São Tomás de Aquino entre Platão e Aristóteles esmaga Averróis |
Prólogo da *Revista Pedras Vivas
Tomás de Aquino OP (1225-1274) foi
frade dominicano, filósofo, teólogo, expoente da escolástica, proclamado
santo e Doutor da Igreja, cognominado Doctor
Communis ou Doctor Angelicus.
Começou sua instrução inicial em Monte Cassino , mas depois foi para a universidade
(studium generale) que havia sido
criada em Nápoles. Foi
lá que Tomás provavelmente foi introduzido nas obras de Aristóteles, Averróis e
Maimônides, todos que influenciariam sua filosofia teológica. Foi igualmente
durante seus estudos em Nápoles que Tomás sofreu influencia de João de São
Juliano, um pregador dominicano em Nápoles que fazia parte do esforço ativo
intentado pela ordem dominicana para recrutar seguidores devotos. Aos 19 anos,
contra a vontade da família, entrou na ordem fundada por Domingos de Gusmão.
Estudou filosofia em Nápoles e depois em Paris. Estudou
teologia em Colônia e, em Paris, tornou-se discípulo de Santo Alberto Magno,
que ‘descobriu’ e se impressionou com a sua inteligência. Por este tempo foi
apelidado de ‘boi mudo’. Dele, disse Santo Alberto : ‘Quanto este boi mugir, o mundo inteiro ouvirá o seu mugido’. Foi
mestre na Universidade de Paris, tendo morrido aos 49 anos, na Abadia de
Fossanova, quando se dirigia para Lion a fim de participar do Concílio, a
pedido do Papa.
AVE MARIA!
Dos Sermões de São Tomás de
Aquino
A Saudação Angélica
PRÓLOGO
1. O saudação angélica é dividida em tres partes :
A primeira, composta pelo Anjo : Ave, cheia de graça, o Senhor é
contigo, bendita és tu entre as mulheres (Lc 1, 28).
A segunda é obra de Isabel, mãe de João Batista, que disse : Bendito é o
fruto do teu ventre.
A terceira parte, a Igreja acrescentou : Santa Maria, Mãe de Deus, rogai
por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte.
O Anjo não disse : Ave Maria e sim, Ave, Cheia de graça. Mas este nome
de Maria, efetivamente, se harmoniza com as palavras do Anjo, como veremos mais
adiante.
AVE
2. Na antiguidade, a aparição dos Anjos aos homens era um acontecimento de
grande importância e os homens sentiam-se extremamente honrados em poder
testemunhar sua veneração aos Anjos.
A Sagrada Escritura louva Abraão por ter dado hospitalidade aos Anjos e
por te-los reverenciado.
Mas um Anjo se inclinar diante de uma criatura humana, nunca se tinha
ouvido dizer antes que o Anjo tivesse saudado à Santíssima Virgem,
reverenciando-a e dizendo : Ave.
3. Se na antiguidade o homem reverenciava o Anjo e o Anjo não reverenciava
o homem, é porque o Anjo é maior que o homem e o é por três diferentes razões :
Primeiramente, o Anjo é superior ao homem por sua natureza espiritual.
Está escrito : Dos seres espirituais Deus fez seus Anjos (Sl 103).
4. O homem tem uma natureza corruptível e por isso Abraão dizia a Deus :
Falarei ao meu Senhor, eu que sou cinza e pó (Gn 18, 27).
Não convém que a criatura espiritual e incorruptível renda homenagem à
criatura corruptível.
Em segundo lugar, o Anjo ultrapassa o homem por sua familiaridade com
Deus.
Com efeito, o Anjo pertence à família de Deus, mantendo-se a seus
pés. Milhares de milhares de Anjos o serviam, e dez milhares de centenas de
milhares mantinham-se em sua presença, está escrito em Daniel (7, 10).
Mas o homem é quase estranho a Deus, como um exilado longe de sua face
pelo pecado, como diz o Salmista : Fugindo, afastei-me de Deus (Sl 54).
Convém, pois, ao homem honrar o Anjo por causa de sua proximidade com a
majestade divina e de sua intimidade com ela.
Em terceiro lugar, o Anjo foi elevado acima do homem, pela plenitude do
esplendor da graça divina que possui. Os Anjos participam da própria luz divina
em mais perfeita plenitude. Pode-se enumerar os soldados de Deus, diz Jó (25,
3) e haverá algum sobre quem não se levante a sua luz? Por isso os Anjos
aparecem sempre luminosos. Mas os homens participam também desta luz, porém com
parcimônia e como num claro-escuro.
