Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘As viagens do papa Francisco –
e daqueles que o antecederam – não são escolhidas ao léu. Há planejamento,
pesquisa, seleção de convites oficiais recebidos e trâmites diplomáticos. E o
estilo de governo do pontífice reinante pesa muito na hora da decisão. Todo
papa tem ‘seu mapa de bolso’, que é elaborado a partir do que ele
considera fatores irrenunciáveis dentro do seu programa de governo.
A geopolítica do líder da
Igreja Católica atual contempla, principalmente, as periferias – as físicas e
as existenciais. Ele vai a lugares nunca antes visitados por um papa. Transita
entre territórios devastados pela guerra e conforta aqueles que são perseguidos
por causa da religião que professam.
Quando vai a países ricos, pede
solidariedade e empatia para com aqueles que pedem abrigo. Não se conforma com
a constatação de que a desigualdade social continua a imperar justamente nos
países de maioria cristã. Lugares onde os refugiados, cuja maioria é forçada a
migrar por causa da miséria extrema e dos conflitos, têm encontrado mais ‘hostilidade
que hospitalidade’, como ele gosta de dizer.
Por causa disso, Francisco
sempre leva na bagagem discursos que condenam essas contradições. Quando
visitou o Congresso dos Estados Unidos, em 2015, fez questão de tratar de um
dos temas mais urgentes da atualidade : a crise dos refugiados.
‘Essa realidade nos coloca
diante de grandes desafios e muitas duras decisões. Também neste continente,
milhares de pessoas são levadas a viajar ao norte em busca de melhores
oportunidades. Não é isso que queremos para os nossos filhos? Não devemos nos
assustar com o seu número, mas vê-las como pessoas, olhando para seus rostos e
escutando suas histórias, tentando responder da melhor forma possível a essas
situações. Responder de uma maneira sempre humana, justa e fraterna’,
disse.
Naquele dia, ele também se
apresentou como um imigrante filho de imigrantes. E aproveitou a ocasião para
reforçar que construir pontes é a sua missão. Com isso, ele evocara um dos
atributos históricos do próprio papado : o de conciliar, de ‘ligar’, de
ser um pontifex. E quem insiste em tirar do papa a liberdade de
focar em tais questões, certamente não compreendeu qual o papel do Vicarius
Christi – e, em âmbito político, do soberano do Estado do Vaticano
dentro do panorama internacional.
A viagem a Chipre e Grécia, que
acontece de 2 a 6 de dezembro, é mais uma tentativa de chacoalhar as
consciências sobre o drama vivido por quem é forçado a deixar sua terra.
Na Ilha grega de Lesbos, na
Grécia, volta a visitar o maior campo de refugiados da Europa. Em Chipre, por
sua vez, encontra um país que registra um aumento exponencial do número de
migrantes. O pequeno país, que fica localizado na parte oriental do mar
mediterrâneo, é visto pelos refugiados como a rota de passagem para se chegar a
outros países europeus. Mas quando chegam lá, acabam se deparando com um lugar
do qual é quase impossível sair. Ao norte, o território é controlado pela
Turquia; ao sul, está sob a jurisdição da República de Chipre, o único lado
reconhecido pela Organização das Nações Unidas, e que faz parte da União
Europeia.
Há situações muito concretas
que fazem Francisco insistir no tema da imigração : Belarus, Líbia e Oriente
Médio. E suas viagens a Chipre (em curso), Líbano e Congo – essas duas últimas,
previstas para acontecerem no ano que vem – são uma prova de que ele vai
continuar tratando do assunto por um bom tempo.
Após a oração mariana do
Ângelus, do último domingo (8), ele nomeou cada uma dessas realidades :
‘Sinto dor diante das
notícias da situação em que tantos deles se encontram: dos que morreram no
Canal da Mancha; dos que estão nas fronteiras da Belarus, muitos dos quais são
crianças; dos que se afogam no Mediterrâneo. Tanta dor ao pensar neles. Dos que
são repatriados para o Norte da África, capturados por traficantes, que os
transformam em escravos : vendem as mulheres, torturam os homens... Dos que,
também nesta semana, tentaram atravessar o Mediterrâneo em busca de uma terra
de bem-estar e encontraram aí, ao invés, uma sepultura’, reforçou.
Estamos diante da maior crise
migratória desde a Segunda Guerra Mundial. E o pontífice não pode,
simplesmente, fechar os olhos para essa condição.
A viagem para Chipre promete.
Antes de o papa viajar, havia rumores de que ele viabilizaria, mais uma vez, a
entrada de migrantes na Itália. Embora o Vaticano não tenha confirmado a
informação, o governo de Chipre garantiu que a tratativa para a realização
dessa transferência estava em curso.
Quando fez isso pela primeira
vez na Grécia, em 2016, Francisco conseguiu trazer 12 pessoas para Roma. Cinco
anos depois, essas famílias que, de quebra, ainda pegaram carona no avião do
pontífice na época, agradecem ao pontífice pela oportunidade de reconstruir a
vida por aqui. Todos eles foram assistidos pelo corredor humanitário liderado
pela comunidade Sant’Egidio, da Igreja Católica, em parceria com outras
denominações cristãs.
E é sempre bom recordar que o
primeiro compromisso público do papa argentino, após sua eleição como 266°
sucessor de Pedro, foi à Ilha de Lampedusa, a cidade que fica localizada no sul
da Itália e é o principal ponto de desembarque de migrantes que atravessam o
mar mediterrâneo em busca de melhores condições de vida. A maioria vem da
Líbia, onde ocorre do tráfico de pessoas à exploração sexual de mulheres e crianças
nos centros de detenção para os quais essas pessoas voltam quando são barradas
em alto-mar.
Existe um modo melhor de a
Europa fazer jus à suas raízes cristãs que tornando-se um modelo de
solidariedade para o mundo? Acredito que não, já que essa é justamente,
regra-base do cristianismo.’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1553442/2021/12/a-pratica-leva-a-perfeicao/
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