Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Pintura mostra apóstolo Paulo e escrituras
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘Este é um conselho antigo e sempre oportuno : ‘Rivalizai-vos
em atenções’. Conselho vindo da escrita do sábio apóstolo Paulo, escrevendo aos
Romanos, a partir da preocupação pastoral e espiritual com o relacionamento
humano. A dimensão relacional tem importância determinante e incidente no
conjunto da vida social e política, bem como no ambiente familiar e
profissional. Já aos Gálatas, Paulo escrevia lembrando o mandamento maior -
amar ao próximo como a si mesmo. O mandamento maior, sublinha o apóstolo, é a
única inspiração correta para não incorrer, conforme diz Paulo, na abominação
de morder e devorar uns aos outros. Os seres humanos precisam agir com
fidelidade ao mandamento do amor para não se consumirem mutuamente, acentuando
o caos que leva a fracassos e prejudica a vida, dom precioso e sagrado que
habita cada pessoa. Importa deixar-se guiar pelo Espírito de Deus, o mestre
espiritual que ensina o ser humano a ‘rivalizar-se em atenções recíprocas’.
O
apóstolo Paulo focaliza a importância de se investir, com humildade, na mudança
da própria mentalidade. Assim, sempre e incondicionalmente, abrir-se ao bem. O
apóstolo constrói um itinerário precioso para convencer que esse investimento é
dimensão fundamental do verdadeiro culto dedicado a Deus, com consequentes
desdobramentos que qualificam a vida, superando circunstâncias que promovem a
morte, o terror, a violência e as disputas fratricidas, em razão de rancores e
ódios. Circunstâncias criadas também por convencimentos mesquinhos, quando se
busca vencer ‘a todo custo’, mesmo que a consequência possa significar
prejuízos ao bem comum e à sacralidade da vida. Ao invés dessa perspectiva
egoísta, Paulo orienta cada pessoa a não ter sobre si uma ideia muito elevada,
mas uma justa estima, para evitar que o orgulho contamine escolhas, posturas e modos
de se expressar. Cultivar excessiva estima sobre si mesmo compromete a
indispensável humildade, pode levar à mesquinhez, gerar a insolência, motivar
vinganças, na contramão do amor fraterno.
Quem
guarda excessiva estima sobre si mesmo acha-se no direito de formular
argumentos para defender o próprio lado ou partido, mesmo que isto signifique
distanciar-se da verdade. Corre, ainda, o risco de gerar comprometimentos que
atingem a dignidade do próximo, prejudicando o bem maior, mais importante que o
brio individual ou os interesses particulares. Importa decisivamente ter bom
senso, não comprometendo, instrui o apóstolo Paulo, a medida da fé que Deus deu
a cada um. A compreensão a respeito dessa medida pode ser aprofundada a partir
da metáfora do corpo, detalhada pelo apóstolo em alguns de seus escritos. Ele
sublinha que todas as pessoas são membros de um só corpo. Cada um exercendo
função diferente. Assim, embora muitos, todos, em Cristo, são ‘um só corpo’,
membros uns dos outros, com dons diferentes, prestando serviços. Nenhuma pessoa
deve se julgar proprietária desse ‘corpo’. Reconhecendo-se parte dele, precisa
alegrar-se por promover a vida, sem apegos ou disputas, sem se morder e
devorar-se uns aos outros.
Ganha
sentido e grande alcance, considerados os muitos conflitos que geram prejuízos
na contemporaneidade, o conselho precioso ‘rivalizai-vos em atenções’. Isto não
significa, obviamente, dedicar-se a cortesias que são demagogias interesseiras,
ou motivadas pelo simples cultivo da boa imagem sobre si. Acolher o conselho do
apóstolo Paulo é exercício capaz de qualificar o tecido da cultura
contemporânea. Uma urgência ante os muitos cenários – das relações globais às
regionais, dos contextos políticos e cidadãos à vida em família – onde a
fraternidade está sendo substituída por belicosidades. Gestos violentos e
irresponsáveis, falas agressivas, entrincheiramentos e disputas fecham corações
e poluem mentes. Consideradas as necessidades de mudança, não basta simplesmente
exigir adequadas estratégias governamentais ou eficazes funcionamentos da
organização social e política. Há uma responsabilidade determinante e
insubstituível de cada cidadão, que precisa rivalizar-se em atenções
recíprocas.
Nesse
sentido, a Doutrina Social da Igreja Católica, fundamentada no Evangelho de
Jesus Cristo, é referência para fecundar práticas transformadoras, com
incidência na organização de instituições sociais e, também, na qualificação da
subjetividade humana. Dentre os princípios reunidos na Doutrina Social da
Igreja está o da igualdade de natureza entre todas as pessoas. Reconhecer essa
igualdade debela preconceitos e discriminações, criando condições para a
superação das vergonhosas desigualdades sociais. Trata-se de importante passo
na direção do humanismo integral, investimento da Igreja Católica, em parceria
e interface com outras instituições da sociedade civil.
O
investimento no humanismo integral não se efetiva a partir de subjetivismos ou
da desconsideração da complexa realidade social, política, cultural e
econômica. Ao invés disso, exige esta atitude humanística de cada pessoa :
rivalizar-se em atenções recíprocas, dedicando-se ao próximo, contribuindo para
o bem de todos, com a política melhor e com o qualificado exercício da
cidadania. Vale a humildade de ser aprendiz da prática de ‘rivalizar-se em
atenções’, para que floresçam solidariedades, diálogos e intuições dos passos
novos, impulsionando a recomposição de tecidos sociopolíticos, por uma nova
configuração civilizatória.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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