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quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Perdoai-nos como perdoamos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Rivelino Nogueira


‘‘Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’ é uma frase da oração do Pai-Nosso, que se encontra em Mateus 6,12. 

A frase significa que a oferta de perdão de Deus está relacionada com a vontade de perdoar os outros. Para os cristãos, perdoar os outros não é uma opção, mas um mandamento. 

‘Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.’ (Mt 5,23.24)

O perdão brota do amor de Deus e a necessidade de perdoar vem do amor de dele e não do merecimento humano.

A falta de perdão é uma prisão

Quem não perdoa está preso. A falta de perdão tem sido forte motivo de paralisia espiritual, imaturidade emocional e desenvolvimento de doenças físicas e emocionais. Existem pessoas que ficam presas no cativeiro da falta de perdão, sendo atormentadas em suas vidas durante anos.

Muita gente tem sofrido com a falta de perdão. Outro dia, ouvi alguém dizendo que o ressentimento é o mesmo que você tomar diariamente um pouco de veneno, esperando que quem o magoou venha a morrer. A falta de perdão produz dano maior em quem está ferido do que naquele que feriu. 

A ausência do perdão está diretamente ligada à saúde física, mental e emocional. A Sociedade de Cardiologia de São Paulo recentemente levantou essa questão, apresentando uma pesquisa com 65 pacientes sem histórico de doença cardiovascular e 65 que infartaram. Foi mostrado que existe uma relação entre não perdoar e a ocorrência de infarto agudo do miocárdio. Foram dois quesitos, ‘quebra de confiança’ e ‘rejeição/desprezo’. No primeiro, a maioria, 65% dos que tiveram infarto, não estavam dispostos a perdoar. Esse número foi de 35% no outro grupo. No segundo quesito, 54% dos que infartaram perdoariam, já entre os que não tiveram infarto o percentual subia para 72%.

Carregar consigo ressentimentos e dores que as relações humanas nos expõem pode gerar um peso paralisador.

A partir das últimas décadas, as pesquisas sobre o perdão e seu impacto na saúde das pessoas vêm se ampliando; há, inclusive, relação entre os ressentimentos e o aparecimento de doenças físicas e mentais. As amarguras e a presença do rancor podem gerar efeitos psicossomáticos no corpo, traduzindo essas dores emocionais em patologias como depressão, ansiedade, gastrite nervosa, hipertensão, obesidade, entre outras.

Por meio do perdão é possível deixar para trás a dor e o ressentimento provocados por uma mágoa.

É uma maneira de se libertar da lembrança de um acontecimento ruim para que ela não afete mais a sua vida.

O perdão é necessário para muitos processos de cura de traumas e desapego do passado.

O que a falta de perdão pode provocar?

Amargura, tristeza, raiva e baixa autoestima. Com o tempo, você pode passar a deixar ressentidas todas as pessoas à sua volta e não apenas quem lhe causou mal.

Problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.

O medo, a amargura, os conflitos internos e o ressentimento podem dificultar a manutenção de relacionamentos saudáveis.

Apego ao passado. 

Resiliência

Aprender a perdoar ajuda a desenvolver a resiliência. Essa competência emocional está relacionada à capacidade de passar por situações estressantes sem sucumbir a seus efeitos negativos.

Quando não sabe lidar com uma adversidade, a pessoa resiliente procura ferramentas para ajudá-la a passar por isso, como, por exemplo, a psicoterapia. 

Empatia

O ato de perdoar também desenvolve a empatia, a competência emocional que envolve a compreensão das perspectivas e emoções do outro. Quando você se dispõe a perdoar alguém, precisa se colocar no lugar dessa pessoa primeiro.

Como praticar o perdão?

Praticar o perdão envolve uma série de passos que, muitas vezes, são desconfortáveis. Dependendo da situação, pode ser muito doloroso revisitar lembranças e tentar encontrar razões para perdoar quem lhe causou mal. Acima de tudo, tenha compaixão por você ao iniciar essa jornada.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/perdoai-nos-como-perdoamos.html

domingo, 21 de janeiro de 2024

Perdão: da dor à liberdade

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de João Melo


Perdoar é um caminho desafiador, uma tarefa que, muitas vezes, revela-se árdua diante das feridas profundas infligidas por aqueles mais próximos a nós, como familiares e amigos. Em alguns casos, o distanciamento se instala, deixando relações abaladas, enquanto em situações mais graves somos marcados pela violência que permeia essas conexões.

Contudo, a decisão ética de perdoar vai além do mero relacionamento interpessoal; ela implica interromper o ciclo tóxico do desgosto, do ódio e da vingança, que perpetua o ciclo de violência e sofrimento.

