*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de
Belo Horizonte, MG
‘A
reconstrução política é meta basilar neste momento crítico vivido pela
sociedade brasileira. Trata-se de prioridade, que deve anteceder qualquer
questão meramente partidária. É incontestável a necessidade de se promover uma
qualificação específica no âmbito dos partidos, que precisam superar os
interesses cartoriais e o fisiologismo.
Quando se prioriza interesses mesquinhos de grupos, são comprometidas
instâncias democráticas e cidadãs, produzindo crises. É lamentável quando o
âmbito partidário torna-se um ‘quartel’
na defesa de interesses de poucos, na contramão da cidadania, para alimentar
esquemas de corrupção e a depredação do erário.
Os
desvirtuamentos da política em razão das mediocridades partidárias são
evidentes, urgindo reconfigurações mais radicais. O problema é que há resistências
de todo o tipo. Basta analisar sobre o tanto que se discutiu a respeito da
reforma política. A casa maior do Legislativo não conseguiu assimilar
contribuições sérias e com força para conduzir a política partidária no rumo de
uma qualificação melhor. É terrível a postura de certos políticos que deveriam
exercer a nobre missão de representar o povo e de se colocar a seu serviço com
lucidez legislativa capaz de reorientar caminhos. Hoje, por exemplo, no ‘olho do furacão’ da crise econômica,
agravada pela crise política, alguns representantes da população, em causa
própria, votam aumento de seus próprios salários. Exemplar, cidadã e destemida
foi a atitude de uma comunidade que impediu a vereança do seu município de
aumentar os próprios vencimentos.
Há,
na verdade, uma ‘ladainha’ de vícios
no âmbito da política partidária que precisa de correções, retardadas pela
falta de estatura dos que se oferecem à tarefa-missão de representar o povo,
suas comunidades e seus interesses. Condenáveis são as disputas partidárias, o
tirar proveito de situações, a atitude de se apresentar como tendo ‘a carta na manga’ para solucionar
problemas complexos. Percebe-se que é preciso uma reconstrução política que
atinja as raízes da cidadania. Para isso, é necessário, agora, aprender as
lições que toda crise ensina, numa cultura cidadã nova e diferente. Ao lado do
empenho nos urgentes entendimentos políticos, para a formação de consenso em
torno de agendas que viabilizem a superação da crise econômica, é hora de um
pacto de reeducação cidadã.
Não
basta apenas corrigir as instâncias governamentais e as instituições políticas.
É preciso convocar cada cidadão, da criança ao mais velho, a acolher e a
refletir sobre o peso próprio da crise. Não se pode correr o risco de deixar essa
discussão simplesmente nas mesas dos representantes do povo, dos governos. As
pancadas nas panelas - como legítima manifestação de protesto cidadão -
precisam ser martelos na consciência de todos. Assim, será possível alcançar
uma sensibilidade que sustente atitudes na contramão do consumismo, do
desperdício, da indiferença para com os pobres e do desrespeito ao bem
comum. Também poderá ser superada a
produção que busca somente o lucro, dando lugar a razões nobres e próprias de
uma cidadania que consegue ir além de interesses particulares.
É
importante e indispensável que as lições das crises ‘martelem’ as consciências na mesa das casas de cada família, nas
salas das escolas, nos templos religiosos, no auge dos shows artísticos, nas
festas e eventos de todo tipo, nas manifestações públicas e em cada coração.
Trata-se de caminho para obter o entendimento e a lucidez que são necessários
diante das muitas adversidades. Existem saídas para as crises. Porém, elas não
são encontradas porque, de modo geral, não se quer abrir mão de privilégios,
reconfigurar gastos, orçamentos e projetos.
Pode-se
chegar ao absurdo de não se mover, esperando que alguém ou alguma instância ‘faça milagre’, na ilusão de depois
continuar a usufruir de benesses até então garantidas. Isto é prática que
revela mesquinhez. Das crises, podem
nascer consequências positivas. Basta lembrar que certos países, em período
pós-guerra, reconfiguraram o tecido de sua cultura para se reerguerem e
avançarem no que é interesse de todos. Que o momento atual da sociedade
brasileira torne-se oportunidade para as mudanças necessárias, particularmente
em uma reconstrução política que ampare o exercício da cidadania.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/artigo-reconstrucao-politica
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