* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo
de Belém do Pará,
reflete
sobre o discernimento cotidiano
‘Há muitas expressões na Sagrada
Escritura que indicam o Senhor que fala ao seu povo, e manifestam a força de
sua palavra que cria, repreende, educa, acompanha. Desde a forte palavra
criadora do livro do Gênesis, passando pela intimidade com os patriarcas e
profetas, que "emprestavam" a boca para Deus falar. De Moisés se diz
que tinha uma grande amizade com Deus e o Senhor se entretinha com ele face a
face. Deus fala!
"Muitas vezes e de muitos modos,
Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os
últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas e pelo qual também criou o universo. Ele é o resplendor da glória do
Pai, a expressão do seu ser. Ele sustenta o universo com a sua palavra
poderosa. Tendo feito a purificação dos pecados, sentou-se à direita da
majestade divina, nas alturas, elevado tão acima dos anjos quanto o nome que
ele herdou supera o deles" (Hb 1, 1-4).
"Por estas palavras, a carta aos
Hebreus dá a entender que Deus emudeceu, por assim dizer, e nada mais tem a
falar, pois o que antes dizia em parte aos profetas, agora nos revelou no todo,
dando-nos o Tudo, que é o seu Filho. Se agora, portanto, alguém quisesse
interrogar a Deus, ou pedir-lhe alguma visão ou revelação, faria injúria a Deus
não pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer outra coisa ou novidade
alguma. Deus poderia responder-lhe deste modo: Este é o meu Filho amado, no
qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o! (Mt 17,5). Já te disse todas as
coisas em minha Palavra. Põe os olhos unicamente nele, pois nele tudo disse e
revelei, e encontrarás ainda mais do que pedes e desejas" (Tratado “A
subida do Monte Carmelo”, de São João da Cruz, presbítero, Lib. 2, cap. 22).
A Igreja tem clara a convicção de que
tudo o que é estritamente necessário já foi dito por Deus e encontra o
fundamento de sua ação na Escritura Sagrada. Sabe também a Igreja que lhe foi
dada a graça do discernimento, pela qual o sadio desdobramento daquilo que foi
revelado é expresso nos ensinamentos que são oferecidos pelo longo e seguro
exercício do magistério que acompanha a tradição viva, na qual existe a certeza
da ação do Espírito Santo, que a acompanha e preserva do erro.
E Deus se calou? Temos a certeza de que
continua a dizer sua Palavra, que ele inspira o bem, suscita a pregação
corajosa do Evangelho, sustenta o testemunho dos cristãos. Sabemos que todas as
chamadas revelações particulares são objeto de discernimento cuidadoso, pois
são reconhecidas como estímulo à vivência do que se expressou na Sagrada
Escritura, para que as pessoas não corram de um lado para outro em busca de
novidades e pretensos anúncios, especialmente quando estes apontam para datas
ou eventos extraordinários.
O que falta é o discernimento cotidiano
e dedicado do que Deus nos fala através dos acontecimentos e de uma quantidade
imensa de fatos simples e aparentemente corriqueiros. Deus nos fala através do
próximo que grita pela nossa ajuda e pelo serviço de amor, dizendo que tudo o
que fazemos ao menor dos irmãos é feito a Jesus. Deus nos fala pela última
notícia de violência, que nos assusta e escandaliza, a dizer-nos que nos foi
oferecido o caminho para a paz, através dos mandamentos e a prática da fraternidade.
Deus nos fala pela Igreja que se reúne e proclama a cada dia a Palavra Sagrada,
fonte de vida e santidade. Deus nos fala pelo testemunho corajoso de pessoas
que vivem o Evangelho, arrastando com seu exemplo gente que vivia na lama do
pecado. Deus nos fala através de seus enviados, e basta pensar na lucidez com
que o Papa Francisco tem oferecido à Igreja e o mundo as propostas de vivência
do Evangelho e amor ao próximo. Não faltam palavras vindas da boca de Deus. O
que pode faltar são ouvidos atentos.
A Igreja celebra neste final de semana
o Batismo de Jesus, quando o Senhor vai ao Rio Jordão, onde João Batista
pregava a penitência e a conversão, justamente na preparação da plena
manifestação do Messias esperado. Diante de um João Batista surpreso, que diz
"Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim" (Mt 3,13-17), Jesus
entra na fila dos pecadores, ele que é o Cordeiro sem mancha que tira o pecado
do mundo! E ali, no gesto de imensa humildade de Jesus, acontece a revelação da
intimidade de Deus Trindade. O Filho nas águas, o Espírito em forma de uma
pomba e a voz do Pai: "Este é o meu Filho amado, no qual eu pus o meu
agrado".
O Senhor Jesus confiou uma missão à
Igreja, de ir pelo mundo inteiro e anunciar a Boa-Nova. "Quem crer e for
batizado será salvo. Quem não crer será condenado" (Mc 16,16). Prometeu
inclusive "sinais que acompanharão aqueles que crerem: expulsarão demônios
em meu nome; falarão novas línguas; se pegarem em serpentes e beberem veneno
mortal, não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os doentes,
estes ficarão curados” (Mc 16,17-18). O mesmo Senhor Jesus, que falou com seus
discípulos, "foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus" (Mc
16,19).
Como os primeiros discípulos, está
agora em nossas mãos o anúncio da Boa-Nova. Pedimos a Deus que se multipliquem
os operários para a sua messe, vindos de todas os cantos, dispostos a
transformar sua vida e sua palavra em testemunho corajoso do Senhor, diante de
um mundo que anseia pela palavra de Deus. De fato, a sede e fome da voz de Deus
está presente, mesmo quando as pessoas não sabem dar nome ao grito que brota de
dentro de si, no cumprimento da palavra profética: "Dias hão de vir,
quando hei de mandar à terra uma fome, que não será fome de pão nem sede de
água, e sim de ouvir a Palavra do Senhor" (Am 8,11).’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.zenit.org/pt/articles/a-voz-de-deus
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