatos seculares do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro/RJ
Contato : osrio@osb.org.br

Pai Nosso e Ave Maria,
Sermões de Santo Tomás de Aquino. 
Editora Permanência, Rio de Janeiro 2003.


domingo, 26 de janeiro de 2014

Pescadores

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo de Belém do Pará,
reflete sobre a missão na Amazonia
  
‘Jesus morou em Cafarnaum, que fica às margens do Mar da Galiléia, mar de água doce, também chamado de Lago de Genesaré. Um “rio-mar”! São principalmente as águas que vêm do Monte Hermon que o constituem, para depois prosseguir, Rio Jordão, até o Mar Morto. Às margens do Jordão acorreram multidões para o batismo de João, na preparação penitencial à vinda do Messias Salvador. Em seu entorno aconteceu a maior parte dos eventos da vida pública do Senhor naquela região (Mt 4, 12-23). Foram poucas as incursões em outras áreas, além das viagens a Jerusalém e algumas cidades ou aldeias da Judeia.

Jesus tinha aprendido de São José o digno ofício de carpinteiro, provavelmente exercido nos anos de juventude, mas é do meio de pescadores que chama seus primeiros discípulos. Foi também da pesca e do mar que tirou muitas de suas belíssimas parábolas, com as quais aproximava os ouvintes da realidade do Reino de Deus. E a Galileia das nações (Mt 4,15) foi o espaço para o convite ao Reino e a conversão de muitas pessoas. O Senhor tinha a paixão pelo Reino. “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” era como um refrão repetido! E até hoje é esta a palavra que pode tocar no coração das pessoas.

Pregar o Evangelho do Reino e curar as doenças e enfermidades (Mt 4, 23) eram as ocupações principais de Jesus. Palavra e gestos que a expressavam, fé e vida! Por onde passava, as pessoas encontravam um sentido novo naquilo que faziam, descobriam novos laços de relacionamento, mudavam as prioridades de sua existência. E ele se revelava Senhor, dominando as doenças, as forças da natureza, o demônio e a morte. Os discípulos foram chamados a testemunhar as mudanças e a se comprometerem com elas, tornando-se depois multiplicadores da mesma graça.

Simão, André, Tiago e João eram pescadores de profissão, não apenas ocasionais ou diletantes. Nem dava para exercitar a mentira sobre o tamanho do peixe, como se costuma brincar com pescadores de nosso tempo. Sua labuta incluía noites e madrugadas mar adentro, para levar à praia, ao nascer do sol, o fruto de seu trabalho, a ser negociado e transformado em sustento. Daí em diante o pescador devia descansar um pouco em casa e retornar, ao cair da tarde, ao seu trabalho. Pode-se imaginar o que estava por trás da resposta de Pedro a Jesus: “Mestre, trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5, 5).

De sua profissão podem-se recolher preciosos ensinamentos, que aparecem como sinais da verdade do Reino de Deus. O pescador deve saber a hora adequada para pescar. Confere lua, vento, maré, estação do ano! Não se precipita! Sua tarefa é tantas vezes um grande exercício de paciência. Depois o pescador sabe identificar as espécies de peixes. Seu discernimento contribui para a própria profissão, assim como assegura a continuidade do produto de seu trabalho. Nem se pode pensar em pesca predatória! O trabalho que faz exige persistência e perseverança dedicação de dias e anos. Sua pele é curtida pelo vento, o sol e as intempéries, para aguentar firme!

Nossa Região Amazônica é rica de rios, barcos, ilhas, ribeirinhos, pescadores. Esta é uma excelente oportunidade para reconhecer a bravura e a coragem os povos dos rios e das florestas. Considero preciosos dons de Deus o Açaí, a mandioca e a farinha, o peixe e o camarão, ao lado de outros produtos prodigalizados pela Providência de Deus. Os ribeirinhos e pescadores carregam consigo os mesmos dons acima citados, que correspondem a valores do Reino de Deus. É que Deus fala através de sua Palavra proclamada e fala através dos sinais de seu Reino oferecidos pela própria vida, um livro eivado de sabedoria! Não poucas vezes pude contemplar o vai-e-vem de homens e mulheres levando ao comércio de nossos portos o fruto de seu trabalho, tantas vezes submetidos a condições duras e até injustas para ganhar o dinheiro literalmente suado, com o qual as famílias são sustentadas. As viagens em “casquinhas”, os remos ou os pequenos motores, até chegar aos barcos maiores e navios, tudo é carregado de paciência, persistência, perseverança, discernimento, coragem! Deus seja louvado por tantos “livros” abertos na vida! Deus seja louvado pela abundância das águas. Deus seja louvado, olhando de Belém, pelo nosso “rio-mar”!