Nessa jornada de perdão, olhamos para o exemplo de Jesus, que, mesmo sendo injustiçado e crucificado, proferiu as palavras ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem’ (Lc 23,34). Ele nos ensinou que o perdão é uma escolha poderosa que transcende as injustiças, promovendo a reconciliação e a cura.

A extensão desse princípio cristão perpassa a reconciliação e a justiça para as pessoas mais descartadas da sociedade, da vida e missão da Igreja e do convívio familiar. A reconciliação é a cura das relações sociais feridas a partir do respeito à diversidade. Jesus acolheu todas as pessoas, independentemente de sua origem, religião, gênero, status social ou passado. Nele encontramos uma absoluta atitude de amor e inclusão. Ao perdoar e respeitar a diversidade, seguimos o exemplo daquele que ensinou que o amor supera todas as barreiras porque a reconciliação passa por toda forma de amor.

O perdão, em sua essência, é um ato libertador.

Ele não apenas redime o ofensor, mas também resgata o ofendido do peso do rancor, livrando-o do constante regurgitar da dor infligida. Apegar-se de forma doentia a uma relação ferida só serve para ocupar a mente e o coração, impedindo a abertura para outras relações e possibilidades de vida. Ao perdoar, encontramos a liberdade para explorar novos horizontes emocionais e construir conexões saudáveis. Ao mesmo tempo é crucial não infligir a si mesmo e aos demais a culpa pela suposta ‘inabilidade’ em perdoar. Cada pessoa tem seus próprios tempos e limites emocionais e, quando profundamente machucadas, podem carregar cicatrizes ao longo da vida.

O perdão não é um processo linear. Na verdade, é um caminho sinuoso que exige tempo, compreensão e compaixão. Reconhecer a própria vulnerabilidade e aceitar que o perdão é um processo gradual permite uma abordagem mais compassiva consigo mesmo e com os demais.

De fato, perdoar não é simplesmente absolver o erro alheio. Trata-se de uma jornada interna de cura que nos liberta das correntes emocionais que nos prendem ao passado. É uma escolha ética que transcende o desejo de retribuição, oferecendo a oportunidade de construir um presente e um futuro mais saudáveis.

Perdoar e respeitar a diversidade são pilares fundamentais para construir uma sociedade e relacionamentos saudáveis. Essas atitudes não apenas promovem a paz interior, também contribuem para a construção de comunidades mais compassivas e empáticas. Ao seguir os ensinamentos de Jesus somos desafiados a transcender as diferenças, nutrindo um espírito de perdão e aceitação que fortalece a harmonia e a diversidade em nosso convívio.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/wp-content/uploads/2023/11/dezembro-2023.pdf

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

«O perdão libertou-me do medo»

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Enrique Bayo,

Missionário Comboniano

  

‘Caminha normalmente. Nada sugere que, há sete meses, tenha sido atingido por quatro balas de uma Kalashnikov nas pernas. Felizmente, as balas não tocaram nos seus ossos, nervos ou articulações. Este providencial – quase milagroso – acontecimento não foi o único : «Um avião da Cruz Vermelha estava disponível no dia do ataque para me transferir para um hospital em Nairobi, Quênia. A Providência tornou ainda possível que, rapidamente, se encontrasse um dador de sangue compatível e, assim, fazer a transfusão que eu precisava. Providencial, também, foi que uma das pessoas que me atacou perdeu o seu telemóvel no meu quarto, o que forneceu pistas que permitiram descobrir os autores do ataque e lançar as bases para que algo semelhante não volte a acontecer. Muitas circunstâncias felizes para me fazer ver que o Senhor estava no domínio do que me aconteceu», sublinha Christian Carlassare, bispo eleito de Rumbek.

«Eu compreendi – refere D. Carlassare – que o ataque foi para me intimidar, para me assustar e para me manter afastado de Rumbek. A minha impressão é que, durante os dez anos em que esteve vacante, a diocese foi ficando refém de um pequeno grupo de poder, com interesses específicos, a quem a minha presença incomodou.»

Poucos dias após o ataque, 41 pessoas foram presas. Seis estão atualmente na prisão e cerca de 20 estão acusadas, incluindo alguns padres e agentes pastorais. O processo judicial continua e ainda não há sentença, pelo que o bispo eleito apela à prudência, consciente da situação incerta em que se encontra. «Como posso trabalhar se ainda não está tudo esclarecido? Em qualquer caso, em diálogo com a nunciatura, estamos à procura de uma data para regressar ao Sudão do Sul. Pela minha parte, estou determinado a levar esta responsabilidade até ao fim, como um pai que não pode abandonar os seus filhos. O ataque teve lugar no Domingo do Bom Pastor e guardo na minha mente este ícone do Bom Pastor que se preocupa e dá a vida pelas suas ovelhas

