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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Arquitetar um mundo aberto

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


‘Arquitetar um ‘mundo aberto’ é tarefa missionária, abrangente, que pede o envolvimento de todos os cidadãos, para dissipar as sombras de um ‘mundo fechado’. A expressão ‘As sombras de um mundo fechado’ é titulação do primeiro capítulo da Carta Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, chamando atenção para algumas tendências atuais que dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal. Mesmo com avanços e conquistas científicas, há sinais claros de regressão na história da humanidade contemporânea. O Papa Francisco focaliza o reacender de conflitos originados de nacionalismos fechados, ressentidos e agressivos. O sentido social, na contramão dos avanços tecnológicos e científicos, está contaminado por ideologias, egoísmos e atitudes perversas. É preciso investir na qualificação da cidadania : tarefa de cada pessoa, que precisa ter como meta o bem, a justiça e a solidariedade. E o bem, a justiça e a solidariedade não são alcançados ‘de uma vez para sempre’, conforme alerta o Santo Padre. Precisam ser conquistados diariamente, o que exige o esforço incansável e permanente de todas as gerações.

O ponto de partida será sempre o compromisso de cada pessoa cultivar o ‘coração da paz’. Exercício que exige a adequada compreensão a respeito da paz - que é, ao mesmo tempo, dom e missão. Dom que vem de Deus, mas também missão, pois a paz precisa ser cultivada nas relações - entre pessoas, nações, grupos, instituições e segmentos que formam uma civilização. Quando se reconhece que a paz é, acima de tudo, uma dádiva divina, percebe-se grande incoerência naqueles que justificam ações na contramão da paz sob o pretexto de que o fazem ‘em nome de Deus’. Não é possível professar a fé em Deus com ações perversas, que afrontam a dignidade humana, trazendo desordem sociopolítica. Há, pois, uma lógica moral que é inegociável e não pode ser desrespeitada. É justamente essa lógica que pode iluminar a convivência humana, tornando possível o diálogo entre pessoas e povos.

A Doutrina Social da Igreja aponta para a importância de uma gramática transcendente, em referência ao conjunto de regras que precisam balizar a ação individual e o relacionamento entre as pessoas, favorecendo o exercício da solidariedade e a promoção da justiça. Inscreve-se no coração humano uma dimensão sagrada e divina que não pode ser ignorada sob pena de embrutecimento, da perda de racionalidade. Sem dedicar devida atenção a essa dimensão sagrada e divina, tornam-se cada vez mais banalizadas as indiferenças terríveis e comprometedoras, não se reconhece o sentido de pertencimento a uma nação, a um povo, cultura e sociedade. Consequentemente, não se efetiva a arquitetura de um ‘mundo aberto’, pois o ser humano se distancia do mistério do amor de Deus.

A dimensão divina e sagrada que se inscreve no coração humano, uma lei natural, seja base indispensável para o diálogo entre pessoas que se vinculam a diferentes religiões, também entre estas e os não crentes, respeitando ainda a laicidade na organização social e política. Somente se avança na arquitetura da paz por meio da busca pelo encontro dialogal, que, para se efetivar, exige respeito à dignidade de cada ser humano - em cada pessoa se reflete a imagem de Deus-criador. Por isso mesmo, a Igreja Católica sempre defendeu os direitos fundamentais, colocando-se, lealmente, em debate com aqueles que detêm maior poder político, econômico ou tecnológico, mas violam os direitos dos outros, especialmente dos pobres.

Inegociável na arquitetura de um ‘mundo aberto’ é defender, incondicionalmente, o direito à vida, especialmente aquelas ameaçadas por conflitos armados, terrorismos, violências, aborto, fome e por muitas outras situações que geram vítimas. A tarefa de vencer as sombras de um ‘mundo fechado’ inclui investir no entendimento de que a humanidade é uma família, comunidade onde deve prevalecer a paz. Neste horizonte, a Doutrina Social da Igreja Católica lembra : a família natural, enquanto comunhão íntima de vida e amor fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher, é o lugar primário da humanização, da pessoa e da sociedade. Uma vida familiar saudável é escola de elementos fundamentais para fortalecer a paz. Importa fortalecer e qualificar a vida em família, para não ocorrer a debilitação da paz na comunidade humana. Buscar a paz é caminho para superar um ‘mundo fechado’ em suas sombras, com atrasos e perdas muito sérias. A poesia da construção de um ‘mundo aberto’ precisa, urgentemente, e de modo contagiante, de cidadãos e cidadãs assumindo a condição de arquitetos da paz para edificar uma civilização alicerçada na justiça e no amor.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/artigos/?id=10086

domingo, 24 de julho de 2022

Alicerçar a vida

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


‘O dom sagrado de viver é também tarefa, regida por lógicas que definem o cotidiano de cada pessoa, a vida comunitária, institucional, familiar e religiosa. As lógicas indispensáveis para alicerçar a vida incluem aquelas que se relacionam aos processos de conscientização social e política. Quando são considerados os ataques à democracia percebe-se que há carência de compreensão sobre o exercício da cidadania. E os estreitamentos de mentalidades precisam de oportunos tratamentos, por processos de formação capazes de construir novos entendimentos, distantes das polarizações que fanatizam, desdobrando-se em violência, criando um clima de insegurança e de medo. Sem lúcidos e qualificados processos de conscientização sociopolítica corre-se o risco de não ser priorizado o bem comum. Dentre as consequências está a falta de atenção a relevantes campos, a exemplo da salvaguarda do meio ambiente, com novas lógicas no tratamento da casa comum, e a superação dos vergonhosos cenários de desigualdade social.

