Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Antes de tratarmos do assunto, precisamos,
primeiramente, fazer algumas considerações.
A começar pela confusão que se fez, graças aos
comentários que surgiram dentro do cercadinho dos ‘influencers católicos’
que se consideram mais católicos que o Papa, mas mal conhecem o funcionamento
da instituição à qual pertencem.
Para início de conversa, é errado dizer que o sínodo
alemão foi pautado pelo Sínodo da Sinodalidade, uma assembleia universal
convocada pelo Papa Francisco em 2021, cujo encerramento está marcado para
2023. Quem diz isso, certamente não acompanha o sínodo atual ou sequer buscou compreender
como ele tem se estruturado.
Dito isso, vale ressaltar que um evento não tem
absolutamente nada a ver com o outro. O Sínodo da Alemanha, na verdade, iniciou
o seu percurso bem antes do sínodo pontifício.
Em 2019, os bispos alemães começaram a se reunir para
tratar da questão dos abusos sexuais envolvendo o clero local após a divulgação
de um dossiê que acusava a Conferência Episcopal Alemã de acobertar esses
casos. E diante desse quadro, o grupo de prelados resolveu convocar um sínodo
para falar sobre o escândalo e aproveitou a ocasião para ampliar o debate em
torno de outros assuntos. Eles privilegiaram 4 macroáreas : a liderança na
Igreja; a vida sacerdotal e os desafios do clericalismo, o papel da mulher na
instituição e a moral sexual.
Francisco chegou enviar uma carta apostólica aos
católicos alemães naquele ano incentivando a realização do evento,
principalmente por causa das motivações que levaram à sua realização :
recuperar a credibilidade da instituição e promover o enfretamento efetivo da pedofilia,
um tema caro ao pontificado de Francisco.
Lembrando que, para o catolicismo, o sínodo é um órgão
consultivo, não deliberativo, como ocorre em outras denominações cristãs.
Trata-se de um departamento pastoral que incentiva uma participação mais efetiva
dos bispos, enquanto membros do colégio episcopal. A Secretaria do Sínodo dos
Bispos, que é um dicastério permanente da Santa Sé desde 1967, atua como uma
espécie de ‘ouvidoria’ do sumo pontífice. Sendo assim, o que é proposto
pelos participantes, segundo as leis da Igreja, não tem força jurídica para
mudar a doutrina ou criar normas. Tudo, como se sabe, deve passar pelo aval de
Roma. E isso não mudou com Francisco.
A questão é que, no caso do sínodo alemão, as
propostas polêmicas repercutiram no resto do mundo, muito embora se tratasse de
uma convenção local. Alguns membros da assembleia se declararam a favor da
concessão de bênçãos religiosas a casais homoafetivos estáveis, do fim do
celibato e da ordenação de mulheres, por exemplo.
A Santa Sé respondeu a isso fazendo uma reforma
canônica em 2021, embora não tenha citado, diretamente, a Igreja na Alemanha. A
famosa reforma do livro VI, que trata da disciplina penal no Código de Direito
Canônico, incorporou à Carta Magna da Igreja a excomunhão a quem presidir a
ordenação de uma mulher, bem como àquele que ministrar os sacramentos a quem
está impedido de recebê-los.
Mas digamos que, embora as pautas fossem heterodoxas,
os sinodais estavam dentro da norma no que tange a liberdade de convocar e
realizar um sínodo. O debate é aberto. Não é o Vaticano quem propõe o
instrumentum laboris (a pauta do encontro), nesse caso.
Isso porque, principalmente na Europa, preserva-se a
tradição dos sínodos ‘provinciais’, que acontecem anualmente ou a cada
dois anos, dependendo do que foi acordado entre os membros daquela conferência
episcopal específica. Já o Concílio de Trento, do século XVI, incentivava a
realização dessas assembleias a nível territorial. E na história da Igreja,
principalmente na Idade Média, há relatos que atestam essa prática no Ocidente,
principalmente para resolver questões de ordem prática.
O Papa não impediu o processo todos esses anos, como
muitos queriam que ele fizesse porque, num sínodo local, dioceses e
conferências episcopais têm a liberdade de propor os temas a serem debatidos. E
estamos falando de igrejas particulares que estão enraizadas na tradição
sinodal, diferente do Brasil. É muito comum, em muitos países da Europa, que se
realizem essas reuniões esporadicamente.
Mas a tensão com Roma aumentou quando, entre as
propostas, sugeriram que as questões fossem estendidas à igreja universal, como
ideia de decidir sobre o fim do celibato num eventual concílio - como já
ocorreu no Vaticano II, mas a pauta foi retirada da mesa de discussões por Paulo
VI - e promover mudanças no Catecismo da Igreja Católica, principalmente na
parte que trata da moral sexual, atualizando o ensinamento da Igreja sobre a
homossexualidade.
O sínodo alemão, por enquanto, produziu somente um
documento : o que trata do fim do celibato, o qual recebeu mais de 80% de
aprovação dos participantes. Outros temas espinhosos ainda não foram submetidos
à votação. A ideia é de que isso aconteça entre outubro deste ano e início de
2023.
Após a sentença do Vaticano, os sinodais alemães manifestaram
indignação, dizendo que não tiveram a oportunidade de estabelecer uma
comunicação direta com Roma, reforçando que não pretendem impor nada
juridicamente. ‘É simplesmente o nosso dever - diz o comunicado oficial -
dizer claramente quais mudanças consideramos necessárias. E acreditamos que as
situações e os problemas por nós identificados sejam semelhantes em todo o
mundo’.
Por outro lado, foi o próprio Papa Francisco a
sinalizar que tem medo que ocorra um cisma, a depender dos rumos que o sínodo
for tomar.
‘Temos uma ótima igreja protestante na Alemanha.
Não precisamos de outra’, disse ele, em tom bem-humorado, ao ser
questionado sobre a questão.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1585545/2022/08/e-agora-o-que-vai-ser-do-sinodo-alemao/
Nenhum comentário:
Postar um comentário