Por conseguinte, não convinha ao Anjo inclinar-se diante do homem, até o
dia em que apareceu uma criatura humana que sobrepujava os Anjos por sua
plenitude de graças, por sua familiaridade com Deus e por sua dignidade.
Esta criatura humana foi a Bem-Aventurada Virgem Maria. Para reconhecer
esta superioridade, o Anjo lhe testemunhou sua veneração por esta palavra : Ave.
CHEIA DE GRAÇA
5. Primeiramente, a Bem-Aventurada Virgem ultrapassou todos os Anjos por
sua plenitude de graça, e para manifestar este preeminência o Arcanjo Gabriel
inclinou-se diante dela, dizendo : cheia de graça; o que quer dizer : a vós
venero, porque me ultrapassais por vossa plenitude de graça.
6. Diz-se também da Bem-Aventurada Virgem que é cheia de graça, em três
perspectivas :
Primeiro, sua alma possui toda a plenitude de graça. Deus dá a graça
para fazer o bem e para evitar o mal. E sob esse duplo aspecto a Bem-Aventurada
Virgem possuía a graça perfeitissimamente, porque foi ela quem melhor evitou o
pecado, depois de Cristo.
O pecado ou é original ou atual; mortal ou venial.
A Virgem foi preservada do pecado original, desde o primeiro instante de
sua concepção e permaneceu sempre isenta de pecado mortal ou venial.
Também está escrito, no Cântico dos Cânticos (4, 7) : Tu és formosa,
amiga minha, e em ti não há mácula.
‘Com exceção da Santa Virgem,
diz Santo Agostinho, em seu livro sobre a natureza e a graça; todos os santos e
santas, em sua vida terrena, diante da pergunta ; ‘estais sem pecado?’ teriam
gritado a uma só voz : ‘Se disséssemos : estamos sem pecado (cf. 1Jo 1, 6),
estaríamos enganando-nos a nós mesmos e a verdade não estaria conosco’.
‘A Virgem Santa é a única
exceção. Para honrar o Senhor, quando se trata a respeito do pecado, não se
faça nunca referencia à Virgem Santa. Sabemos que a ela foi dada uma abundancia
de graças maior; para triunfar completamente do pecado. Ela mereceu conceber
Aquele que não foi manchado por nenhuma falta’.
Mas o Cristo ultrapassou a Bem-Aventurada Virgem. Sem dúvida, um e outro
foram concebidos e nasceram sem pecado original. Mas Maria, contrariamente a
seu Filho, lhe é submissa de direito. E se ela foi, de fato, totalmente
preservada, foi por uma graça e um privilégio singular de Deus Todo Poderoso
que é devido aos méritos de seu Filho, Jesus Cristo, Salvador do gênero humano
(N.T.)
Mas a Bem-Aventurada Virgem é o modelo e o exemplo de todas as virtudes.
Nela achareis o modelo da humildade. Escutai suas palavras : Eis a escrava do
Senhor (Lc 1, 38). E mais : O Senhor olhou a humildade de sua serva (Lc, 1,
48). Ela é também o modelo da castidade : ela mesma confessa que não conheceu
homem (cf. Lc 1, 43). Como é fácil constatar, Maria é o modelo de todas as
virtudes.
A Bem-Aventurada Virgem é pois cheia de graça, tanto porque faz o bem,
como porque evita o mal.
8. Em segundo lugar, a plenitude de graça da Virgem Santa se manifesta no
reflexo da graça de sua alma, sobre sua carne e todo o seu corpo.
Já é uma grande felicidade que os santos gozem de graça suficiente para
a santificação de suas almas. Mas a alma da Bem-Aventurada Virgem Maria possui
uma tal plenitude de graça, que esta graça de sua alma reflete sobre sua carne,
que, por sua vez, concebe o Filho de Deus.
Porque o amor do Espírito Santo, nos diz Hugo de São Vitor, arde no
coração da Virgem com um ardor singular, Ele opera em sua carne maravilhas tão
grandes, que dela nasceu um Homem Deus, como avisa o Anjo à Virgem Santa : Um
Filho santo nascerá de ti e será chamado Filho de Deus (Lc 1, 35).
