sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Crítico ou apóstata?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Negacionistas antivacina durante protesto, em Roma, em 2020 | Vincenzo Pinto/AFP

 *Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


O Papa não é incriticável, embora paire sobre ele aquela visão (bem equivocada) da infalibilidade. Isso porque ele só é infalível, segundo a crença do catolicismo, quando atua em ex cathedra, ou seja, quando proclama um dogma de fé ou um artigo moral. O último pontífice a usar dessa prerrogativa foi Pio XII, em 1950, ao promulgar o dogma da Assunção de Maria.

Pois bem, dito isso, agora vamos diferenciar crítica de postura antipapal pública. Muitos católicos têm criticado ou renegado um pontífice legítimo? Trocando em miúdos, uma coisa é fazer análises técnicas e pontuais sobre o governo de um pontífice; outra é tentar destroná-lo do posto em que ele foi colocado licitamente e sobre o qual ele tem a liberdade - como qualquer Papa - de eleger um programa de prioridades. Francisco, no caso, escolheu encabeçar uma reforma da Cúria Romana e focar na pastoral. E que mal tem nisso?

Um crítico, em tempos de Lutero, era aquele que chamava seu oponente ao debate público para que ambos pudessem confrontar seus argumentos. O teólogo alemão, ao fixar suas 95 teses na porta da catedral de Wittemberg, estava chamando a comunidade acadêmica e o príncipe da Saxônia para um debate sobre as indulgências (com cópia para o Papa Leão X e o bispo local). Mais que um documento de protesto, era a expressão de uma práxis comum na época. Depois disso, com o desenrolar da situação, o seu antipapismo foi se efetivando até a formalização do cisma.

Mas Lutero, na qualidade de professor de teologia, em 1517, sabia, certamente, montar um discurso. Era alguém que dominava a arte da retórica. Hoje em dia, o que vemos é o Zé do youtube querendo bancar o Sêneca. Ganham visibilidade pelo grito : uma explosão de várias teorias paralelas que transitam, em espiral, dentro da cabeça oca.

Os protestantes-católicos de hoje - podemos chamá-los assim -, tentam salvar a Igreja do próprio Papa. Tal postura é fomentada pela ideia romântica de uma ‘idade de ouro do catolicismo’ que precisa ser resgatada. Como se a instituição tivesse escapado ilesa do mundanismo que corrompeu a sociedade em várias eras. A história de qualquer instituição humana é feita de luzes e sombras. E com a Igreja não é diferente.

A questão é que, à diferença de Lutero, esses indivíduos são rasos - extremamente rasos. Sem contar que há um abismo que separa Francisco do papado corrompido com o qual o pai da Reforma Protestante se deparou. O pontífice romano, nos idos do século XVI, estava mais preocupado em expandir as terras do Estado Pontifício que em ser pastor do seu rebanho.

No Brasil - e digo sem medo de errar - não há críticos do Papa atual; há opositores da pior qualidade, que sabem usar muito bem máquina de fake news em benefício próprio. E fazem isso sem nenhum peso na consciência, pois militam em nome dessa caricatura de catolicismo que é bastante lucrativa para eles.

Eles têm um ódio [político] a Francisco e estão dispostos a tudo para triturar a sua reputação.

A resistência, na maioria dos casos, não está relacionada ao catolicismo nem à defesa de valores. Até porque o Papa, para quem professa a ‘fé de Roma’, não é um padre qualquer. Sendo assim, minar a credibilidade do próprio líder, mentindo, significa considerá-lo insignificante. E considerá-lo insignificante, para quem professa a fé apostólica, é apostasia. Simples assim.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1586288

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