*Artigo
de Marta Arrais,
cronista
‘O
barulho está na moda. Estão na moda os arraiais, as festas e todos os convívios
que impliquem ruído em excesso. Refugiamo-nos em ambientes onde o volume pode
ser ampliado para o máximo. De preferência, ampliado a ponto de não
conseguirmos ouvir os que estão conosco. O barulho faz-nos esquecer do que nos
preocupa e do que nos consome os dias. Faz-nos ouvir uma voz que não é a nossa
e que não mora dentro de nós. Assim é fácil. O som distrai-nos. Abstrai-nos e
deixa-nos ilusoriamente felizes. Durante o tempo em que não nos ouvimos, não
precisamos de pensar, de lidar com assuntos mais ou menos difíceis.
O
silêncio não está na moda o suficiente. Se estamos calados, haverá sempre quem
pergunte se nos dói alguma coisa ou se há alguma nuvem a toldar-nos o pensamento.
Se não dizemos nada, é porque amuámos. Porque estamos tristes. Porque estamos
zangados. Porque estamos num dia não. O que não podemos é
estar calados por estar.
Acaba
por ser estranha e curiosa a forma como aceitamos o ruído que nos deixa surdos
e rejeitamos e estranhamos o silêncio.
Carros.
Buzinas. Música alta. Guitarras. Mensagens que caem no telefone. Notificações.
Gente que fala do lado de lá da televisão sem dizer nada. Motores. Travagens.
Obras. Máquinas. Bebés que choram na rua. Crianças que fazem birras demasiado
audíveis. Portas que fecham. E que se abrem.
Falta-nos
sossegar. Encontrar forma de querer tanto fazer silêncio como quem quer ir a um
concerto, a um espetáculo ou a um arraial.
Falta-nos
fazer marcha atrás. Dizer aos outros que estamos calados porque o barulho nos
faz ficar velhos mais depressa e nos deixa mais apressados do que devia.
Falta-nos
sentar num sofá, numa cadeira ou num banco como quem poisa. Como quem chegou
onde devia ter chegado. O descanso também é um lugar e nunca lá está ninguém.
Falta-nos
falar menos. Dizer menos sobre o que não sabemos.
Falta-nos
olhar como quem diz coisas.
Falta-nos
reparar como quem ama as coisas que vê e que, de alguma forma, também são suas.
Se
o descanso é um lugar e nunca está lá ninguém, que tal irmos juntos e fazes-me
companhia?’
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:
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