Sem adequados processos de conscientização sociopolítica, corre-se sempre o risco de considerar o dinheiro mais importante em relação aos princípios, às perspectivas humanistas ou às soluções vigorosas para a superação da miséria e da exclusão social. O sentido de cidadania precisa contar com investimentos permanentes e consistentes em processos de conscientização social e política. Na contramão desses investimentos, o que se vê é uma estreita compreensão a respeito da cultura, por não se reconhecer que valores e princípios definem projetos e a própria sociedade. Consequentemente são acentuados, dolorosamente, os preconceitos e as crescentes discriminações que impõem pesos e perdas, até irreparáveis, impossibilitando a contribuição indispensável de cada cidadão nos processos de desenvolvimento integral, que permitem o crescimento de todos.

Há de se prestar atenção ao recrudescimento assombroso de discriminações e preconceitos, revelando a carência de processos educativos que favoreçam o reconhecimento do nobre sentido da convivência humana e da construção da sociedade, sobre os alicerces da fraternidade universal e da igualdade entre as pessoas. Providências urgentes devem ser adotadas para que sejam respeitados os padrões e as dinâmicas que garantam a civilidade. Ante essas necessidades, atenção redobrada deve ser dedicada ao atual contexto eleitoral. A responsabilidade cidadã exige qualificação de discursos eleitorais, especialmente quando são consideradas as facilidades tecnológicas no campo da comunicação. A apropriação de redes sociais como instrumento de desinformação, disseminando notícias falsas para manipular a opinião pública em favor de um determinado projeto político, representa sério risco para a sociedade.

Percebe-se, quando são considerados os muitos problemas no exercício da cidadania, a acentuada carência social de uma formação humana que sustente adequada consciência sociopolítica. Uma realidade preocupante, que pode ser revertida com a vivência da espiritualidade – isto é, a adoção de uma via mística. Uma via longe, muito longe, dos interesses político-eleitorais de certos segmentos e grupos religiosos que simplesmente almejam conquistar adesões a projetos de poder. Investir na espiritualidade é remédio para curar desequilíbrios, alimento para qualificar o sentido da vida e cultivar no coração humano sentimentos que promovam um discurso sapiencial - aquele que promove a verdade e a defesa do bem. A espiritualidade possibilita uma sabedoria capaz de reconhecer a beleza e o sentido de cada pessoa, inclusive aquela com quem se diverge - todos irmãos e irmãs.

A espiritualidade - experiência de crer no transcendente e, de modo coerente com a fé, buscar constantemente o amadurecimento - possibilita superar descompassos, acertar rumos. Assim, oportuno é acolher o que ensina a preciosa narrativa dos chamados ‘Padres do Deserto’ : ‘Um irmão perguntou a um ancião : como poderei encontrar Deus? Será pelos jejuns, trabalhos, vigílias ou obras de misericórdia? O ancião respondeu : em tudo o que dizes... especialmente pela humildade’. É hora de mais humildade, para alicerçar a vida no horizonte da espiritualidade.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/artigo/10058/2022/07/alicercar-a-vida/