Perdoar

Embora esteja consciente da oposição inevitável que qualquer pessoa que exerça autoridade, como um bispo, pode enfrentar, D. Carlassare nunca imaginou que seria alvo de uma ação tão violenta. No entanto, impressiona a sua forma de interiorizar o que aconteceu. «Desde o primeiro momento, abandonei-me nas mãos de Deus, sabendo que Ele poderia beneficiar a missão com o que me aconteceu. Nos primeiros dias acordei a pensar que tudo tinha sido um pesadelo, mas quando fui entrevistado na cama do hospital, do meu coração brotaram palavras de reconciliação e perdão que eu não tinha preparado. Conceder o perdão naquele momento foi para mim uma libertação do medo, ressentimento, desconfiança e desconforto e, assim, continuar a acreditar no processo que a Igreja está a levar a cabo no Sudão do Sul, para que este povo possa viver em paz. Com o passar do tempo, vejo o que me aconteceu como uma forma de eu carregar na minha carne as feridas deste país. Demasiados sul-sudaneses sofrem injustamente com a violência, são atacados nas estradas ou forçados a fugir das suas terras, por isso, é para mim um dom fazer causa comum com a situação de tantas pessoas.»

O ciclo de violência

O conflito interno no Sudão do Sul rasgou o tecido social e dividiu grupos étnicos. Um acordo de paz foi assinado em 2019 entre o Governo e o grupo maioritário da oposição, mas ainda há muito a fazer. Para Christian Carlassare, «a assinatura do acordo é um passo em frente para a paz porque permitiu partilhar alguns poderes e cargos governamentais, mas é necessário passar de um acordo entre ‘grandes atores’ para um acordo que chegue aos territórios onde os conflitos continuam e as feridas ainda estão abertas. Há ainda quatro milhões de refugiados ou deslocados do Sudão do Sul que perderam as suas terras, agora ocupadas por milícias ou grupos não nativos da área. As armas estão em todo o lado e alguns utilizam-nas de formas inaceitáveis. Além disso – continua o missionário comboniano –, certos grupos estão a tirar partido dos recursos de todos recorrendo a uma corrupção terrível. Fala-se do Sudão do Sul como de uma cleptocracia, enquanto a população é vítima do roubo dos seus recursos e privada da possibilidade de desenvolvimento

Neste contexto, a Igreja tem uma missão fundamental para quebrar o ciclo de violência e permitir que o país se levante : «Está presente em todas as comunidades e fala o Evangelho na língua de cada povo, com uma mensagem comum de paz, unidade e reconciliação. É urgente passar da narrativa do medo para uma narrativa positiva, que conduza à reconciliação.» A este respeito, D. Carlassare considera importante o gesto profético do Papa Francisco em 2019, quando beijou os pés dos líderes do Sudão do Sul. «Muitos perguntaram-se como foi possível que o Santo Padre se curvasse diante destes ‘pais da pátria’, que não são santos. Foi um gesto forte para pressionar os líderes sul-sudaneses a porém de lado o seu ego e aceitarem um compromisso, mas também para os fazer compreender que a única autoridade que pode ser realmente uma ajuda para o povo é a autoridade que está disposta a servir.» 

Ultrapassar inimizades

O P.e Christian chegou ao Sudão [o Sul tornou-se independente em 2011] aos 28 anos de idade com o entusiasmo da sua recente ordenação. Foi enviado para trabalhar entre o povo Nuer na comunidade de Old Fangak, que os Missionários Combonianos tinham aberto nove anos antes. Durante quinze anos, sem interrupção, realizou o seu serviço pastoral entre o povo Nuer, visitando as jovens comunidades cristãs e formando agentes pastorais.

Enquanto estava em Old Fangak foi nomeado bispo de Rumbek, uma diocese onde os Dincas são o grupo étnico maioritário, algo que não preocupa muito D. Carlassare, embora reconheça que o conflito do Sudão do Sul criou muita desconfiança entre os Nueres e os Dincas : «Penso que as pessoas não identificam o missionário com um determinado grupo étnico. Trabalhei entre os Nueres, mas não sou um nuer e trabalharei entre os Dincas em Rumbek sem ser dinca. Nós, missionários, devemos ser pessoas abertas e trabalhar na Igreja para diminuir a inimizade entre grupos. Os Dincas sabem que eu amo o povo Nuer, mas também sabem que os posso amar da mesma forma.»

Dom e desafio

A diocese de Rumbek é um desafio para o jovem prelado. Foi criada em 1975, mas teve de ser encerrada durante os anos de guerra civil entre o Norte e o Sul do Sudão. Devido ao conflito, a população sofreu com a fome durante a década de 1980. Nos anos 1990, a diocese foi reaberta com a presença do bispo comboniano D. Cesare Mazzolari, que revitalizou todas as estruturas eclesiásticas. «Era verdadeiramente um santo, um visionário e um profeta, e levantou a Igreja do ponto de vista pastoral e social», diz com convicção. A morte de D. Mazzolari, em 2011, deixou a sede vacante até à nomeação de D. Carlassare, que vê o trabalho realizado pelo seu antecessor como a razão da sua eleição. «Penso que a Santa Sé olhou para os Missionários Combonianos porque somos uma congregação estável e bem estabelecida no país, e que pode dar continuidade ao trabalho de D. Mazzolari. Não foi tanto a minha pessoa em concreto, mas a confiança nos Missionários Combonianos, que me trouxe a Rumbek.»