E foram pescadores de peixes que se tornaram pescadores de homens! Chegue ao coração de todos os fiéis, das diversas culturas e ambientes, o convite a que crianças, adolescentes e jovens olhem para o Senhor e descubram seu olhar e sua palavra forte e firme, que chama ao seu seguimento. Em nome do Senhor e de sua Igreja, quero chamar do meio dos povos das terras, das águas e das florestas homens e mulheres generosos, dispostos a dar tudo a Deus. Amplio este convite a todos os que do continente olham para nossos rios e mares, a fim de que surjam muitas vocações ao serviço do Senhor e de seu Reino.

E a todos os povos e culturas que nos conhecem ou querem conhecer, chegue a convicção expressa na recente Carta de Manaus: “A Igreja Católica na Amazônia Legal vive e cresce com características próprias, enraizadas na sabedoria tradicional e na religiosidade popular que durante séculos alimentou e continua a manter viva a espiritualidade dos povos da floresta e das águas, e agora, do mundo urbano. Enfrenta com alegria as dificuldades das distâncias e da falta de comunicação para encontrar e oferecer ao rebanho, confiado a nós pelo Senhor da messe, a luz da Palavra de Deus e a Eucaristia como alimentos que revigoram e animam as forças para viver a comunhão com Deus e cuidar da Amazônia como chão da partilha, pátria solidária, “morada de povos irmãos e casa dos pobres” (Carta de Manaus, no Primeiro Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal; Cf. Documento de Aparecida, número 8). Que o Brasil se apaixone conosco pelos desafios da missão!’


Fonte :


sábado, 25 de janeiro de 2014

São Timóteo e São Tito, Bispos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Timóteo e o Apóstolo Paulo

Timóteo e Tito, discípulos e colaboradores do apóstolo Paulo, governaram as Igrejas de Éfeso e de Creta, respectivamente. A eles é que foram dirigidas as Cartas chamadas ‘pastorais’, em que se encontram excelentes recomendações para a formação dos pastores e dos fiéis.


O Apóstolo Paulo instalando Tito como primeiro bispo de Creta

A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de São Timóteo e São Tito :

Ofício das Leituras

Segunda leitura
Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo
(Hom. 2 de laudibus sancti Pauli: PG 50, 480-484)       (Séc.IV)


Combati o bom combate
Na estreiteza do cárcere, Paulo parecia habitar no céu. Recebia os açoites e feridas com mais alegria do que outros que recebem coroas de triunfo; e não apreciava menos as dores do que prêmios que desejava, e até as chamava de graças. Considerai com atenção o significado disto : premio, para ele, era partir, para estar com Cristo (cf. Fl 1,23), ao passo que viver na carne significava o combate. Mas, por causa de Cristo, sobrepunha ao desejo do premio a vontade de prosseguir o combate, pois considerava ser isto mais necessário.

Estar longe de Cristo, representava para ele o combate e o sofrimento, mais ainda, o máximo combate e a mais intensa dor. Pelo contrário, estar com Cristo era um premio único. Paulo, porém, por amor de Cristo, prefere o combate ao premio.

Talvez algum de vós afirme : Mas ele sempre dizia que tudo lhe era suave por amor de Cristo! Isso também eu afirmo, pois as coisas que são para nós causa de tristeza eram para ele enorme prazer. E por que me refiro aos perigos e tribulações que sofreu? Na verdade, seu profundo desgosto o levava a dizer : Quem é fraco, que eu também não seja fraco com ele? Quem é escandalizado, que eu não fique ardendo de indignação? (2Cor 11, 29).

Rogo-vos, pois, que não vos limiteis a admirar este tão ilustre exemplo de virtude, mas, imitai-o. Só assim poderemos ser participantes da sua glória.

E se algum de vós se admira por eu dizer que quem imita os méritos de Paulo participará da sua recompensa, ouça o que ele mesmo afirma : Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor a sua manifestação gloriosa (2Tm 4, 7-8).

Por conseguinte, já que é oferecida a todos a mesma coroa de glória, esforcemo-nos todos por ser dignos dos bens prometidos.

Não devemos considerar em Paulo apenas a grandeza e a excelência das virtudes, a prontidão de espírito e o propósito firme, pelos quais mereceu tão grande graça, mas pensemos também que a sua natureza era em tudo igual ‘a nossa e assim, também a nós, as coisas que são muito difíceis parecerá fáceis e leves. Suportando-as valorosamente neste breve espaço de tempo em que vivemos, ganharemos aquela coroa incorruptível e imortal, pela graça e misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo. A ele a glória e o poder, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.


Fonte :
‘In Liturgia das Horas III’, pg. 1216, 1218