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Novos líderes novos


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Ao se contemplar horizontes eleitorais, para além do mecanismo de apertar botões, é hora de refletir, apostar e apoiar o surgimento de novos líderes.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A sociedade clama por renovação. É preciso encontrar respostas novas capazes de libertar as instituições políticas, culturais, empresariais, educacionais e também as religiosas dos engessamentos e dos funcionamentos que são pesados, custam muito e apresentam resultados insatisfatórios.
Esse é um fenômeno de ordem mundial e se explica pelas proporções das crises de todo tipo que se abatem sobre o conjunto da humanidade, criando cenários que comprovam ineficiências e incompetências. São preocupantes a indiferença e a falta de intuição para encontrar o caminho que pode fazer alcançar as metas das inovações e das respostas eficazes.  
Na sociedade brasileira, verifica-se a falta de credibilidade nas instituições de referência, o que pode ser explicado por fatores diversos como a caducidade do parlamento, na esfera federal, e das instâncias de representatividade popular nos contextos estaduais e municipais. O funcionamento é viciado e pautado por formas que impedem o desabrochar do novo. Essa realidade, que se pode atribuir ao ideológico não praticado, por exemplo no contexto pluripartidário, apresenta diversos aspectos. Um deles é a ineficácia e a ausência de assertividade na fomentação do diálogo para articular a pluralidade, dificultando o aproveitamento das diferenças amalgamadas que poderiam ser instrumentos na construção de novas respostas. Ao contrário, o ideológico praticado no âmbito partidário serve apenas para a defesa de interesses, manipulações e incompetente tratamento dos processos. Constatam-se insensibilidades e morosidades nos procedimentos para atender às necessidades do povo.
Há uma manemolência nos processos operacionais de governos, das diferentes esferas, também no atendimento das demandas de infraestrutura. Realidade reconhecida pelo Judiciário ao fazer o ‘mea culpa’ sobre a velocidade e a qualidade das respostas institucionais. A sociedade brasileira vai ficando para trás. Vai ficando para trás em razão de governanças, exercícios e representatividades que não conseguem intuir o novo e encontrar o rumo das novas respostas. Esse mal se derrama sobre o conjunto da sociedade, atingindo também as esferas privadas, religiosas e particulares. O preço pago pela sociedade é muito alto. Vê-se uma crescente degradação social, particularmente atestada pelo recrudescimento da violência, já em muitos lugares, produzindo passivos que não serão superados senão a longuíssimo prazo.
A saída é a possibilidade do surgimento de novos líderes: não é uma questão etária e meramente cronológica. A exigência, em vista do atendimento de demandas urgentes, é a aposta no surgimento e desabrochar de novos líderes novos no lugar das lideranças comprometidas pelos vícios. Nenhuma instituição, seja ela qual for, dará conta de muita coisa sem líderes audaciosos, generosos, capazes de intuitir novos caminhos. Líderes prudentes e respeitosos, propositivos e inovadores, além de cônscios da importância das raízes e tradições. Ao se contemplar horizontes eleitorais, para além do mecanismo de apertar botões, é hora de refletir, apostar e apoiar o surgimento de novos líderes.
Novos líderes novos são os que podem, talvez por não estarem ocupando cargos há muito tempo, dar conta de gerir processos de forma adequada. Atribuição que inclui preparação científica e acadêmica, não dispensa experiências, mas exige sobretudo equilíbrio emocional e psicológico para formatar decisões próprias, agir com ética e responsabilidade, sem baixar a guarda, sem medo e  lamentações.
É hora de a sociedade brasileira repensar e redefinir processos. Há um novo que precisa ser encontrado, mas não se pode fazer isso com instrumentos obsoletos e com as costumeiras dinâmicas. É hora de encontrar novos líderes, novos em isenção de vícios nos funcionamentos institucionais, novos pela audácia de ousar nas inovações, novos pela leitura competente da realidade, novos pelo gosto de governar para servir ao povo, transformando o quadro social, político e cultural. Assim, as instituições poderão ser instrumentos da construção de uma nova sociedade, de uma cultura de maior alcance em razão de suas raízes profundas e qualificadas, por vezes desconhecida ou pouco valorizada.
 É a hora dos novos líderes novos.’

Fonte :


