Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Ricardo Perna,
jornalista
Na clausura, tudo se faz de
forma diferente
‘No Mosteiro da Cartuxa, em
Évora, o Natal é diferente. Em silêncio e contemplação, os monges vivem este
tempo de festa com tanto ou maior entusiasmo que as famílias que se reúnem. A
FAMÍLIA CRISTÃ esteve lá, visitou a clausura e conta-lhe a história de um Natal
diferente do habitual.
Se alguém lhe dissesse que os
seus ingredientes de um Natal perfeito eram jejum, oração prolongada e
silêncio, acharia estranho? Pois bem, era muito pouco provável que, de fato,
alguém lhe dissesse isso, pois é possível que os únicos que utilizam esses
ingredientes sejam monges e vivam em clausura no Mosteiro Cartuxa Scala Coeli,
em Évora (e noutros mosteiros que a congregação tem em todo o mundo) e não têm
contacto com ninguém.
Os monges da Cartuxa serão,
provavelmente, os mais radicais na escolha da forma de passar o Natal. Jejum,
oração e silêncio parecem estranhos a quem pensa no Natal como a festa da
família, quando todos se reúnem à volta da mesa para festejar, ou vão juntos à
Missa do Galo, que é uma celebração alegre e de ação de graças. Mas fazem todo
o sentido. «Por ser, para nós, um dia de festa tão importante, pede-nos uma
união maior com Deus e portanto passamo-lo em silêncio e oração. É uma vivência
tão forte da liturgia e da união com Deus que não nos dá vontade de falar»,
diz-nos o Pe. Antão Lopez, superior da comunidade da Cartuxa, monge há 60 anos,
50 deles passados ali, em Évora.
Num mosteiro em que se divide o
dia em três partes idênticas (oito horas cada) de descanso, oração ou leitura e
trabalho, as festas maiores da Igreja são celebradas com ainda mais empenho e
oração. Existem, na Cartuxa, três momentos comunitários : uma oração à
meia-noite, missa pela manhã e oração de vésperas pela tarde. Comunitários, mas
em silêncio, que o convívio entre os monges apenas acontece aos domingos,
depois da missa dominical e durante o almoço.
No Natal, no entanto, o
processo é ligeiramente diferente. O dia 24 é de jejum a pão e água, «em
memória da morte de Nosso Senhor», como o é todas as sextas-feiras ou
vésperas de dias santos. À noite, pelas 23 horas, começa a Missa do Galo,
conforme é mais vulgarmente conhecida, e as orações prolongam-se por cerca de
quatro horas, ao que se segue o descanso. No dia 25, segue a festa da
celebração do nascimento de Jesus, mas sempre em silêncio, com as orações das
horas intermédias a serem rezadas nas celas. «Temos muita liturgia, mas não
temos convivência neste dia, a não ser com Deus», explica-nos o Pe. Antão.
Esta convivência mais comunitária
surge apenas dia 26. «No dia 26 é como se fosse domingo. Comemos juntos ao
almoço e ficamos durante a tarde em convívio até ao lanche, que também
partilhamos em conjunto, ao contrário dos domingos normais», conta o Pe.
Antão. Um processo que deixa espantados os noviços, e as próprias famílias dos
monges, que «reclamam» destas regras, comenta o Pe. Antão, divertido. «Os
noviços estranham, mas quando nos sintonizamos com a nossa oração, eles
compreendem e faz sentido. Já as nossas mães reclamam muito (risos)»,
confidencia o sacerdote espanhol, que conta que nesta altura do ano não há
visitas nem comunicações. «Nós renunciamos à nossa família de sangue, e não
os visitamos, são eles quem nos visita. Este é um dos maiores sacrifícios que
os jovens que entram na Cartuxa sentem, e na altura do Natal mais um pouco. O
Natal vive-se na Cartuxa em família. Dia 24 estamos em família em oração, dia
25 gostamos de estar em silêncio a falar com Deus, e 26 estamos juntos, mas sem
a família de sangue. Até procuramos evitar que venham nesta altura, vêm mais no
verão, até porque seria complicado ter aqui todas as famílias, e nós não
queremos ‘perder’ esse tempo, já que queremos estar em oração. Mas sabemos que
é doloroso, por outro lado, passar esse tempo sem eles», diz.
