Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de
Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘O
tema da justiça já é discutido há muitos séculos. São conhecidos os grandes
textos dos filósofos gregos que tratam sobre essa temática, bem como toda uma
discussão trazida pelo próprio texto bíblico, seja no Antigo Testamento, seja
no Novo Testamento.
Algo
que se mostra característico nos textos do Antigo Testamento é a íntima ligação
que havia entre a justiça e a misericórdia, de maneira que ambas deveriam ser
pensadas juntas, jamais separadas. Ser justo, nesse sentido, como nos mostra
Arminio Vaz em seu artigo2, envolve uma ação concreta, direcionada ao próximo,
visando o seu bem, o que claramente está para muito além de um mero cumprimento
de preceitos legais.
Essa
justiça, claramente, não é algo que somente se fala sobre, antes, algo que se
pratica. Os Salmos, como nos mostra Armindo Vaz no mesmo artigo citado acima, ‘sobressai
em toda Bíblia hebraica pela frequência com que relaciona a justiça com os
pobres (139 vezes), além da ideia de ordem a justiça, contém geralmente um
aspecto dinâmico : indica uma ação que se conforma à ordem estabelecida, seja
dando ao outro o que lhe corresponde, seja restaurando-o na sua devida
dignidade. Neste sentido, a justiça não estava já feita : era realizada por ação
divina e por comportamento humano’.
Novamente,
o que se ressalta não é uma justiça condenatória e que contabiliza erros e
acertos, antes uma justiça que demanda mudanças sociais concretas, que visam o
bem de todas as pessoas, principalmente dos pobres.
Quando
passamos para o Novo Testamento, é muito conhecido o texto de Paulo que fala
que ‘aquele que não cometeu pecado, Deus o fez pecado por nós para que nele
fôssemos feitos justiça de Deus’ (2 Coríntios 5:21), o que por si só já
deveria nos dar uma ideia de que o que Paulo coloca aqui vai na contramão da
ideia de que a justiça se dá a partir da antiga lei de Talião (quem matou deve
morrer, quem feriu deve ser ferido etc.).
Muito
pelo contrário, em paralelo àquilo que o Antigo Testamento fala sobre a justiça
(sempre importante nos lembrarmos de que Paulo é um judeu e, portanto, mesmo
escrevendo em grego, muito possivelmente pensa com as categorias judaicas de
sua criação), Deus, em Cristo, revela sua misericórdia salvadora, de maneira
que a partir da morte e ressurreição de Cristo, tendo-nos encontrado com Ele, passamos
a ser também agentes da misericórdia de Deus no mundo. Se em Cristo fomos
feitos justiça de Deus e se a justiça pressupõe a misericórdia, a salvação e o
bem ativo na direção do próximo, então somos convidados e convidadas a nos
tornarmos pessoas que tenham esse tipo de atitude no mundo em que vivemos.
Hoje
em dia é muito comum vermos pessoas que se dizem cristãs querendo
projetar o conceito de justiça humana para Deus. Em outras palavras,
acha-se um absurdo que pecadores e pecadoras sejam salvos pela graça, sem
precisar ‘pagar’ nada por isso. Querem, contudo que essas pessoas
sofram, vejam o quão ‘estreito’ é caminho que conduz à salvação, numa
leitura totalmente fora daquela anunciada por Jesus.
Afinal,
a justiça de Deus não é a justiça humana. A justiça divina, como compreendida
no texto bíblico, é uma que salva, transforma, liberta, age com misericórdia,
resgata da morte, restaura a dignidade, chama para o Reino de paz. Ou seja, é
sempre uma justiça amorosa, não punitiva. Afinal, se afirmamos que Deus é amor,
então não existe ‘Deus é amor, mas é justo’. Se compreendermos o que o
texto bíblico afirma a respeito da justiça, então não deveríamos ter
dificuldades em assumir que Deus é justo porque ama e ama porque é justo,
estando os dois conceitos de amor e justiça intimamente conectados.
Mas
dizer isso não implica desistir de requerer de Deus uma justiça como nós
achamos que ela deve ser, o que para muitas pessoas que se dizem cristãs hoje
pode ser um tremendo choque? Não se rompe, assim, com todo um ranking já criado
de ‘justos’ e ‘injustos’, ‘dignos’ e ‘indignos’ da
salvação?
Ora, é isso mesmo.
Bem-vindo
e bem-vinda à maravilhosa e chocante graça de Deus’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1583311/2022/07/a-justica-de-deus-algo-inaceitavel-para-muitas-pessoas/
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