sábado, 10 de fevereiro de 2018

Juízos políticos


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Imagem relacionada
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A indiferença cidadã diante da necessidade de se formular entendimentos a respeito da política traz prejuízos graves. Por isso mesmo, é urgente investir, sem partidarismos e polarizações ideológicas, para que todos possam constituir qualificados juízos políticos – uma tarefa de diferentes instituições, particularmente as educativas, culturais e igrejas. O desinteresse das pessoas em participar, de modo qualificado, de debates e reflexões é um déficit crônico que inviabiliza a contribuição cidadã para edificar uma sociedade mais justa.  Em vez de se buscar formar juízos políticos, delega-se a definição dos rumos do país a segmentos específicos, muitas vezes sem credibilidade.
A qualidade de discernimentos para o exercício da cidadania requer uma formação que ultrapassa o simples acúmulo de conteúdo informativo ou o conhecimento de números.  As informações e estatísticas podem ser importantes, mas imprescindível é o conjunto de critérios éticos que permita identificar e combater configurações ideológicas ligadas a interesses distantes da necessidade do povo.  A participação cidadã, a partir da ética, permite reconhecer também que o juízo político é algo complexo e não pode ser reduzido a ‘paixões partidárias’, com embates que se assemelham aos de torcedores de times rivais.  
A obtusidade de cidadãos na tarefa de emitir juízos políticos é um contrassenso diante da ‘oportunidade de ouro’ que a sociedade tem para dar um passo adiante no amadurecimento da democracia. É preciso reconhecer essa carência e superá-la para conseguir promover as mudanças necessárias ao país - o que inclui melhorar o quadro dos que se submetem ao sufrágio nas urnas. Todos sabem que o cenário atual é desolador. A falta de credibilidade da classe política faz com que até mesmo as pessoas íntegras sejam vistas com desconfiança por conviverem com muitas outras que deveriam representar o povo, mas se deixam seduzir por interesses mesquinhos.
O tratamento da corrupção, que é endêmica no Brasil, requer amadurecimento no processo de formação de juízos políticos e o primeiro passo nesse processo é vencer a indiferença, alimentada pela decepção diante do que se verifica no mundo da política. Com a efetiva participação do povo, a classe política será induzida a sair dos leitos de partidarismos. Deixará de ter como prioridade quase exclusiva a eleição de seus pares. E engana-se quem pensa que esse partidarismo, que nutre atitudes egoístas, restringe-se aos ambientes da política institucional.  Esse é um mal sofrido por qualquer instituição, seja de natureza política, religiosa, seja cultural.
Há modos e escolhas ideológicas incapazes de promover avanços, mas que determinam a formatação de certos juízos. Consequentemente, são escolhidos caminhos e nomes que emperram processos de transformação. Há uma forte tendência, em todos os lugares, para se buscar manter tudo do jeito que está. Prevalece, assim, a ‘vista grossa’ diante de mediocridades - são escolhidos até mesmo nomes e projetos que tornam distante a possibilidade de se alcançar um bem maior. A opção mais comum é pelo caminho que garanta ‘vantagens’ individuais ou a pequenos grupos.  Eis uma miopia cidadã, patologia que incide sobre juízos políticos e precisa ser extirpada, principalmente em ano eleitoral.
 Grande é a responsabilidade cidadã nesse processo. Importante sublinhar ainda o dever da mídia na sua tarefa educativa e informativa. A participação política cidadã, no diálogo e no exercício do respeito mútuo, deve ser incentivada. Essa participação torna-se mais rica quando são socializados juízos políticos, um intercâmbio que qualifica compreensões e interpretações - da realidade e dos fatos. Cada pessoa esteja aberta para o diálogo, com a necessária disposição para escutar, ponderar, e, assim, amadurecer escolhas. Quando há efetiva participação cidadã, os juízos políticos deixam de ser influenciados por quem não prioriza as urgências do povo. Agora é a hora oportuna de investir para formar qualificados juízos políticos.’


Fonte :

domingo, 7 de janeiro de 2018

Em busca da paz

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Quem encontrou a paz tem o dever de, cotidianamente, promovê-la, fazê-la chegar a outros ambientes e pessoas.
 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘‘Homens e mulheres em busca da paz’, eis o horizonte que o Papa Francisco indica em sua mensagem para a celebração do 51º Dia Mundial da Paz. Um mundo mais pacífico, aspiração profunda de todos, só pode ser alcançado quando cada ser humano, efetivamente, com sentimentos e ações, tornar-se coração da paz. Para isso, as muitas vulnerabilidades sociais não podem ser tratadas com indiferença. É preciso dedicar-se às várias situações de sofrimentos vividas por um número cada vez maior de pessoas.
A humanidade padece com a falta de paz. Essa carência cresce com as injustiças, o avanço do terrorismo e de tantas outras formas de violência. Esse cenário alimenta o medo, motivando a construção de muros, o fechamento de portas e de corações.  Investe-se no isolamento, encastela-se em busca de proteção. Porém, a primeira atitude para enfrentar as ameaças é buscar ter um coração da paz, emoldurando compromissos civis, cidadãos e governamentais com o sentido de respeito à integridade e aos direitos de cada pessoa.  Nessa perspectiva, é importante reconhecer os cenários preocupantes e agir com solidariedade. Um exemplo : dos 250 milhões de migrantes mundo afora, 22 milhões são refugiados.  
Cruel realidade provocada pela violência que está aí a contracenar com tantas outras brutalidades presentes nas regiões metropolitanas do planeta e também na zona rural.  Esses males são fruto da exclusão social, de descasos de líderes que, muitas vezes, se deixam contaminar pelo veneno da corrupção. Por isso, na busca pela paz, é imprescindível reconhecer as fadigas e os sofrimentos enfrentados por tantos grupos humanos, povos e culturas.  Mas não basta enxergar toda essa dor, é preciso abrir o coração e as portas da própria casa, com espírito de misericórdia, para acolher quem foge da violência, da fome, dos sofrimentos e de tantos tipos de guerras.  A realidade é cruel para pessoas constrangidas a deixarem a própria terra e seus lares, em razão de discriminações, perseguições, violências familiares, pobreza e degradação ambiental.
Sublinha o Papa Francisco que para dissipar o sofrimento desses irmãos é urgente um empenho mais efetivo de cada cidadão e cidadã. O gesto de acolher o outro inclui, necessariamente, um compromisso concreto, desdobramento do sentimento de misericórdia. A cidadania e a vivência da fé exigem de cada indivíduo, particularmente quem vive em condições mais favoráveis, que seja agente da paz nos lugares e na vida das pessoas que ainda não usufruem desse dom de Deus.
Quem encontrou a paz tem o dever de, cotidianamente, promovê-la, fazê-la chegar a outros ambientes e pessoas. Se não o fizer, corre o risco de sofrer, cedo ou tarde, as consequências das degradações de todo tipo, a derrocada das próprias seguranças. A paz é uma herança a ser construída no dia a dia e precisa ser mantida com investimentos humanitários, educativos e solidários, todos os dias. 
As comunidades de fé, congregadas ao redor de projetos, bairros, condomínios, precisam investir na promoção da paz, despertando o senso de solidariedade. Um sentido que se manifesta nas práticas simples e diárias.  Reunidos, esses pequenos gestos podem consolidar uma nova cultura, alicerçada na satisfação de poder ajudar outras pessoas a terem uma vida mais digna. O empenho pela promoção da paz, tendo presente a realidade dolorosa de pobres, migrantes, refugiados, perseguidos e abandonados é um caminho exigente e interpelante. Todos possam, com olhar de misericórdia, enxergar os rostos sofridos e as situações humanas de vulnerabilidade para, assim, com compaixão cidadã, tornarem-se força capaz de dar novo rumo à sociedade.
Reações humanitárias e comprometidas com a justiça são fundamentais para promover as transformações sociais almejadas por todos. Sem essas bases, haverá muitas perdas e as próprias eleições que serão realizadas neste ano terão pouco impacto nos processos de mudança, pois, provavelmente, muitos eleitos repetirão erros e continuarão presos a interesses pouco nobres. A sociedade civil precisa reagir, comprometida com a verdade, com o bem e com a justiça, para conquistar avanços na busca da paz.’

