sexta-feira, 26 de agosto de 2022

De olho no próximo consistório: o que vem por aí?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

 Papa Francisco durante realização de consistório público em 2015 | ACI Group/L'osservatore romano

*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


O ‘super consistório’ que acontece nos dias 29 e 30 deste mês promete. E não estamos falando dos rumores que apontam para uma renúncia do Papa. Em declarações recentes, ele já rebateu essas especulações. E digo mais : à revelia de toda e qualquer investida de seus opositores, Francisco está disposto a dar continuidade a seu mandato até onde suas forças permitirem.

Mesmo sem descartar a possibilidade de renúncia, amparado pelo precedente aberto por Bento XVI, Francisco não pretende deixar a obra pela metade. Como pontífice reformador, abriu esse canteiro de obras em 2013 e agora ajusta os últimos detalhes do acabamento desse projeto que já era ensaiado pelo seu antecessor.

Os papados contemporâneos têm essa característica : cada qual elege uma lista de prioridades – o que é normal –, mas todos olham para a instituição conscientes da tensão que existe entre Tradição e Progresso, com T e P maiúsculos. Para o catolicismo, a Tradição é tão imutável quando viva, por isso consegue dialogar com o presente. Se não dialogasse, até hoje a liturgia seria celebrada em grego ou o Tribunal da Santa Inquisição continuaria operante.

Raniero Cantalamessa, mesmo sem estar a par do programa de governo do pontífice argentino na ocasião, já havia cantado essa bola na Sexta-feira Santa de 2013, quando comparou a Igreja que Francisco acabara de assumir a um prédio que nunca mudaria sua estrutura original, mas precisaria sempre de alguns retoques para continuar desempenhando bem o seu papel. E o primeiro papa latino-americano da história, pelo jeito, captou a mensagem.

A Evangelii Gaudium, a exortação apostólica que foi apresentada como programa de governo de Francisco, publicada em 2013, fez um diagnóstico completo dos pontos que a instituição não poderia mais negligenciar. Francisco tem sido um verdadeiro ‘explorador de lacunas’, que embora tenham sido teoricamente tratadas em concílio, devem ser revisitadas.

Quase 10 anos depois, é este o saldo :

Reforma da Cúria romana concluída. Sínodo para fazer ecoar essas mudanças em andamento. Base de cardeais eleitores alinhados a seu governo bastante consistente. O que falta agora?

Criar a consciência ‘universal’ de que essa reforma não visa somente impactar as estruturas, mas as mentalidades. E não é uma ‘mentalidade revolucionária’ que precisa ser imposta, segundo a visão de Francisco. Até porque a palavra ‘revolução’, se cair na malha das categorias politiqueiras do presente, perde completamente o seu sentido, assim como aconteceu com o conceito de tradição, que foi usurpado pelas confrarias católico-caóticas do presente.

Francisco quer, na verdade, separar o que é essencial do que é acessório. Por isso ele vai contra esse catolicismo estético que se impõe nos mais variados espaços, o qual tenta ofuscar essa proposta de fazer sobressair a imagem da Igreja Católica como o lugar onde as pessoas fazem uma experiência de fé, não uma simples adesão a uma cartilha de preceitos.

No dia 27 acontece o consistório para a criação de novos cardeais. E para aproveitar a presença dos purpurados do mundo todo, que irão assistir ao ingresso dos novos companheiros de cardinalato, Francisco convocou um consistório extraordinário no dia 29 (que, como o nome sugere, só é organizado para tratar de questões de extrema importância). Oficialmente, o evento servirá para atualizar os membros do colégio sobre a reforma da Cúria Romana. Mas se o documento já está pronto, por que a necessidade de repetir o que todo mundo já sabe?

Francisco é extremamente perspicaz. Muitos dos cardeais que ele criou não se conhecem. Será uma oportunidade de criar essa interação, já visando o próximo conclave, uma vez que o bloco de cardeais eleitores já está consolidado.

Outra coisa : o sínodo ‘flopou’ em muitas regiões, principalmente naquelas onde o pontificado de Francisco é assaltado, todos os dias, pelas fake news. Será uma forma de transformar os cardeais, que representam o mundo todo, em ‘embaixadores’ desse processo, que entra na fase continental a partir do dia 26. Lembrando que esse sínodo é a extensão ‘popular’ da reforma.

No mais, estamos em tempos de Francisco. Agora só aguardar o desdobramento desses eventos para ver qual será seu próximo passo.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1586777

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