terça-feira, 26 de julho de 2022

A amizade como apoio espiritual

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Francisco Thallys Rodrigues


‘‘Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar!’ assim se expressava, em 1974, o cantor Roberto Carlos em uma de suas canções, ouvida até os nossos dias. A música expressava os desejos, sonhos e anseios de toda uma geração. Entretanto, para além do objetivo da própria música, pode-se pensar que esta frase expressa uma realidade cada vez mais presente em nosso meio a partir do uso das redes sociais, pois elas estabelecem conexões rápidas e frequentes que se multiplicam em demasia. É possível ter milhões de seguidores ou até alguns milhares de contatos a depender de qual rede social se utiliza. As questões que emergem desta situação são : qual o impacto deste tipo de relação na tessitura de uma verdadeira amizade? Diante dos problemas e desafios da vida, quem te apoiará? Oferecerá um ombro amigo? Existe mesmo a possibilidade de uma amizade como apoio espiritual?

A palavra amizade tem sido utilizada cada vez com mais frequência para indicar um nível de relações e contatos mais amplos e superficiais. Constata-se o crescimento de relações de amizade mais fragilizadas, efêmeras, marcas pela volatilidade e ausência de profundidade. Isso confirma o diagnóstico de Baumann de que vivemos numa sociedade líquida no qual as relações apresentam-se como frágeis, sem maiores comprometimentos ao longo do tempo. Entre as consequências desta situação, percebe-se a crise na qual estão mergulhados um número sempre maior de pessoas, seja na depressão, na ansiedade ou mesmo na incapacidade de engajamento em causas sociais, religiosas e humanitárias. As amizades esvaziam-se de sentido e perdem importância dentro desta sociedade marcada pelo paradigma da técnica, do sucesso e do domínio do capital. As amizades interessam na medida em que possibilitam ‘ganhos’ para alcançar os objetivos profissionais almejados.

Contudo, quando se olha de modo mais atento para o sentido mais profundo da amizade, nota-se que ela exige profundidade, comprometimento e compaixão. A amizade verdadeira expressa-se na capacidade de amor e cuidado que devem marcar a vida humana. Ela não pode florescer onde não há verdadeira liberdade, pois exige gratuidade na entrega e no amor que a marcam. Supõe partilha da vida em todos os momentos, sejam aqueles que nos alegram com uma conquista, uma vitória, bem como os momentos de dificuldades e de derrotas, tornando-se um ponto de apoio no enfrentamento as tempestades que são próprias da vida. Já diz a sabedoria de Israel ‘Um amigo fiel é uma poderosa proteção : quem o achou, descobriu um tesouro’ (Ecl 6,14).

O desafio de nosso tempo está em estabelecer amizades que perdurem, sejam constantes, mesmo em meio aos desafios e aos problemas que atravessamos. Quando olhamos para as Escrituras, encontramos diferentes homens e mulheres que viveram amizades profundas tornando-se suportes mútuos nas aflições e necessidades. Recordamos aqui a amizade entre Rute e sua sogra Noemi, no qual Rute não a abandona mesmo numa situação desfavorável de ausência de proteção (Rt 1,16). Lembramos da alegria de partilhar o dom da vida e das esperanças para o povo de Israel que marcaram a vida das primas Maria e Isabel (Lc 1,39-47) ou mesmo a presença de Jesus junto as suas amigas as irmãs Marta e Maria quando perdem seu irmão Lázaro (Jo 11,1-46). Não podemos esquecer dos inúmeros amigos e amigas que Paulo cativou durante o seu ministério como missionário itinerante. As cartas revelam o cuidado, apoio e partilha de vida, de e de sofrimento que marcaram estas relações.

Quando se partilha a vida e a fé nenhum caminho se torna longo ou pesado demais pois se aprende a superar os desafios e percalços da vida. Trazemos presente o testemunho de santos e santas que partilharam a vida e a fé numa amizade que nos legou grandes frutos para espiritualidade e vida cristãs como é o caso de São Francisco de Assis e Santa Clara ou mesmo de Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz. A verdadeira amizade pode tornar-se fonte de conversão para a vivência do Evangelho, Marie de Bondy teve papel fundamental na aproximação de São Charles de Foucauld à Igreja. Há casos em que o apoio mútuo alcança a radicalidade do sangue derramado tal como ocorreu com São Oscar Romero e Ignacio Ellacuría, martirizados em El Salvador.

Em tempos de fragilidades nas relações, existe a possibilidade de cultivarmos amizades que perdurem no tempo e no espaço. Amizades que nos tornem mais solidários, fraternos e justos, capazes de tornar o mundo mais humano por meio do evangelho. A amizade permite sonhar juntos, apoiar-se mutuamente, acreditar e viver a boa nova de Jesus. O testemunho alegre e corajoso de um amigo pode não somente ser um passo importante para o despertar da fé, mas um grande suporte nos momentos de dificuldade e aflição’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1584658/2022/07/a-amizade-como-apoio-espiritual/

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