Fonte :


quinta-feira, 6 de julho de 2017

Valor da solidariedade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A solidariedade, por ser um valor capaz de requalificar, permite reconstruir o esgarçado tecido da cidadania.
 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘Viver a solidariedade é indispensável para possibilitar que as práticas políticas recuperem a sua inteireza. É necessária uma limpeza nos mais variados mecanismos de funcionamento da política. E de forma urgente. A solidariedade, por ser um valor capaz de requalificar, permite reconstruir o esgarçado tecido da cidadania. Por isso, em todos os momentos, em diferentes sociedades, é indispensável fazer referência, propor iniciativas e refletir sobre a solidariedade.  No coração da prática solidária está o princípio fundamental e inegociável da consideração para com o outro. O apóstolo Paulo faz essa recomendação, estabelecendo esse valor como fundamento da identidade daquele que tem fé. Explica o apóstolo: exemplar é o gesto de Deus ao oferecer à humanidade o que tem de mais precioso, seu filho Jesus, o Salvador. Assim, Deus antecipa-se no gesto de reconciliação com o ser humano, deixando a lição fundamental de que é preciso reconhecer a importância do outro. Esse ‘outro’ é você, eu, cada um de nós. Esse princípio tem força de equilíbrio, pois conduz a civilização na direção humanística que permite superar crises.

Embora muitas vezes se reconheça o valor da solidariedade, sabe-se que não é tão simples plantar e fazer florescer essa convicção nos corações. Na política, por exemplo, em vez de se investir nos gestos solidários, prevalece a crença de que avanços diversos dependem de conchavos, ideologias partidárias ou simplesmente das promessas nunca cumpridas. Contenta-se assim com ensaios de lucidez, insuficientes para atender aos urgentes anseios do povo, principalmente de quem é mais pobre. Falta, pois, na sociedade brasileira, um tecido solidário de qualidade.

Quase sempre, o que se verifica no Brasil é um discurso de autoelogio sobre certas práticas dedicadas aos outros. Em ‘alto e bom som’, há os que proclamam que a cultura latina e a brasilidade têm na solidariedade um valor inerente. Fazem referências desdenhosas a outras culturas marcadas pela objetividade, interpretando essa característica como ‘frieza’. Mas, na prática, isso serve apenas para aliviar as consciências de pessoas que não se doam ou se contentam em fazer tímidas doações a projetos sociais.

Ora, isso é bem diferente do que ensina o princípio apresentado pelo apóstolo Paulo - considerar a importância do outro. O apóstolo adverte que a liberdade, quando se torna pretexto para buscar o que satisfaz, mas não convém, provoca desastres. Incapacita a competência humana e espiritual de amar ao outro como a si mesmo. O resultado é nefasto, diz o apóstolo : ‘Se vos mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado para não serdes consumidos uns pelos outros!’. Paulo indica o caminho a seguir : ‘Fazei-vos servos uns dos outros, pelo amor’.