Um isolamento nem
sempre isolado por causa da fé das pessoas
O Mosteiro da Cartuxa não está
aberto a visitas. Se por um lado é essencial que assim seja, para preservar o
isolamento em que os monges resolveram viver, por outro é uma pena que não se
possa sentir a paz e o silêncio retemperador que ali se vive, conforme testemunhou
a reportagem da FAMÍLIA CRISTÃ. Os corredores vazios e o silêncio que penetra
no espírito elevam a alma. Cheios deste espírito de Deus, os monges nem
precisam de trocar prendas no Natal. A oração é o presente de Deus e o
convívio, o presente que oferecem uns aos outros os cinco monges que ali vivem.
«Não trocamos prendas, somos comunistas (risos). Temos na cela apenas o que
precisamos, e não temos nada para dar a ninguém. Entre nós não somos sequer ‘proprietários
da bengala que usamos’, diz a nossa Regra de vida, e por isso o convívio e a
conversa é o presente que trocamos uns com os outros», conta o Pe. Antão.
Mas isso não significa que o
Natal não seja marcado por gestos externos. «No dia de Natal enfeitamos mais
a igreja e temos um presépio grande», conta o Pe. Antão, que recorda um
monge português, antigo jogador do Sporting, que, «por ser negro, colocava
Baltazar, o Rei Mago negro, sempre à frente dos outros dois». «Fazemos
um grande presépio e vamos avançando os Reis Magos um pouco cada dia. Só no dia
6 de janeiro é que são colocados frente ao Menino Jesus», diz o sacerdote e
monge.
Este isolamento dos monges da
Cartuxa não significa um corte com o mundo de fora. Seria impossível, a avaliar
pela quantidade de telefonemas, cartas e pedidos que recebem. O Pe. Antão
celebra semanalmente uma missa numa capela do mosteiro que está fora da
clausura e que tem sempre «cerca de 30 carros parados à porta», com
amigos, vizinhos e pessoas que vêm de longe porque «gostam da simplicidade
de uma missa toda rezada».
De fora vêm também muitas
prendas na altura do Natal. «Doces, comidas, oferecem-nos até demais para
nós. Recebemos muito porque os amigos se lembram de nós», reconhece o
superior do mosteiro da Cartuxa. Prendas, mas intenções de oração também. «Como
superior, que atende também o telefone, esse é um assunto para mim comovente.
Ao contrário de outros mosteiros da Cartuxa, aqui há muita religiosidade
popular e muito pedido de oração, por telefone, carta ou e-mail. Pedem que
reze pelo filho que tem o casamento em crise, ou o marido que está a morrer,
nem se identificam, por vezes. Rezamos por todas as intenções que nos são
pedidas, nas várias missas que temos. E algumas pessoas ligam-nos mais tarde a
falar sobre o que sucedeu e como a graça foi atingida. Tínhamos um padre de
Lisboa que nos encomendava muitas intenções da sua paróquia, e depois
ligava-nos sempre a dizer como tinham corrido as coisas», diz o Pe. Antão,
que acrescenta que «não precisamos do feedback, porque sabemos que Deus
nos escuta, mas é sempre agradável receber essas notícias». No Natal, não
há intenções especiais. «São as mesmas de todo o ano. Mas ligam-nos muitas
vezes para desejar um Feliz Natal», conta.
Em silêncio e contemplação, o
Natal tem um sabor tão igual para estes monges como para as famílias que se
reúnem em festa ruidosa. O Deus Menino nasce para todos, e cada um vive essa
festa ao seu jeito particular. E você que nos lê, como escolhe viver o seu
Natal?’
Fonte : *Artigo
na íntegra
https://pt.aleteia.org/2014/12/23/o-natal-do-silencio-e-da-oracao/
https://pt.aleteia.org/2014/12/23/o-natal-do-silencio-e-da-oracao/2/
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