A memória de D. Mazzolari faz com que a grande maioria dos católicos de Rumbek espere a chegada do novo bispo com expectativa, algo que D. Carlassare vê como uma «espada de dois gumes», porque muitos pensam que «um bispo europeu pode dar esperança ao desenvolvimento da diocese, algo que deve ser continuado, mas nunca sem a contribuição dos cristãos». D. Mazzolari realizou numerosos projectos sociais com ajudas que provinham do estrangeiro, razão pela qual o seu sucessor insiste na necessidade de «passar para uma Igreja que cresça com os recursos disponíveis no local, que conte com participação de todas as pessoas».

Ao concluir a entrevista, D. Carlassare convidou os leitores da Além-Mar a superar a imagem negativa de África que, frequentemente, transparece nos meios de comunicação social. «Devemos saber olhar para o continente com olhos mais abertos, com um grande coração, e descobrir tudo o que a África aporta à nossa velha Europa. Não só recursos, que infelizmente causam conflitos em África, mas sobretudo a sua cultura e a sua verdadeira riqueza : as pessoas.»’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/actualidade/6/642/o-perdao-libertou-me-do-medo/

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Controlar as expectativas é o jeito mais simples de perdoar


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
*Artigo de Octavio Messias


‘Quando lembro, já com algum distanciamento, de mágoas que ficaram no passado, elas já não doem mais tanto. Certa vez li uma frase em um desses memes motivacionais, cujo autor desconheço, que no entanto me fez muito sentido : O tempo cura tudo; só não cura o tempo que você perdeu esperando o tempo passar para curar tudo o que você teria vivido se não tivesse esperado tanto tempo.  A fala, que até anotei, me pareceu de um saber muito arguto no sentido de distinguir dois sentidos básicos da existência : o passado ou o futuro.

Quando conseguimos enxergar adiante, nossas vidas andam, novas oportunidades aparecem, o trabalho prospera e os relacionamentos florescem. Ao nos encontrarmos presos no rancor, ressentidos, por exemplo, com alguém de quem gostamos – seja namorada (o), cônjuge, pais, filho, amigos –, fica mais difícil que novos laços se estabeleçam e que a sua vida prospere rumo à felicidade. Ficamos presos naquela dor ainda não curada, ‘como uma ferida exposta’, uma vez um sábio amigo me falou. Uma ferida exposta ainda propensa a latejar. 

Claro, é necessária muita reflexão – e muitas vezes até análise – para curar as feridas e assimilar as mágoas do passado; no entanto, quanto menos tempo perdermos nesse processo de elaboração, mais tempo teremos desfrutar daquilo de mais sagrado que temos ao nosso dispor : viver. E, pela minha experiência pessoal, o atalho mais rápido para se curar das feridas do passado é perdoar.

Para conseguir perdoar, precisamos conseguir apontar o quanto daquela mágoa é responsabilidade do outro, e o quanto ela foi infligida por mim, uma dor resultante da frustração das minhas próprias expectativas. Tirar a culpa do outro e entender, aceitar e assumir nossa própria responsabilidade pelos desencantos que vivemos. Pois, embora doloroso seja, não somos tão cândidos quanto tendemos a preferir imaginar. 

Um exemplo pueril que, na minha opinião, ilustra bem esse tipo de impasse : na época da faculdade, me frustrava com frequência com um amigo quando ele não aceitava me acompanhar nas festas do diretório acadêmico. De quem era a responsabilidade pelo meu desgosto, minha, que projetei a expectativa de ter meu fiel escudeiro na festa, ou dele, um indivíduo com disposições, impressões e opiniões próprias que, em pleno exercício do seu livre-arbítrio, optou por não sair em uma determinada noite? 

Ou quando me frustrava com frequência com uma ex-namorada que não se sentia tão disposta a me acompanhar em eventos sociais, o que, sem perceber, eu julgava ser sua obrigação, embora logicamente não fosse. Temos de entender que, em relacionamentos, lidamos com emoções, e não podemos julgar, cobrar ou condenar outra pessoa pela maneira como ela se sente. 

Assim como nós, o outro não é perfeito, tem suas próprias limitações e questões emocionais, e dificilmente enxerga determinado impasse da mesma maneira. Não tem como imaginar – nem deve se propor a satisfazer – tudo que dele esperamos, tampouco tem responsabilidade pela maneira como nos sentimos. Isso cabe apenas a nós mesmos, no pleno exercício do nosso livre-arbítrio. 

