Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘O
dom sagrado de viver é também tarefa, regida por lógicas que definem o
cotidiano de cada pessoa, a vida comunitária, institucional, familiar e
religiosa. As lógicas indispensáveis para alicerçar a vida incluem aquelas que
se relacionam aos processos de conscientização social e política. Quando são
considerados os ataques à democracia percebe-se que há carência de compreensão
sobre o exercício da cidadania. E os estreitamentos de mentalidades precisam de
oportunos tratamentos, por processos de formação capazes de construir novos
entendimentos, distantes das polarizações que fanatizam, desdobrando-se em
violência, criando um clima de insegurança e de medo. Sem lúcidos e
qualificados processos de conscientização sociopolítica corre-se o risco de não
ser priorizado o bem comum. Dentre as consequências está a falta de atenção a
relevantes campos, a exemplo da salvaguarda do meio ambiente, com novas lógicas
no tratamento da casa comum, e a superação dos vergonhosos cenários de
desigualdade social.
Sem
adequados processos de conscientização sociopolítica, corre-se sempre o risco
de considerar o dinheiro mais importante em relação aos princípios, às
perspectivas humanistas ou às soluções vigorosas para a superação da miséria e
da exclusão social. O sentido de cidadania precisa contar com investimentos
permanentes e consistentes em processos de conscientização social e política.
Na contramão desses investimentos, o que se vê é uma estreita compreensão a
respeito da cultura, por não se reconhecer que valores e princípios definem
projetos e a própria sociedade. Consequentemente são acentuados, dolorosamente,
os preconceitos e as crescentes discriminações que impõem pesos e perdas, até
irreparáveis, impossibilitando a contribuição indispensável de cada cidadão nos
processos de desenvolvimento integral, que permitem o crescimento de todos.
Há
de se prestar atenção ao recrudescimento assombroso de discriminações e
preconceitos, revelando a carência de processos educativos que favoreçam o
reconhecimento do nobre sentido da convivência humana e da construção da
sociedade, sobre os alicerces da fraternidade universal e da igualdade entre as
pessoas. Providências urgentes devem ser adotadas para que sejam respeitados os
padrões e as dinâmicas que garantam a civilidade. Ante essas necessidades,
atenção redobrada deve ser dedicada ao atual contexto eleitoral. A
responsabilidade cidadã exige qualificação de discursos eleitorais,
especialmente quando são consideradas as facilidades tecnológicas no campo da
comunicação. A apropriação de redes sociais como instrumento de desinformação,
disseminando notícias falsas para manipular a opinião pública em favor de um
determinado projeto político, representa sério risco para a sociedade.
Percebe-se,
quando são considerados os muitos problemas no exercício da cidadania, a
acentuada carência social de uma formação humana que sustente adequada
consciência sociopolítica. Uma realidade preocupante, que pode ser revertida
com a vivência da espiritualidade – isto é, a adoção de uma via mística. Uma via
longe, muito longe, dos interesses político-eleitorais de certos segmentos e
grupos religiosos que simplesmente almejam conquistar adesões a projetos de
poder. Investir na espiritualidade é remédio para curar desequilíbrios,
alimento para qualificar o sentido da vida e cultivar no coração humano
sentimentos que promovam um discurso sapiencial - aquele que promove a verdade
e a defesa do bem. A espiritualidade possibilita uma sabedoria capaz de
reconhecer a beleza e o sentido de cada pessoa, inclusive aquela com quem se
diverge - todos irmãos e irmãs.
A
espiritualidade - experiência de crer no transcendente e, de modo coerente com
a fé, buscar constantemente o amadurecimento - possibilita superar
descompassos, acertar rumos. Assim, oportuno é acolher o que ensina a preciosa
narrativa dos chamados ‘Padres do Deserto’ : ‘Um irmão perguntou a um ancião :
como poderei encontrar Deus? Será pelos jejuns, trabalhos, vigílias ou obras de
misericórdia? O ancião respondeu : em tudo o que dizes... especialmente pela
humildade’. É hora de mais humildade, para alicerçar a vida no horizonte
da espiritualidade.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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