Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
teólogo protestante
‘É
muito comum no meio cristão as ideias de que se faz necessário ‘defender a
verdade’ como se ela fosse certo tipo de discurso pronto e que somente as
pessoas cristãs estariam de posse dela.
Ao
mesmo tempo, constantemente, tem-se o medo de que determinadas ‘forças do
mal’ estejam lutando contra essa única verdade (que, para tais pessoas, é
justamente a do discurso cristão), sendo necessário, portanto, defender ‘com
unhas e dentes’ a fé cristã, mesmo que para isso tenha que se ter atitudes
não cristãs.
Com
isso em mente, é possível perceber que a pretensão da verdade absoluta e o medo
são temas que assombram o cristianismo durante muito tempo e, infelizmente,
eles têm voltado com força em nossa sociedade brasileira com o discurso dos ‘cidadãos
de bem’, contrários, obrigatoriamente aos ‘cidadãos do mal’.
Os
cidadãos de bem, curiosamente, dizem-se como porta-vozes da verdadeira
religião, da que possui uma verdade maior do que as outras e, por este motivo,
legitimada a perseguir e destruir as religiões que não compartilham dos mesmos
referenciais teóricos que ela, por medo de que tais religiões ou formas de
pensamento possam, de alguma maneira, acabar com os valores cristãos da
sociedade brasileira.
De
alguma forma, podemos dizer que a pretensão da verdade absoluta gera o medo com
relação a tudo aquilo que pode, assim, ameaçar a esta pretensa verdade
absoluta, o que por si só já revela o próprio paradoxo de uma religião que é
baseada nessa pretensão e no próprio medo. A verdade que deveria afastar o medo
é a que o cria e luta contra esse mesmo medo que ela levantou.
Que
isto esteja longe de um cristianismo que segue o exemplo de Jesus Cristo
deveria parecer claro para todo leitor e toda leitora do texto bíblico. Ao
mesmo tempo, deveria ser claro que a proposta cristã nunca foi a da violência,
mas, muito pelo contrário, o da tolerância e da compreensão para com os
pensamentos que são divergentes.
O
caso dos dois discípulos que quiseram fazer parar alguém que expulsava demônios
em nome de Cristo e não andava com eles deixa muito clara qual a postura de
Jesus, ou seja, a de deixar ir, ‘porque não há ninguém que faça o bem em meu
nome e depois possa falar mal de mim’. O Cristianismo é chamado à
tolerância justamente porque Deus é tolerante para conosco.
Diante
disso, porém, pode surgir uma pergunta : devemos, todavia, tolerar tudo, até
mesmo o intolerante? A resposta a essas duas perguntas, claramente é não. Uma
das boas explicações para isso foi desenvolvida por Karl Popper, sendo
conhecido como o paradoxo do tolerante.
Em
seu argumento, Popper afirma que não devemos tolerar os intolerantes, porque
tolerá-los implica dar a eles a oportunidade de assumir o poder e, uma vez
assumindo o poder, esses intolerantes destruirão todos os tolerantes, acabando
assim, com a própria tolerância. Desta forma, não se deve tolerar os
intolerantes de maneira alguma.
Nas
palavras de Popper :
‘Menos
conhecido é o paradoxo da tolerância : tolerância ilimitada leva ao
desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo
para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a
sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes
serão destruídos, e a tolerância junto destes’.
Pensar
a tolerância, o medo e a pretensão de verdade absoluta é tarefa urgente para o
cristianismo contemporâneo que inúmeras vezes continua a viver em um infinito
looping de geração de medo devido à pretensão de verdade absoluta e a luta
contra este medo com as armas da intolerância.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1584531/2022/07/um-dos-paradoxos-para-a-fe-crista/
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