Passei a ter um relacionamento muito mais saudável com os meus pais desde que resolvi perdoá-los, seja quais tenham sido as mágoas que me afligiram no passado. Procurei entender que na maioria das vezes (senão todas), eles não agiram com esse intuito. Eles são fruto de outros tempos, outros valores, outras visões de mundo, e entendi que aproveito meu relacionamento com eles muito mais desde o momento em que passei a entender e a respeitar quem eles são, e não quem eu poderia desejar que eles fossem. Faz mais sentido lidar com eles e aproveitá-los como são, do que perder tempo, disposição e energia esperando algo que não condiz com quem são. 

O que me parece um exercício saudável, observar o outro, pelo que deseja e por quem de fato é, ao invés de por aquilo que espero dele. Assim tendo a não mais me frustrar, e também a aprender com o que de mais singular essa pessoa tem a me oferecer, ainda que seja inesperado, requeira diálogo e assimilação. 

Perceber que, ao perdoar, ao abrir mão do papel de capataz e de julgar, quem ganha vida nova e deixa o passado para trás é você. Isaías, 43:25 : Sou eu, eu mesmo, aquele que apaga suas transgressões, por amor de mim, e que não se lembra mais de seus pecados.’


Fonte :
*Artigo na íntegra

domingo, 17 de novembro de 2019

O perdão é esquecer?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Christine Ponsard,
jornalista (1956 - 2004)


‘Há muitas ofensas que não podem ser esquecidas. Não podemos pedir às vítimas de um ataque ou aos pais cujo filho foi assassinado que esqueçam os danos que lhes foram causados e os responsáveis por esses danos. É normal – e saudável – que se lembrem do que viveram, ou até que reivindiquem o direito de não esquecerem os acontecimentos de que foram vítimas. Em alguns casos, até falamos de ‘dever de memória’. Quer isto dizer que há ofensas que não podem ser perdoadas?

Será que devemos esquecer para conceder um perdão sincero?

Esquecer a ofensa sofrida não depende de nós. Não podemos decidir apagar aquilo que queremos quando queremos, todos nós temos essa experiência : há muitas lesões, graves ou menores, que gostaríamos de esquecer e que, no entanto, permanecem na nossa memória. E quando temos o verdadeiro desejo de perdoar a quem nos magoou, esta incapacidade de esquecer nos confunde ou nos surpreende : ‘Se não esqueci, é porque não perdoei realmente’. E então? Somos incapazes de perdoar verdadeiramente, porque a nossa memória se recusa a olvidar?

‘A Ressurreição não é o esquecimento da Paixão’, disse um dia o Cardeal francês Jean-Marie Lustiger. Da mesma forma, o perdão não é o esquecimento da ofensa. Muitos acreditam que a memória da ofensa sofrida que volta à memória é um sinal de que não perdoaram. Mas não é possível esquecer um acontecimento que nos magoou. A lembrança é uma questão de memória, e o perdão é uma questão de vontade profunda. Não é a mesma coisa.

O que é verdade sobre o perdão aos outros também é verdade sobre o perdão que nós devemos a nós mesmos. Não sempre pensamos que é sobretudo a si mesmo que se deve perdoar. Acontece com demasiada frequência que nos preocupamos com remorsos : nos culpamos por não ter estado à altura da situação, por ter quebrado a nossa palavra, por ter cometido um erro, ou até mesmo uma falha, com graves consequências… Se o nosso passado nos impede de viver em paz, de ser plenamente nós mesmos, é o sinal de que temos de perdoar a nós mesmos ou aos outros.

Para perdoar, deve se lembrar

O processo de perdão não consiste em negar a ferida, conservando-a o mais possível enterrada. Pelo contrário, o caminho do perdão é antes de tudo um caminho de verdade e, portanto, de descoberta. Para perdoar, é preciso começar por ter consciência de que se sentiu ofendido. Mas porquê trazer as feridas aparentemente esquecidas para a superfície? Porque enquanto não forem perdoadas, são como uma fonte de infecção que destila o seu veneno. Quantas feridas sofridas no passado perturbam as relações familiares, apesar de parecerem estar enterradas!

O perdão ajuda a memória a curar, pois permite que se estabeleça em paz. A memória da ofensa sofrida se torna um caminho de vida e bênção, ele que era um caminho de morte e maldição. O perdão é, verdadeiramente, ressurreição : a passagem da morte à vida. Jesus ressuscitado nos torna capazes de esta passagem. Ele que nos pediu que perdoássemos ‘setenta e sete vezes’, ou seja, infinitamente. Não tenhamos medo de pedir ao Espírito Santo para nos recordar todas as ofensas que temos de perdoar. Cristo ressuscitou com as suas cicatrizes, e nós guardamos em nós as cicatrizes da nossa história, mas já não são sinais de esmagamento, de condenação, mas se tornam sinais de cura e de salvação.’


