Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Bento
XVI não foi o primeiro papa da história da Igreja Católica a renunciar, mas
abriu um precedente: foi o único a atribuir para si o título de papa emérito.
Tanto que, até hoje, muitos canonistas pedem, à medida que a idade do Papa
Francisco avança, que a questão seja revista o quanto antes.
O
próprio pontífice argentino admitiu, em entrevista à rede de televisão mexicana
Televisa Univision, publicada recentemente, que ‘convém delimitar melhor as
coisas e explicá-las melhor’, ao se referir à instituição do papado emérito.
E ao ser questionado sobre uma eventual renúncia, ressaltou que, caso ela
ocorresse, preferiria ser chamado de ‘bispo emérito de Roma’, cogitando,
inclusive, transferir-se para a basílica de São João de Latrão, que é a
catedral da cidade.
A
questão parece simples, mas poderia causar um imbróglio institucional enorme na
ausência de uma regulamentação. A presença de dois papas eméritos e um reinante
seria, certamente, um cenário difícil de gerir. Basta olharmos para a realidade
: os sedevacantistas, que instrumentalizam o pensamento de Bento XVI, chegam a
afirmar que seria legítimo Ratzinger ‘reivindicar a retomada do trono’.
Estamos
diante de dois modelos eclesiológicos. É fato.
Não
tem como dissociar o papa emérito da teologia que reforçou o status quo da
igreja de Roma a partir da década de 1970, bem como deixar de considerar que
Francisco é o arauto da sinodalidade auspiciada pelo Vaticano II. Se
acrescentássemos um terceiro elemento a essa conta, essa tripolarização
certamente não seria nada saudável.
Se,
hipoteticamente Francisco renunciasse, haveria, sem dúvida, a tentativa de
colocar no páreo um papa reformador versus alguém que, talvez, priorizará
outras questões em seu pontificado. Cabe ao papa decidir.
Muito
embora o sumo pontífice seja um bispo, com a mesma dignidade dos demais membros
do colégio episcopal, é um primus inter pares, dotado de um título que o
converte em autoridade máxima da Igreja Católica.
Caso
a formalização ocorra, o próximo papa que for recorrer ao artigo 332 do Código
de Direito Canônico (inciso 2), que prevê o direito à renúncia do ofício de
Romano Pontífice, saberá exatamente qual será o seu status pós-demissão. Bispo
emérito de Roma? Papa emérito? Um novo título? É justamente isso que, por
enquanto, não está especificado em lei.
O
sumo pontífice ainda é um monarca que está à frente de um Estado absolutista e
teocrático, ainda que a atual configuração do Estado do Vaticano, de 1929,
difira do antigo Estado Pontifício, que caiu em 1870.
É
por isso que, ao longo dos séculos, a ideia de que o governo papal cessa
somente quando o seu soberano morre se consolidou, mantendo-se no imaginário
coletivo o conceito do papa-rei. E no regime monárquico, como sabemos, o rei só
deixa de ser rei quando morre ou abdica do trono.
Sem
contar que, em era moderna, os papados longos de Leão XIII e Pio IX (que
governou por 31 anos e ainda promulgou o dogma da infalibilidade), somado à
atitude heroica de João Paulo II de continuar exercendo a função mesmo enfermo
contribuíram para legitimar, de uma vez por todas, a tendência de associar o
papado à invencibilidade.
Porém,
apesar de alguns fiéis se sentirem desconfortáveis com a ‘aposentadoria’
de um papa, a Igreja Católica reflete sobre as causas legítimas da renúncia
pontifícia desde o século XII.
Giovanni
Bassiano, um renomado jurista de Bologna, que viveu naquele período, elencou
duas justificativas para a demissão : caso o pontífice resolvesse se dedicar à
vida contemplativa ou em caso de doença grave. Bento XVI, portanto, se valeu
desses dois requisitos indispensáveis, como bom conhecedor da tradição canônica
da instituição.
Gregorio
IX, no século XIII, não só concordou com Baziano como chancelou isso em decreto
(Liber Extra), acrescentando que o pontífice também poderia renunciar caso
incorresse em escândalo, fosse diagnosticado com problemas mentais ou se
sentisse incapaz intelectualmente de exercer o cargo.
Papa
Celestino V, que renunciou em 1294 após 5 meses de papado, estava a par desse
debate, uma vez que antes de formalizar a decisão se consultou com um dos
maiores canonistas da época : Benedetto Caetani, que mais à frente o sucederia,
assumindo o nome de Bonifácio VIII. Celestino V, além de alegar que era inapto
para a função, também manifestou o desejo de voltar à vida monástica.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1584742/2022/07/francisco-e-a-formalizacao-do-papado-emerito/
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