Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘Arquitetar um ‘mundo aberto’ é tarefa
missionária, abrangente, que pede o envolvimento de todos os cidadãos, para
dissipar as sombras de um ‘mundo fechado’. A expressão ‘As sombras de
um mundo fechado’ é titulação do primeiro capítulo da Carta Encíclica Fratelli
Tutti, do Papa Francisco, chamando atenção para algumas tendências atuais que
dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal. Mesmo com avanços e
conquistas científicas, há sinais claros de regressão na história da humanidade
contemporânea. O Papa Francisco focaliza o reacender de conflitos originados de
nacionalismos fechados, ressentidos e agressivos. O sentido social, na
contramão dos avanços tecnológicos e científicos, está contaminado por
ideologias, egoísmos e atitudes perversas. É preciso investir na qualificação
da cidadania : tarefa de cada pessoa, que precisa ter como meta o bem, a
justiça e a solidariedade. E o bem, a justiça e a solidariedade não são
alcançados ‘de uma vez para sempre’, conforme alerta o Santo Padre.
Precisam ser conquistados diariamente, o que exige o esforço incansável e
permanente de todas as gerações.
O ponto de partida será sempre o compromisso de cada
pessoa cultivar o ‘coração da paz’. Exercício que exige a adequada
compreensão a respeito da paz - que é, ao mesmo tempo, dom e missão. Dom que
vem de Deus, mas também missão, pois a paz precisa ser cultivada nas relações -
entre pessoas, nações, grupos, instituições e segmentos que formam uma
civilização. Quando se reconhece que a paz é, acima de tudo, uma dádiva divina,
percebe-se grande incoerência naqueles que justificam ações na contramão da paz
sob o pretexto de que o fazem ‘em nome de Deus’. Não é possível
professar a fé em Deus com ações perversas, que afrontam a dignidade humana,
trazendo desordem sociopolítica. Há, pois, uma lógica moral que é inegociável e
não pode ser desrespeitada. É justamente essa lógica que pode iluminar a
convivência humana, tornando possível o diálogo entre pessoas e povos.
A Doutrina Social da Igreja aponta para a importância
de uma gramática transcendente, em referência ao conjunto de regras que
precisam balizar a ação individual e o relacionamento entre as pessoas,
favorecendo o exercício da solidariedade e a promoção da justiça. Inscreve-se
no coração humano uma dimensão sagrada e divina que não pode ser ignorada sob
pena de embrutecimento, da perda de racionalidade. Sem dedicar devida atenção a
essa dimensão sagrada e divina, tornam-se cada vez mais banalizadas as
indiferenças terríveis e comprometedoras, não se reconhece o sentido de
pertencimento a uma nação, a um povo, cultura e sociedade. Consequentemente,
não se efetiva a arquitetura de um ‘mundo aberto’, pois o ser humano se
distancia do mistério do amor de Deus.
A dimensão divina e sagrada que se inscreve no coração
humano, uma lei natural, seja base indispensável para o diálogo entre pessoas
que se vinculam a diferentes religiões, também entre estas e os não crentes,
respeitando ainda a laicidade na organização social e política. Somente se
avança na arquitetura da paz por meio da busca pelo encontro dialogal, que,
para se efetivar, exige respeito à dignidade de cada ser humano - em cada
pessoa se reflete a imagem de Deus-criador. Por isso mesmo, a Igreja Católica
sempre defendeu os direitos fundamentais, colocando-se, lealmente, em debate
com aqueles que detêm maior poder político, econômico ou tecnológico, mas
violam os direitos dos outros, especialmente dos pobres.
Inegociável na arquitetura de um ‘mundo aberto’
é defender, incondicionalmente, o direito à vida, especialmente aquelas
ameaçadas por conflitos armados, terrorismos, violências, aborto, fome e por
muitas outras situações que geram vítimas. A tarefa de vencer as sombras de um ‘mundo
fechado’ inclui investir no entendimento de que a humanidade é uma família,
comunidade onde deve prevalecer a paz. Neste horizonte, a Doutrina Social da
Igreja Católica lembra : a família natural, enquanto comunhão íntima de vida e
amor fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher, é o lugar primário
da humanização, da pessoa e da sociedade. Uma vida familiar saudável é escola
de elementos fundamentais para fortalecer a paz. Importa fortalecer e
qualificar a vida em família, para não ocorrer a debilitação da paz na
comunidade humana. Buscar a paz é caminho para superar um ‘mundo fechado’
em suas sombras, com atrasos e perdas muito sérias. A poesia da construção de
um ‘mundo aberto’ precisa, urgentemente, e de modo contagiante, de
cidadãos e cidadãs assumindo a condição de arquitetos da paz para edificar uma
civilização alicerçada na justiça e no amor.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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