Fonte :

terça-feira, 14 de maio de 2019

É possível amar um terrorista?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 O primeiro socorro às vítimas, após o atentado na igreja de São Sebastião, no Sri Lanka, no Domingo de Páscoa.
O primeiro socorro às vítimas,
após o atentado na igreja de São Sebastião, no Sri Lanka,
no Domingo de Páscoa. (ACN Portugal)

*Artigo da revista Sete Mares

‘É evidente que existem correntes anti-semitas um pouco por todo o lado, na linha duma malfadada tradição milenar, mas que foi agravada nas últimas décadas, em particular a partir do nazismo. Os judeus são, de fato, um povo especial, e a história mostra de forma recorrente que pagaram um preço elevado pela sua singularidade, com perseguições, expulsões e execuções em massa. Mas decerto que a animosidade contra os judeus se deve hoje, em grande parte, à atuação política do moderno estado de Israel, em particular na difícil convivência com os palestinos.

O islã também se pode queixar do passado. Sendo uma religião de vocação universalista, tal como o cristianismo – ao contrário do judaísmo –, ambas teriam que chocar entre si, inevitavelmente, com vista ao desígnio da sua expansão. Mas hoje a islamofobia cresceu exponencialmente pela mão da extrema-direita, dos nacionalismos e dos supremacistas brancos no mundo ocidental, em resultado dos populismos que se vão instalando paulatinamente e da problemática dos refugiados e migrantes.

Consta que em dez meses foram queimados onze templos cristãos em França. A verdade é que a investigação do Pew Research Center publicado em Julho de 2018 e referente à situação em 2016, ‘os cristãos são o grupo religioso com mais restrições em todo o mundo, em termos absolutos’. Nesse ano registaram-se restrições e assédio em 144 dos 198 países analisados. Só depois surgem os muçulmanos, que viram a sua atividade religiosa limitada e que foram alvo de assédio em 142 países.

Sendo o cristianismo a maior religião do mundo em termos de fiéis, não admira que sejam igualmente os mais perseguidos. Segundo Nelson Jones, autor do blog Heresy Corner, citado por Alexandre Martins, pela mesma lógica, seria de esperar que os muçulmanos fossem o segundo grupo mais perseguido. E de fato é isso que se depreende dos números do Pew Research Center : ‘O assédio aos membros dos dois maiores grupos religiosos – cristãos e muçulmanos – por governos e grupos sociais continua a ser generalizado em todo o mundo, e ambos foram alvo de um aumento do número de países que os assedia em 2016.’

Mas o terceiro grupo religioso mais perseguido em todo o mundo é o judaísmo, o que é estranho tendo em conta a sua reduzida expressão numérica. Julga-se que os judeus representem apenas 0,2% da população mundial, em comparação com 31% de cristãos e 24% de muçulmanos. Portanto, os judeus continuam a ser o grupo religioso mais perseguido, em termos relativos, dada a sua população.

O conjunto dos ataques perpetrados por bombistas suicidas cingaleses no Sri Lanka contra igrejas cristãs (católicas e protestante), assim como em hotéis, terão uma leitura mais política visando a indústria do turismo. O grupo extremista islâmico local Thawahid Jaman já era conhecido pela autoria de atos de vandalismo contra símbolos da maioria budista do país. Contudo, diga-se que muito do que é identificado como perseguição religiosa não é mais do que luta pelo poder, onde a religião funciona apenas como pretexto ou catalisador emocional.

Mas a resposta das comunidades cristãs locais é de paz e perdão. Segundo a revista americana Relevant, mesmo face a esta terrível tragédia, o pastor da Igreja de Zion (protestante), Roshan Mahesan, diz que perdoa os homens-bomba responsáveis pelos ataques do Domingo de Páscoa. Numa mensagem em vídeo, o pastor Roshan declarou : ‘Estamos feridos. Também estamos zangados, mas ainda assim, como pastor titular da Igreja de Sião Batticaloa, toda a congregação e toda a família afetada, dizemos ao homem-bomba, e também ao grupo que o enviou, que os amamos e perdoamos. Não importa o que tenham feito, nós amamo-vos porque cremos no Senhor Jesus Cristo’.

O deputado Abraham Sumanthiran resolveu fazer também uma importante declaração de fé : ‘Eu sou cristão e compartilho da tristeza da igreja cristã no Sri Lanka neste momento. Cremos em Jesus Cristo, que veio a este mundo, sofreu como nós e levou o pior do mal para si e foi crucificado injustamente. Mas ele derrotou todo o mal através do amor sacrificial, que é o que celebramos na Páscoa – o dia da ressurreição’.O sentimento é que, ainda que a população esteja em sofrimento, não quer entregar-se ao ódio e vingança. De igual modo, o padre Jude Fernando, que oficiava numa das igrejas atacadas, declarou : ‘Nós amamos a paz. Nós perdoamos. O nosso Deus é um Deus de paz, e não de vingança. Nós vos amamos e perdoamos’.

