Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Papa Francisco durante realização de consistório público em 2015 | ACI Group/L'osservatore romano
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘O ‘super consistório’ que acontece nos dias 29 e 30
deste mês promete. E não estamos falando dos rumores que apontam para uma
renúncia do Papa. Em declarações recentes, ele já rebateu essas especulações. E
digo mais : à revelia de toda e qualquer investida de seus opositores,
Francisco está disposto a dar continuidade a seu mandato até onde suas forças
permitirem.
Mesmo
sem descartar a possibilidade de renúncia, amparado pelo precedente aberto por
Bento XVI, Francisco não pretende deixar a obra pela metade. Como pontífice
reformador, abriu esse canteiro de obras em 2013 e agora ajusta os últimos
detalhes do acabamento desse projeto que já era ensaiado pelo seu antecessor.
Os
papados contemporâneos têm essa característica : cada qual elege uma lista de
prioridades – o que é normal –, mas todos olham para a instituição conscientes
da tensão que existe entre Tradição e Progresso, com T e P maiúsculos. Para o
catolicismo, a Tradição é tão imutável quando viva, por isso consegue dialogar
com o presente. Se não dialogasse, até hoje a liturgia seria celebrada em grego
ou o Tribunal da Santa Inquisição continuaria operante.
Raniero
Cantalamessa, mesmo sem estar a par do programa de governo do pontífice
argentino na ocasião, já havia cantado essa bola na Sexta-feira Santa de 2013,
quando comparou a Igreja que Francisco acabara de assumir a um prédio que nunca
mudaria sua estrutura original, mas precisaria sempre de alguns retoques para
continuar desempenhando bem o seu papel. E o primeiro papa latino-americano da
história, pelo jeito, captou a mensagem.
A
Evangelii Gaudium, a exortação apostólica que foi apresentada como programa de
governo de Francisco, publicada em 2013, fez um diagnóstico completo dos pontos
que a instituição não poderia mais negligenciar. Francisco tem sido um
verdadeiro ‘explorador de lacunas’, que embora tenham sido teoricamente
tratadas em concílio, devem ser revisitadas.
Quase
10 anos depois, é este o saldo :
Reforma
da Cúria romana concluída. Sínodo para fazer ecoar essas mudanças em andamento.
Base de cardeais eleitores alinhados a seu governo bastante consistente. O que
falta agora?
Criar
a consciência ‘universal’ de que essa reforma não visa somente impactar as
estruturas, mas as mentalidades. E não é uma ‘mentalidade revolucionária’ que
precisa ser imposta, segundo a visão de Francisco. Até porque a palavra ‘revolução’,
se cair na malha das categorias politiqueiras do presente, perde completamente
o seu sentido, assim como aconteceu com o conceito de tradição, que foi
usurpado pelas confrarias católico-caóticas do presente.
Francisco
quer, na verdade, separar o que é essencial do que é acessório. Por isso ele
vai contra esse catolicismo estético que se impõe nos mais variados espaços, o
qual tenta ofuscar essa proposta de fazer sobressair a imagem da Igreja
Católica como o lugar onde as pessoas fazem uma experiência de fé, não uma
simples adesão a uma cartilha de preceitos.
No
dia 27 acontece o consistório para a criação de novos cardeais. E para
aproveitar a presença dos purpurados do mundo todo, que irão assistir ao
ingresso dos novos companheiros de cardinalato, Francisco convocou um
consistório extraordinário no dia 29 (que, como o nome sugere, só é organizado
para tratar de questões de extrema importância). Oficialmente, o evento servirá
para atualizar os membros do colégio sobre a reforma da Cúria Romana. Mas se o
documento já está pronto, por que a necessidade de repetir o que todo mundo já
sabe?
Francisco
é extremamente perspicaz. Muitos dos cardeais que ele criou não se conhecem.
Será uma oportunidade de criar essa interação, já visando o próximo conclave,
uma vez que o bloco de cardeais eleitores já está consolidado.
Outra
coisa : o sínodo ‘flopou’ em muitas regiões, principalmente naquelas onde o
pontificado de Francisco é assaltado, todos os dias, pelas fake news. Será uma
forma de transformar os cardeais, que representam o mundo todo, em ‘embaixadores’
desse processo, que entra na fase continental a partir do dia 26. Lembrando que
esse sínodo é a extensão ‘popular’ da reforma.
No
mais, estamos em tempos de Francisco. Agora só aguardar o desdobramento desses
eventos para ver qual será seu próximo passo.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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