*Artigo
de Christine Ponsard,
jornalista (1956 - 2004)
‘Há
muitas ofensas que não podem ser esquecidas. Não podemos pedir às vítimas de um
ataque ou aos pais cujo filho foi assassinado que esqueçam os danos que lhes
foram causados e os responsáveis por esses danos. É normal – e saudável – que
se lembrem do que viveram, ou até que reivindiquem o direito de não esquecerem
os acontecimentos de que foram vítimas. Em alguns casos, até falamos de ‘dever
de memória’. Quer isto dizer que há ofensas que não podem ser perdoadas?
Será que devemos
esquecer para conceder um perdão sincero?
Esquecer
a ofensa sofrida não depende de nós. Não podemos decidir apagar aquilo que
queremos quando queremos, todos nós temos essa experiência : há muitas lesões,
graves ou menores, que gostaríamos de esquecer e que, no entanto, permanecem na
nossa memória. E quando temos o verdadeiro desejo de perdoar a quem nos magoou,
esta incapacidade de esquecer nos confunde ou nos surpreende : ‘Se não
esqueci, é porque não perdoei realmente’. E então? Somos incapazes de
perdoar verdadeiramente, porque a nossa memória se recusa a olvidar?
‘A Ressurreição não é o esquecimento da Paixão’, disse um dia o Cardeal francês
Jean-Marie Lustiger. Da mesma forma, o perdão não é o esquecimento da ofensa.
Muitos acreditam que a memória da ofensa sofrida que volta à memória é um sinal
de que não perdoaram. Mas não é possível esquecer um acontecimento que nos
magoou. A lembrança é uma questão de memória, e o perdão é uma questão de
vontade profunda. Não é a mesma coisa.
O
que é verdade sobre o perdão aos outros também é verdade sobre o perdão que nós
devemos a nós mesmos. Não sempre pensamos que é sobretudo a si mesmo que se
deve perdoar. Acontece com demasiada frequência que nos preocupamos com
remorsos : nos culpamos por não ter estado à altura da situação, por ter
quebrado a nossa palavra, por ter cometido um erro, ou até mesmo uma falha, com
graves consequências… Se o nosso passado nos impede de viver em paz, de ser
plenamente nós mesmos, é o sinal de que temos de perdoar a nós mesmos ou aos
outros.
Para perdoar, deve se
lembrar
O
processo de perdão não consiste em negar a ferida, conservando-a o mais
possível enterrada. Pelo contrário, o caminho do perdão é antes de tudo um
caminho de verdade e, portanto, de descoberta. Para perdoar, é preciso começar
por ter consciência de que se sentiu ofendido. Mas porquê trazer as feridas
aparentemente esquecidas para a superfície? Porque enquanto não forem
perdoadas, são como uma fonte de infecção que destila o seu veneno. Quantas
feridas sofridas no passado perturbam as relações familiares, apesar de
parecerem estar enterradas!
O
perdão ajuda a memória a curar, pois permite que se estabeleça em paz. A
memória da ofensa sofrida se torna um caminho de vida e bênção, ele que era um
caminho de morte e maldição. O perdão é, verdadeiramente, ressurreição : a
passagem da morte à vida. Jesus ressuscitado nos torna capazes de esta
passagem. Ele que nos pediu que perdoássemos ‘setenta e sete vezes’, ou
seja, infinitamente. Não tenhamos medo de pedir ao Espírito Santo para nos
recordar todas as ofensas que temos de perdoar. Cristo ressuscitou com as suas
cicatrizes, e nós guardamos em nós as cicatrizes da nossa história, mas já não
são sinais de esmagamento, de condenação, mas se tornam sinais de cura e de
salvação.’
Fonte
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