Este é o caminho.’


Fonte :

sábado, 2 de março de 2019

Relações humanizadas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 O amor e o perdão devem ser compromissos de todo cristão.
*Artigo do Padre Geovane Saraiva,
jornalista, colunista e pároco
de Santo Afonso de Fortaleza, CE



Fazer a diferença, na vivência do amor, a ponto de amar os inimigos, ‘sendo misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso’, é o chamado para o seguidor de Jesus de Nazaré. Ele é chamado a uma mentalidade cristã, porque foi, de verdade, iluminado pela luz do Evangelho, distinguindo-se pela caridade e pelo perdão, numa radical mudança de mentalidade, pensamento e sentimento.

A necessidade de amor mútuo e de reconciliação, por parte dos cristãos, para que a paz possa reinar, vemo-la nos sinais de esperança. Ela é real quando do amor pelos inimigos e da oração por aqueles que nos perseguem, na plena confiança em Deus, que, na sua misericórdia infinita, não só exige amor, mas nos assegura o genuíno amor, naquilo que é impossível, fazendo-o possível.

Jesus, que conhece o íntimo do coração das pessoas feridas pelo pecado, e também os estigmas de vingança, quer, apesar de tudo, revelar seu perdão, não como um dom reservado aos bons e santos, mas sim como um compromisso e um dever dos seus seguidores, evidentemente numa busca de profunda conversão, tendo como cerne a proposta desafiadora, no seu programa tão coerente quanto abrangente.

Nunca devemos prescindir da imagem do apóstolo Paulo : a do homem celestial (1 Cor 15, 49), com plena glória, mas com seu início nesta vida do aqui e agora. Que Deus nos convença, sempre mais, de que, pelo batismo, a criatura humana é vivificada na graça do Espírito Santo, que quer afastar o velho pecado de Adão, ao se manifestar e resplandecer nas ações humanas. Assim seja!’


Fonte :
  

sábado, 22 de abril de 2017

Três dons do Ressuscitado : o Espírito, o perdão, a missão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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II Domingo de Páscoa
Domingo da Divina Misericórdia
Ano A - Domingo 23.4.2017

Atos 2, 42-47
Salmo 117
1 Pedro 1, 3-9
João 20, 19-31

Reflexões

‘É significativa a cronologia que nos oferece o Evangelho de João sobre «aquele dia, o primeiro da semana» (v. 19), o dia mais importante da história. Porque naquele dia Cristo Ressuscitou. Aquele dia tinha iniciado com a ida de Maria Madalena ao sepulcro «logo de manhã ainda escuro» (Jo 20,1). No Evangelho de hoje, estamos na «tarde daquele dia… estando as portas fechadas… com medo dos judeus» (v. 19). A reconstituição de espaço e tempo, e também a psicológica, é completa. Iniciou enfim a história nova para a humanidade, no sinal de Cristo ressuscitado. Prescindir d’Ele seria uma perda de valores e um risco para a própria sobrevivência humana.

As portas fechadas e o medo são ultrapassados com a presença de Jesus, o Vivente, que por bem três vezes anuncia : «A paz esteja convosco!» (v. 19.21.26), provocando a alegria intensa dos discípulos «ao ver o Senhor» (v. 20). Paz e alegria encontram-se entre as características mais evidentes da primeira comunidade cristã (I leitura) : tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração e gozavam da simpatia de todo o povo (v. 46-47). Uma simpatia justificada, dada a solidez e a irradiação missionária daquele novo grupo que se alicerçava sobre quatro pilares (42) : ensino dos apóstolos, fração do pão, oração e koinonia (união fraterna, partilha de bens). Pedro (II leitura), por sua vez, exorta os fiéis a estar «cheios de alegria, embora seja preciso ainda… passar por diversas provações» (v. 6). A Páscoa de Jesus faz ultrapassar os medos do cristão e do missionário; a fé, que conduz ao encontro com Cristo ressuscitado, ajuda a ultrapassar também as dificuldades psicológicas, como a angústia, os receios, a depressão…

São três os principais dons que Cristo ressuscitado oferece à comunidade : o Espírito, o perdão dos pecados e a missão. O fruto maior da Páscoa é sem dúvida o dom do Espírito Santo, que Jesus sopra sobre os discípulos : «Recebei o Espírito Santo» (v. 22). Ele é o Espírito da criação redimida e renovada, que Jesus derrama no momento da morte na cruz (Jo 19, 30), como prelúdio do Pentecostes (Atos 2ss).

