*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano
de Belém, PA
‘Palavra
do Senhor! Palavra da Salvação! Palavra de Vida Eterna! São expressões que
ressoam continuamente em nossos ouvidos! No entanto, estamos mais acostumados
com palavras que nos chegam através dos muitos meios de comunicação de nosso
tempo. Ficamos até acostumados com as notícias da última alta do dólar, as
chacinas do dia a dia, a crise política e econômica, as muitas ‘operações’ efetuadas pelos órgãos de
segurança. Nada nos assusta nem causa reação ou escândalo, quase vacinados
diante das imagens e sons que entram em nossas casas e corações. As pessoas são
capazes de permanecer impávidas diante de noticiários sanguinários e
sanguinolentos, às vezes continuando suas refeições ou tratando de amenidades.
Entretanto,
quando a Igreja fala da verdade o Evangelho, ou prega as consequências morais e
éticas do seguimento de Jesus, alguns consideram intervenção indevida, agressão
à laicidade do Estado, que sabemos não ter necessidade de ser ateu para ser
laico! Num mundo
paganizado,
falar dos Sacramentos, ou da prática de Missa dominical, ou ter convicções
claras e correspondentes à Verdade revelada, tudo pode parecer anacrônico e
fantasioso. Falar de família monogâmica, formada a partir da união de homem e
mulher, fiel e fecunda, como a Igreja insistirá fortemente neste período que
antecede o Sínodo dos Bispos, soa retrocesso, diante do que se pensa ‘progresso’, outro nome da destruição da
família e da desagregação de laços consistentes, que sabemos ser essenciais
para a garantia da dignidade humana pessoal e a sustentação da vida, como foi
pensada por Deus, tudo isso receberá ataques de toda ordem.
Não
é de hoje! Quando o Povo de Deus, tendo atravessado o Rio Jordão e vencido as
primeiras etapas de ocupação da Terra Prometida, foi convocado a uma grande
Assembleia, no lugar chamado Siquém, Josué (Cf. Js 1,1-9), cuja liderança se
consolidava, falou a todas as tribos de Israel com palavras provocantes : ‘Se vos desagrada servir ao Senhor, escolhei
hoje a quem quereis servir : se aos deuses a quem vossos pais serviram no outro
lado do rio ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e
à minha família, nós serviremos ao Senhor’ (Js 24, 15). Mesmo escolhido por
Deus para uma grande missão, aquele povo sempre esteve sujeito à tentação e à
queda, pelas suas próprias limitações e pelo contato com o paganismo. Com
frequência, através de seus enviados, o Senhor lhe pedia a renovação dos
compromissos. A resposta à palavra de Josué corresponde a um verdadeiro refrão,
que ocorre em variações em outros textos da Escritura Sagrada : ‘Longe de nós abandonarmos o Senhor para
servir a deuses alheios. Pois o Senhor, nosso Deus, foi quem nos tirou, a nós e
a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou
esses grandes sinais diante de nossos olhos e nos guardou por todos os caminhos
por onde peregrinamos, e no meio de todos os povos pelos quais passamos...
Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus’ (Js 24,
16-18).
Quando
veio Jesus, sua pregação e seus milagres arrebanharam multidões, como mostram
os textos evangélicos. No entanto, muitos ficaram escandalizados com suas
palavras e seus gestos. Sua presença se tornou verdadeira provocação a pessoas
acomodadas, que se tinham ajeitado numa prática religiosa superficial, o que
lhe granjeou significativo grupo de inimigos, inclusive no meio das autoridades
civis e religiosas do tempo. Aquele que é a Verdade (Cf. Jo 14,4-5; Jo 18,
33-38) foi rejeitado por muitas pessoas, mesmo sendo estas tocadas por seu amor
(Mc 10, 17-23). Tendo chamado discípulos do meio da multidão, esta marcada por
expectativas messiânicas algumas vezes confusas, ou limitada formação
religiosa, o Senhor Jesus sabia que seria necessária uma grande paciência para
formá-los, trabalhando para a maturidade apostólica, que só viria com a Paixão,
Morte, Ressurreição e Ascensão de Jesus e a vinda do Espírito Santo no
Pentecostes.
Uma
das crises dos discípulos ocorreu após a Multiplicação dos Pães e o Discurso a
respeito do Pão da Vida, quando Jesus pronuncia palavras cuja consequência
desfrutamos e a Igreja o fará até a volta do Senhor : ‘Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá
eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do mundo’
(Jo 6, 50-51). Trata-se do anúncio da Eucaristia! Justamente os discípulos
entraram em pânico, junto com outras pessoas : ‘Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’ (Jo 6, 60). Como fez
Moisés com o Povo de Deus no Sinai, ou Josué em Siquém, é hora da decisão : ‘Jesus disse aos Doze : 'Vós também quereis
ir embora?' Simão Pedro respondeu : 'A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de
vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus'’
(Jo 6, 67-69).
Diante
das provocações do tempo em que vivemos, é possível alinhavar algumas atitudes
ao mesmo tempo respeitosas e corajosas. Não nos escandalizemos com a
diversidade existente em nosso mundo. Antes, na pessoa que é diferente ou pensa
de modo diverso de nós, identificar os canais de diálogo fecundo, cooperando, o
que quer dizer trabalhando juntos, pelo bem comum. Não deixar de manifestar
nossas próprias convicções, ainda que soem diferentes, como nos ambientes de
trabalho, tantas vezes eivados de conceitos espúrios ou meias verdades tiradas
da última mensagem recebida em redes sociais, consideradas a última palavra.
Respeitar o diferente, mas dizer com simplicidade e força que a própria
consciência mostra outra visão da vida e do mundo. Ora, para tanto, buscar a
necessária formação, nas várias possibilidades oferecidas pelas Paróquias ou
Pastorais e Movimentos Eclesiais. E é na vida em Comunidade, especialmente na
Paróquia, que se fortalecem as convicções.
A
todos os irmãos e irmãs chegue o convite a dizer com São Pedro, que, com suas
fragilidades parecidas com as nossas, não foi propriamente um herói da primeira
hora, pronunciou palavras tão fortes, que repetiremos no coração todas as vezes
em que ressoar, em nossas missas ‘Palavra
do Senhor’ ou ‘Palavra da Salvação’
: ‘Só tu tens palavras de Vida Eterna!’’.
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/nao-deixar-de-manifestar-nossas-proprias-conviccoes-ainda-que-soem-diferentes
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