Ao trilhar esse percurso e reconhecer o valor da solidariedade, colabora-se com a construção de uma cultura que contemple fortes sentidos de pertencimento, patriotismo e apurada sensibilidade humana - que se desdobra em gestos e ofertas mais generosas. Quem se faz servo apura a própria visão da realidade e consegue ouvir os clamores de quem necessita de ajuda. Por isso mesmo, urgente e prioritário neste momento em que a sociedade brasileira precisa sair da crise é reconhecer que a solidariedade é determinante nas dinâmicas sociais.  Isso não é uma simples reflexão teórica, mas indicação de uma exigência moral com força transformadora, pois possibilita o surgimento de atitudes que estão na contramão das violências que dizimam, das corrupções que sucateiam e da perda da percepção de que todos são destinatários, igualmente, de condições dignas.    

A solidariedade é, pois, princípio social e virtude moral. Vivenciá-la é investir na edificação de um contexto novo e melhor. Sem esse princípio e virtude, não se conquistam os ordenamentos sociais almejados. As relações pessoais continuarão comprometidas e em processo crescente de deterioração. E um perverso ciclo é alimentado, pois as pessoas tornam-se cada vez mais distantes das estruturas dedicadas à solidariedade. Com isso, por ignorância, são perpetuadas regras e leis que são inumanas e pesadas.

Para além de um sentimento qualquer de compaixão vaga e superficial, a solidariedade tem o valor de despertar e criar o gosto imperecível pelo bem comum. E todo cidadão para ser eterno aprendiz do valor da solidariedade tem que praticá-la, diariamente, permanentemente. Esse exercício exige considerar a importância do outro, abrir os olhos e os ouvidos para nunca ser indiferente com as dores do mundo, lutar para sair das zonas de conforto e deixar-se incomodar pelos sofrimentos da humanidade. Uma postura que requer, inclusive, a disposição para tirar do próprio bolso quantias a serem destinadas a projetos sociais e ações solidárias. Pois, a sociedade estará na direção de superar seus descompassos e a cidadania se qualificará quando prevalecer o inestimável valor da solidariedade.’


Fonte :


domingo, 23 de agosto de 2015

Novo tecido político

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A pluralidade ideológico-partidária é um vetor de grande importância para alimentar as dinâmicas que provocam reflexões, discernimentos e escolhas na construção da sociedade. A política partidária, assim, é constitutiva do tecido democrático, porém, neste momento, se desenvolve sem o respaldo de uma cultura político-cidadã consistente, com capacidade para sustentar os embates pautados pelo inegociável compromisso com o bem comum. A responsabilidade com o país não pode ser jamais negociada por interesses mesquinhos e por esquemas de corrupção.  Para além de sua competência específica, os políticos são cidadãos como todos os outros, alimentados no horizonte de uma mesma sociedade, portanto filhos iguais da mesma cultura.  Se essa cultura cidadã, que é básica, está comprometida, será sofrível o nível da política partidária.

A falta de envergadura nos exercícios políticos, ao se constatar equívocos em administrações, mediocridades em representações e obscuridades, evidencia desajustes nessa cultura cidadã. Assim, é indispensável investir num novo tecido político para subsidiar uma cidadania que consiga produzir líderes mais nobres, capazes de abrir frentes e encontrar novas respostas, ajudando no avanço inadiável de instituições e instâncias todas da sociedade. É necessário cultivar uma consistência nova que sustente a cidadania na sociedade brasileira. Esgotou-se a tentativa muito comum, ante os desarranjos da política, de alguém se apresentar no cenário político partidário como ‘salvador da pátria’, com soluções quase mágicas para os muitos problemas.

A política partidária, ao cair nas mazelas dos interesses mesquinhos pela sedução terrível do dinheiro e do poder, perde a moral e compõe um cenário rejeitado pela população. Candidatos, quando eleitos, com pouco tempo expõem suas fragilidades e inércias. Exercem responsabilidades, quando o fazem, a ‘passo de tartaruga’. E, no período eleitoral, começa a mesma cantilena partidária. Falta uma dinâmica mais adequada para o exercício da política, o que agrava crises por carência de líderes lúcidos e competentes. Tudo se resume num falatório e em discussões sem força para mudar cenários ou para alcançar respostas assertivas.  Há de se considerar o investimento diuturno em busca de um tecido político mais qualificado na sociedade brasileira.  Agora é hora oportuna, no enfrentamento das crises, para se abrir um novo horizonte, superar vícios e procedimentos que, mantidos, impedirão transformações importantes e na velocidade esperada. Sem essas mudanças, a sociedade continuará a amargar atrasos e a perda de oportunidades para seu esperado crescimento.

O investimento em educação, sem dúvida, é um ponto de grande relevância, mas não basta somente investir no ensino formal. A intervenção precisa ser mais abrangente, no âmbito da cultura. Nessa dimensão, muitos aspectos merecem análises para serem modificados. Sabe-se que não basta apenas ser detentor de conhecimento. É preciso ser capaz de valer-se da riqueza das informações para articulações de alta complexidade e, assim, alargar horizontes, acionar a lucidez da inteligência que aponta soluções e a disposição cidadã de tudo fazer para dar ao conjunto da sociedade o desenvolvimento almejado.

