Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Padre Francisco Thallys Rodrigues
‘‘Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte
poder cantar!’ assim se expressava, em 1974, o cantor Roberto Carlos em uma
de suas canções, ouvida até os nossos dias. A música expressava os desejos,
sonhos e anseios de toda uma geração. Entretanto, para além do objetivo da
própria música, pode-se pensar que esta frase expressa uma realidade cada vez
mais presente em nosso meio a partir do uso das redes sociais, pois elas
estabelecem conexões rápidas e frequentes que se multiplicam em demasia. É
possível ter milhões de seguidores ou até alguns milhares de contatos a
depender de qual rede social se utiliza. As questões que emergem desta situação
são : qual o impacto deste tipo de relação na tessitura de uma verdadeira
amizade? Diante dos problemas e desafios da vida, quem te apoiará? Oferecerá um
ombro amigo? Existe mesmo a possibilidade de uma amizade como apoio espiritual?
A palavra amizade tem sido utilizada cada vez com mais
frequência para indicar um nível de relações e contatos mais amplos e
superficiais. Constata-se o crescimento de relações de amizade mais
fragilizadas, efêmeras, marcas pela volatilidade e ausência de profundidade.
Isso confirma o diagnóstico de Baumann de que vivemos numa sociedade líquida no
qual as relações apresentam-se como frágeis, sem maiores comprometimentos ao
longo do tempo. Entre as consequências desta situação, percebe-se a crise na
qual estão mergulhados um número sempre maior de pessoas, seja na depressão, na
ansiedade ou mesmo na incapacidade de engajamento em causas sociais, religiosas
e humanitárias. As amizades esvaziam-se de sentido e perdem importância dentro
desta sociedade marcada pelo paradigma da técnica, do sucesso e do domínio do
capital. As amizades interessam na medida em que possibilitam ‘ganhos’
para alcançar os objetivos profissionais almejados.
Contudo, quando se olha de modo mais atento para o
sentido mais profundo da amizade, nota-se que ela exige profundidade,
comprometimento e compaixão. A amizade verdadeira expressa-se na capacidade de
amor e cuidado que devem marcar a vida humana. Ela não pode florescer onde não
há verdadeira liberdade, pois exige gratuidade na entrega e no amor que a
marcam. Supõe partilha da vida em todos os momentos, sejam aqueles que nos
alegram com uma conquista, uma vitória, bem como os momentos de dificuldades e
de derrotas, tornando-se um ponto de apoio no enfrentamento as tempestades que
são próprias da vida. Já diz a sabedoria de Israel ‘Um amigo fiel é uma
poderosa proteção : quem o achou, descobriu um tesouro’ (Ecl 6,14).
O desafio de nosso tempo está em estabelecer amizades
que perdurem, sejam constantes, mesmo em meio aos desafios e aos problemas que
atravessamos. Quando olhamos para as Escrituras, encontramos diferentes homens
e mulheres que viveram amizades profundas tornando-se suportes mútuos nas
aflições e necessidades. Recordamos aqui a amizade entre Rute e sua sogra
Noemi, no qual Rute não a abandona mesmo numa situação desfavorável de ausência
de proteção (Rt 1,16). Lembramos da alegria de partilhar o dom da vida e das
esperanças para o povo de Israel que marcaram a vida das primas Maria e Isabel
(Lc 1,39-47) ou mesmo a presença de Jesus junto as suas amigas as irmãs Marta e
Maria quando perdem seu irmão Lázaro (Jo 11,1-46). Não podemos esquecer dos
inúmeros amigos e amigas que Paulo cativou durante o seu ministério como
missionário itinerante. As cartas revelam o cuidado, apoio e partilha de vida,
de e de sofrimento que marcaram estas relações.
Quando se partilha a vida e a fé nenhum caminho se
torna longo ou pesado demais pois se aprende a superar os desafios e percalços
da vida. Trazemos presente o testemunho de santos e santas que partilharam a
vida e a fé numa amizade que nos legou grandes frutos para espiritualidade e
vida cristãs como é o caso de São Francisco de Assis e Santa Clara ou mesmo de
Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz. A verdadeira amizade pode tornar-se
fonte de conversão para a vivência do Evangelho, Marie de Bondy teve papel
fundamental na aproximação de São Charles de Foucauld à Igreja. Há casos em que
o apoio mútuo alcança a radicalidade do sangue derramado tal como ocorreu com
São Oscar Romero e Ignacio Ellacuría, martirizados em El Salvador.
Em tempos de fragilidades nas relações, existe a
possibilidade de cultivarmos amizades que perdurem no tempo e no espaço.
Amizades que nos tornem mais solidários, fraternos e justos, capazes de tornar
o mundo mais humano por meio do evangelho. A amizade permite sonhar juntos,
apoiar-se mutuamente, acreditar e viver a boa nova de Jesus. O testemunho
alegre e corajoso de um amigo pode não somente ser um passo importante para o
despertar da fé, mas um grande suporte nos momentos de dificuldade e aflição’.
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1584658/2022/07/a-amizade-como-apoio-espiritual/
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