9. Em terceiro lugar, a Bem-Aventurada Virgem é cheia de graça, a ponto de
espalhar sua plenitude de graça sobre todos os homens.
Que cada santo possua graça suficiente para a salvação de muitos homens
é coisa considerável. Mas se um santo fosse dotado de uma graça capaz de salvar
toda a humanidade, ele gozaria de uma abundancia de graça insuperável. Ora,
essa plenitude de graça existe no Cristo e na Bem-Aventurada Virgem.
Em todos os perigos, podemos obter o auxílio desta gloriosa Virgem.
Canta o esposo, no Cântico dos Cânticos (4, 4) : Teu pescoço é como a torre de
Davi, edificada com seus baluartes. Dela estão pendentes mil escudos, quer
dizer, mil remédios contra os perigos.
Também em todas as ações virtuosas podemos beneficiar-nos de sua ajuda.
Em mim há toda a esperança da vida e da virtude (Ecl 24,
25).
MARIA
O SENHOR É CONVOSCO
11. Em segundo lugar, a Virgem ultrapassa os Anjos em sua intimidade com o
Senhor. O Arcanjo Gabriel reconhece esta superioridade, quando lhe dirige
estas palavras : O Senhor é convosco, isto é, venero-vos e confesso que estais
mais próxima de Deus do que eu mesmo estou. O Senhor, está, efetivamente,
convosco.
O Senhor Pai está com Maria, pois Ele não se separa de maneira nenhuma
de seu Filho e Maria possui esse Filho, como nenhuma outra criatura, até mesmo
angélica. Deus mandou dizer a Maria, pelo Arcanjo Gabriel (Lc 1, 35). Uma
criança santa nascerá de ti e será chamada Filho de Deus.
O Senhor está com Maria, pois repousa em seu seio. Melhor do que a
qualquer outra criatura se aplicam a Maria estas palavras de Isaias : Exulta e
louva, casa de Sião, porque o Grande, o Santo de Israel está no meio de ti (Is
12, 6).
O Senhor não habita da mesma maneira com a Bem-Aventurada Virgem e com
os Anjos. Deus está com Maria, como seu Filho; com os Anjos, Deus habita como
Senhor.
O Espírito Santo está em Maria, como em seu templo, onde opera. O
Arcanjo lhe anunciou : O Espírito Santo virá sobre ti (Lc 1, 35). Assim, pois,
Maria concebeu por efeito do Espírito Santo e nós a chamamos ‘Templo do
Senhor’, ‘Santuário do Espírito Santo’ (cf. liturgia das festas de
Nossa Senhora).
Portanto, a Bem-Aventurada Virgem goza de uma intimidade com Deus maior
do que a criatura angélica.
Com ela está o Senhor Pai, o Senhor Filho, o Senhor Espírito Santo, a
Santíssima Trindade inteira. Por isso canta a Igreja : ‘Sois digno trono de
toda a Trindade’.
É esta então a palavra mais nobre, a mais expressiva, como louvor, que
podemos dirigir à Virgem.
MARIA
12. Portanto o Anjo reverenciou a Bem-Aventurada Virgem, como a mãe do
Soberano Senhor e, assim, ela mesma como Soberana. O nome de Maria, em siríaco
significa soberana, o que lhe convém perfeitamente.
13. Em terceiro lugar, a Virgem ultrapassou os Anjos em pureza. Não só possuía
em si mesma a pureza, como procurava a pureza para os outros. Ela foi puríssima
de toa culpa, pois foi preservada do pecado original e não cometeu nenhum
pecado mortal ou venial, como também foi livre de toda pena.
BENDITA SOIS VÓS ENTRE AS MULHERES
14. Três maldições foram proferidas por Deus contra os homens, por causa do
pecado original.
A primeira foi contra a mulher, que traria seu filho no sofrimento e
daria à luz com dores.
Mas a Bem-Aventurada Virgem não está submetida a estas penas. Ela
concebeu o Salvador sem corrupção, trouxe-o alegremente em seu seio e o teve na
alegria. A Ela se aplica a palavra de Isaias : A terra germinará, exultará,
cantará louvores (Is 35, 2).
15. A segunda maldição foi pronunciada contra o homem : Comerás o teu pão com
o suor de teu rosto (Gn 3, 9). A Bem-Aventurada Virgem foi isenta desta pena.