Para João o dom do Espírito está essencialmente relacionado com o dom da paz e, portanto, com o perdão dos pecados, como disse Jesus : «Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados» (v. 23). A paz verdadeira tem as suas raízes na purificação dos corações, na reconciliação com Deus, com os irmãos e com toda a criação. Esta reconciliação é obra do Espírito, porque «Ele é a remissão de todos os pecados» (veja-se a oração sobre as ofertas, na Missa do sábado antes do Pentecostes, e a nova fórmula da absolvição sacramental). Para o evangelista Lucas «a conversão e o perdão dos pecados» são a mensagem que os discípulos deverão anunciar «a todas as gentes» (Lc 24, 47). Com razão, portanto, o sacramento da reconciliação é um inestimável presente pascal de Jesus : é o sacramento da alegria cristã (Bernardo Häring).

Os dons do Ressuscitado são para anunciar e partilhar com toda a família humana; por isso Jesus naquela tarde, anuncia uma missão universal, que Ele confia aos apóstolos e aos seus sucessores : «Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós» (v. 21). São palavras que vinculam para sempre a missão da Igreja com a vida da Trindade, porque o Filho é o missionário enviado pelo Pai para salvar o mundo, por meio do amor. «Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós», são palavras para ser lidas em paralelo com estas outras : «Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei» (Jo 15, 9), estabelecendo uma ligação indivisível entre missão-amor, amor-missão. Com estas palavras permanece para sempre sancionado que a Missão universal nasce da Trindade (AG 1-6) e é dom-empenho pascal de Jesus ressuscitado.

Os três dons do Ressuscitado: o Espírito, a reconciliação e a missão, são vividos por nós na fé. Apesar de não vermos o Senhor, somos felizes (v. 29) se acreditarmos n’Ele e O amarmos. Estamos, portanto, gratos a Tomé (v. 25), que quis pôr a mão na ferida do Coração de Cristo, que «cubiculum est Ecclesiae», é o aposento íntimo/secreto da Igreja (Santo Ambrósio). Aquele Coração é o santuário da Divina Misericórdia, título e tesouro que neste domingo é celebrado com crescente devoção popular. (*) A misericórdia divina é, desde sempre, a mais vasta e consoladora revelação do mistério cristão : «A terra está cheia de miséria humana, mas repleta da misericórdia de Deus» (Santo Agostinho). Esta é a ‘boa-nova’ permanente, que a Missão leva à humanidade inteira.’


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segunda-feira, 10 de abril de 2017

Perdão e Semana Santa

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Artur da Távola,
advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político


Como é difícil perdoar!

Pouca gente, mesmo entre cristãos, compreende o sentido profundo do perdão. A maioria pensa que é forma de anistia do sentimento, ato interno capaz de compreender o ofensor e desculpá-lo no fundo do coração misericordioso. Este primeiro degrau do perdão já é difícil de ser galgado. E a propósito da Semana Santa, quero dizer o seguinte: O verdadeiro sentido da revolução cristã do perdão, porém, é outro, e bem mais radical: mais que ausência de ódio no coração do ofendido, o perdão é ação de amor na direção do ofensor. O cristianismo é tão revolucionário que exige do ser humano não apenas a grandeza de compreender e desculpar o ofensor, mas a capacidade de amá-lo. Perdoar é per+doar, isto é, ‘doar amor através (per) do ofensor’.


Perdoar é doar amor através do ofensor

Quem doa amor ao ofensor dá-lhe as condições profundas de contrição, compunção, compaixão e arrependimento, os quatro caminhos através dos quais o ser humano pode renascer de si mesmo e das trevas, trocando a morte pela vida. Por ser o gesto mais difícil e elevado, o perdão é a única forma de permitir ao ofensor a entrada de amor no seu coração. Qualquer forma de cobrança, punição e vingança aferra a crueldade do ofensor e, de certa forma, fá-lo sentir-se justificado.

A doação objetiva e concreta de amor poderá não ser eficaz, adiante, porém é a única forma através da qual o ofensor tem a chance de se arrepender sinceramente e reencontrar um caminho que lhe faz falta e é a única maneira de se redimir, crescer como pessoa, transformar-se.

Ser bom, fazer-se seguidor das religiões, sentir-se justo, fraterno, solidário, honesto, tudo isso - embora exija esforços - é relativamente fácil e em geral alimenta o ego. Difícil é perdoar o ofensor, não apenas desculpando-o, mas sendo capaz de o amar na integralidade do seu ser. Por isso, aliás, o cristianismo em essência encontra tanta dificuldade de se implantar entre os homens : exige a descoberta da grandeza humana, da virtude no sentido de exercício da única força capaz de mudar o mundo : o amor real. Não há revolução maior. Quem é capaz?’


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