Exercícios precisam ser praticados para que se avance no processo de melhorias do tecido político.  Um rosário de tarefas pode ser apontado. Quando se considera os cenários de pobreza e miséria que desenham a sociedade brasileira, é indispensável priorizar os clamores dos pobres, como princípio e lei acima de normas vigentes, de direitos do Estado ou de defesa de interesses particulares. Também é hora do empresariado investir em projetos sérios, de credibilidade. É o momento dos agentes na política partidária abrirem mão de benesses que estão na contramão das expectativas de seus representados. Devem-se qualificar melhor, humanisticamente, para o exercício da liderança. De um modo geral, são necessárias novas práticas cidadãs, o que inclui respeitar tudo o que se relaciona ao bem comum. Não se avançará muito e não se conseguirá superar os graves problemas deste momento se não se encontrar o caminho, as dinâmicas, os modos e a boa vontade de todos para se constituir um novo tecido político.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5324
  

sábado, 15 de agosto de 2015

Reconstrução Política

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

‘A reconstrução política é meta basilar neste momento crítico vivido pela sociedade brasileira. Trata-se de prioridade, que deve anteceder qualquer questão meramente partidária. É incontestável a necessidade de se promover uma qualificação específica no âmbito dos partidos, que precisam superar os interesses cartoriais e o fisiologismo.  Quando se prioriza interesses mesquinhos de grupos, são comprometidas instâncias democráticas e cidadãs, produzindo crises. É lamentável quando o âmbito partidário torna-se um ‘quartel’ na defesa de interesses de poucos, na contramão da cidadania, para alimentar esquemas de corrupção e a depredação do erário.

Os desvirtuamentos da política em razão das mediocridades partidárias são evidentes, urgindo reconfigurações mais radicais. O problema é que há resistências de todo o tipo. Basta analisar sobre o tanto que se discutiu a respeito da reforma política. A casa maior do Legislativo não conseguiu assimilar contribuições sérias e com força para conduzir a política partidária no rumo de uma qualificação melhor. É terrível a postura de certos políticos que deveriam exercer a nobre missão de representar o povo e de se colocar a seu serviço com lucidez legislativa capaz de reorientar caminhos. Hoje, por exemplo, no ‘olho do furacão’ da crise econômica, agravada pela crise política, alguns representantes da população, em causa própria, votam aumento de seus próprios salários. Exemplar, cidadã e destemida foi a atitude de uma comunidade que impediu a vereança do seu município de aumentar os próprios vencimentos.

Há, na verdade, uma ‘ladainha’ de vícios no âmbito da política partidária que precisa de correções, retardadas pela falta de estatura dos que se oferecem à tarefa-missão de representar o povo, suas comunidades e seus interesses. Condenáveis são as disputas partidárias, o tirar proveito de situações, a atitude de se apresentar como tendo ‘a carta na manga’ para solucionar problemas complexos. Percebe-se que é preciso uma reconstrução política que atinja as raízes da cidadania. Para isso, é necessário, agora, aprender as lições que toda crise ensina, numa cultura cidadã nova e diferente. Ao lado do empenho nos urgentes entendimentos políticos, para a formação de consenso em torno de agendas que viabilizem a superação da crise econômica, é hora de um pacto de reeducação cidadã.

Não basta apenas corrigir as instâncias governamentais e as instituições políticas. É preciso convocar cada cidadão, da criança ao mais velho, a acolher e a refletir sobre o peso próprio da crise. Não se pode correr o risco de deixar essa discussão simplesmente nas mesas dos representantes do povo, dos governos. As pancadas nas panelas - como legítima manifestação de protesto cidadão - precisam ser martelos na consciência de todos. Assim, será possível alcançar uma sensibilidade que sustente atitudes na contramão do consumismo, do desperdício, da indiferença para com os pobres e do desrespeito ao bem comum.  Também poderá ser superada a produção que busca somente o lucro, dando lugar a razões nobres e próprias de uma cidadania que consegue ir além de interesses particulares.

É importante e indispensável que as lições das crises ‘martelem’ as consciências na mesa das casas de cada família, nas salas das escolas, nos templos religiosos, no auge dos shows artísticos, nas festas e eventos de todo tipo, nas manifestações públicas e em cada coração. Trata-se de caminho para obter o entendimento e a lucidez que são necessários diante das muitas adversidades. Existem saídas para as crises. Porém, elas não são encontradas porque, de modo geral, não se quer abrir mão de privilégios, reconfigurar gastos, orçamentos e projetos.