Como diz o Apóstolo : Fiquem livres de cuidados as virgens e se ocupem só com o
Senhor (1Cor 7, 32-34).
A terceira maldição foi comum ao homem e à mulher. Em razão dela devem
ambos tornar ao pó.
A Bem-Aventurada Virgem disto também foi preservada, pois foi, com o
corpo, assunta aos céus. Cremos que, depois de morta, foi ressuscitada e
elevada ao céu. Também se lhe aplicam muito apropriadamente as palavras do
Salmo : Levanta-te, Senhor, entra no teu repouso; tu e a arca da tua
santificação (Sl 131, 8).
MARIA
16. A Virgem foi pois isenta de toda maldição e bendita entre as mulheres. Ela
é a única que suprime a maldição, traz a bênção e abre as portas do paraíso.
17. Também lhe convém, assim, o nome de Maria, que quer dizer, ‘Estrela do
Mar’. Como os navegadores são conduzidos pela estrela do mar ao porto, assim,
por Maria, são os cristãos conduzidos à Glória.
BENDITO É O FRUTO DE VOSSO VENTRE
18. O pecador procura nas criaturas aquilo que não pode achar, mas o justo o
obtém. A riqueza dos pecadores está reservada para os justos, dizem os
Provérbios (13, 22). Assim Eva procurou o fruto, sem achar nele a satisfação de
seus desejos. A Bem-Aventurada Virgem, ao contrário, achou em seu fruto tudo o
que Eva desejou.
19. Eva, com efeito, desejou de seu fruto três coisas :
Primeiro, a deificação de Adão e dela mesma e o conhecimento do bem e do
mal, como lhe prometera falsamente o diabo : Sereis como deuses (Gn 3,
5), disse-lhes o mentiroso. O diabo mentiu, porque ele é mentiroso e o pai da
mentira (cf. Jô 8, 44). E por ter comido do fruto, Eva, em vez de se tornar
semelhante a Deus, t0ornou-se dessemelhante. Por seu pecado, afastou-se de
Deus, sua salvação, e foi expulsa do paraíso.
A Bem-Aventurada Virgem, ao contrário, achou sua deificação no fruto de
suas entranhas. Por Cristo nos unimos a Deus e nos tornamos semelhantes a Ele.
Diz-nos São João : Quando Deus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque
o veremos como Ele é (1Jo 3, 2).
20. Em segundo lugar, Eva desejava o deleite (cf. Gn 3, 6), mas não o
encontrou no fruto e imediatamente conheceu que estava nua e a dor entrou em
sua vida.
No fruto da Virgem, ao contrário, encontramos a suavidade e a salvação.
Quem come minha carne tem a vida eterna (Jo 6, 55).
21. Enfim, o fruto de Eva era sedutor nos aspecto, mas quão mais belo é o
fruto da Virgem que os próprio Anjos desejam contemplar (cf. 1Pd 1, 12). É o
mais belo dos filhos dos homens (Sl 44, 3), porque é o esplendor da glória de
seu Pai (Hb 1, 3) como diz São Paulo.
22. O fruto da Virgem Maria é bendito por Deus, que de tal forma encheu-o de
graças, que sua simples vinda já nos faz render homenagem a Deus. Bendito seja
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a bênção
espiritual em Cristo, declara São Paulo (Ef 1, 3).
O fruto da Virgem é bendito pelos Anjos. O Apocalipse (7, 11) nos mostra
os Anjos caindo com a face por terra e adorando o Cristo com seus cantos : O
louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força ao
nosso Deus pelos séculos dos séculos. Amém.
O fruto de Maria é também bendito pelos homens : Toda a língua confesse
que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai, nos diz o Apóstolo (Fl 2,
11). E o Salmista 9Sl 117, 26) o saúda assim : Bendito o que vem em nome do Senhor.
Assim, pois, a Virgem é bendita porém, bem mais ainda, é o seu fruto.
Fonte :
* Revista
Pedras Vivas – Ano XV – nrº 68 e 69 – Mai/Jun e Jul/Ago de 2012, editada pelos
oblatos seculares do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro/RJ
Contato
: osrio@osb.org.br
Pai Nosso e Ave Maria,
Sermões de Santo Tomás de Aquino.
Sermões de Santo Tomás de Aquino.
Editora Permanência, Rio de Janeiro 2003.
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