Pode-se chegar ao absurdo de não se mover, esperando que alguém ou alguma instância ‘faça milagre’, na ilusão de depois continuar a usufruir de benesses até então garantidas. Isto é prática que revela mesquinhez.  Das crises, podem nascer consequências positivas. Basta lembrar que certos países, em período pós-guerra, reconfiguraram o tecido de sua cultura para se reerguerem e avançarem no que é interesse de todos. Que o momento atual da sociedade brasileira torne-se oportunidade para as mudanças necessárias, particularmente em uma reconstrução política que ampare o exercício da cidadania.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/artigo-reconstrucao-politica

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Crises e nova cultura

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘O momento atual se caracteriza pelas crises, cada vez mais evidentes, com consequências reais, para além do mero alarmismo. É real a situação difícil vivenciada por pessoas e setores afetados. As análises comprovam que a gênese dessas crises enfrentadas pela sociedade brasileira tem um histórico que é fruto das escolhas políticas, da eleição equivocada de prioridades sociais e também do tipo de tecido cultural sobre o qual está assentada.

O fato é que há crises e essas trazem consequências de diferentes naturezas. Momento oportuno para se refletir sobre o ensinamento que se aloja no reverso dessa realidade desafiadora. O ponto de partida para essa reflexão é admitir que nenhuma crise é acontecimento súbito. Sua geração é um longo desdobramento que pode revelar preciosas lições no que diz respeito a reações e novas respostas. Um processo capaz de proporcionar aprendizagens relevantes e transformadoras. Seria um grande risco deixar passar em ‘brancas nuvens’ a singular oportunidade de se aprender novas dinâmicas nas relações sociais. São imprescindíveis as atitudes fundamentadas nos princípios dessas lições.

Vista desse modo, a crise torna-se possibilidade de se ingressar em um processo de correção de rumos. Desvencilha a sociedade do perigo de um tratamento cultural da situação com o conhecido ‘jeitinho’ próprio de dissimular os pontos críticos e justificar a manutenção de um sistema que neutraliza ações eficazes para a superação dos desafios.

A hora é oportuna para vencer a desconfiança, o desespero e a desorientação provocados pelas dificuldades. É o momento certo para se exercer a cidadania ao mesmo tempo em que se espera, com justeza, novas configurações na postura dos órgãos governamentais, instâncias públicas de representação e daquelas que, diretamente, prestam serviços ao povo. Não menos exigente é a expectativa quanto às atitudes dos construtores da sociedade, para que ajam norteados por princípios que garantam o bem comum, prezando o crescimento e o desenvolvimento das instâncias responsáveis pela produção e sustentação do equilíbrio social e econômico.

Além dos aspectos que atingem altas esferas e intervenções de caráter sistêmico, vale considerar a crise como oportunidade para uma nova cultura modulada em hábitos e atitudes - reações e respostas a favor daquilo que a própria crise aponta como solução. Mas, assumir outro modo de pensar e agir, no entanto, não é tão fácil assim. Existe uma forte tendência do ser humano ao comodismo, o que o predispõe a manter os mesmos costumes, diferentemente, das pessoas que enfrentam rupturas drásticas da ordem social e econômica provocadas pelas guerras ou catástrofes naturais. Nesse contexto, o estado de penúria impõe a aprendizagem das lições sobre economizar, evitar desperdícios e a adoção de novos hábitos. Essas rupturas e as consequências com força de testemunho funcionam sempre como forte apelo para novas atitudes. Nesses momentos, por exemplo, é comum presenciarmos gestos de pessoas que doam parte de suas fortunas ou de seus altos salários em prol do bem comum. São iniciativas que contribuem para a construção de uma cultura solidária e sustentável.

Condutas como essa, ainda não fazem parte de nossa realidade. Sequer ousamos esperar que, diante das necessidades do governo de atender as demandas do setor educacional, políticos e funcionários do alto escalão aceitem ter os vencimentos reduzidos. O que se vê são atitudes em causa própria, tomadas em todas as instâncias do poder.

A própria superação da crise econômica exige novos parâmetros. É urgente encontrarmos um modelo que não dependa do consumismo. No momento atual, torna-se indispensável um processo de reeducação no consumo que pode começar no momento das refeições diárias diante da discrepância entre a quantidade servida e a necessidade das pessoas. O equilíbrio ao consumir é, sem dúvida, um desafio cultural que precisa entrar agora como legado advindo do tratamento e do enfrentamento da crise.

Não se pode restringir o olhar sobre os expressivos números do contexto econômico nacional ou global - é curioso como são predominantes nos noticiários quantias astronômicas. Torna-se necessário, primeiro, aprender a poupar, a valorizar o próprio dinheiro, a partir de cada centavo, para saber respeitar e exigir respeito ao erário. O propósito não é o de fazer apologia à usura, mas sim de sugerir o princípio da otimização do consumo cultural daquilo que é realmente necessário.  Certamente, se a sociedade aprendesse a superar o desperdício com as crises em curso já haveria uma radical transformação de hábitos com os ganhos incidindo sobre o atendimento às necessidades de outros que hoje estão à margens do mercado. É possível vislumbrar que essa reeducação aponte até mesmo para a correção de critérios morais, pois a cultura da ganância também patrocina a tolerância à corrupção. Que as crises se tornem escolas de aprendizagem e de construção de uma nova cultura.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5292