Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Pe. Raniero Cantalamessa, OFM,
pregador oficial da Casa Pontifícia (Vaticano)
Reflexão sobre a Constituição Sacrosanctum
Concilium
‘1. O Concílio
Vaticano II : um afluente, não o rio
Nessas
meditações quaresmais eu gostaria de continuar a reflexão sobre outros grandes
documentos do Vaticano II, depois de meditar no Advento, na Lumen Gentium. Mas
creio que é útil fazer uma premissa. O Vaticano II é um afluente, não é o rio.
Em seu famoso trabalho sobre ‘O
Desenvolvimento da Doutrina Cristã’, o beato Cardeal Newman declarou
enfaticamente que parar a tradição em um ponto do seu curso, mesmo sendo um
concílio ecumênico, seria torna-la uma morta tradição e não uma ‘tradição viva’. A tradição é como uma
música. O que seria de uma melodia que parasse numa nota, repetindo-a ad infinitum? Isso acontece com um disco
que arranha e sabemos o efeito que produz.
São João
XXIII queria que o Concílio fosse para a Igreja ‘como um novo Pentecostes’. Em um ponto, pelo menos, essa oração foi
ouvida. Após o Concílio houve um despertar do Espírito Santo. Ele não é mais ‘o desconhecido’ na Trindade. A Igreja
tornou-se mais consciente de sua presença e de sua ação. Na homilia da Missa
crismal da Quinta-feira Santa de 2012, o Papa Bento XVI afirmava :
‘Quem olha para a história da época
pós-conciliar é capaz de reconhecer a dinâmica da verdadeira renovação, que
frequentemente assumiu formas inesperadas em movimentos cheios de vida e que
torna quase palpável a vivacidade inesgotável da Santa Igreja, a presença e a
ação eficaz do Espírito Santo’.
Isso não
significa que nós podemos desprezar os textos do Concílio ou ir além deles;
significa reler o Concílio à luz dos seus próprios frutos. Que os concílios
ecumênicos possam ter efeitos não compreendidos no momento, por aqueles que
fizeram parte deles, é uma verdade evidenciada pelo próprio cardeal Newman
sobre o Vaticano I [1], porém
testemunhada mais vezes na história. O concílio ecumênico de Éfeso do 431, com
a definição de Maria como Theotokos, Mãe de Deus, procurava afirmar a unidade
da pessoa de Cristo, não aumentar o culto à Virgem, mas, de fato, o seu fruto
mais evidente foi precisamente este último.
Se há uma
área em que a teologia e a vida da Igreja Católica foi enriquecida nestes 50
anos de pós-concílio, é certamente a relacionada ao Espírito Santo. Em todas as
principais denominações cristãs, estabeleceu-se nesses últimos tempos, aquilo
que, com uma expressão cunhada por Karl Barth, foi chamada de ‘a Teologia do Terceiro artigo’. A
teologia do terceiro artigo é aquela que não termina com o artigo sobre o
Espírito Santo, mas começa com ele; que leva em conta a ordem com que se formou
a fé cristã e o seu credo, e não só o seu produto final. Foi, de fato, à luz do
Espírito Santo que os apóstolos descobriram quem era realmente Jesus e a sua
revelação sobre o Pai. O credo atual da Igreja é perfeito e ninguém sequer
sonha em muda-lo, porém, ele reflete o produto final, o último estágio
alcançado pela fé, não o caminho através do qual se chega a isso, enquanto que,
em vista de uma renovada evangelização, é vital para nós conhecer também o
caminho por meio do qual se chega à fé, não só a sua codificação definitiva que
proclamamos no credo de memória.
A esta luz
aparece claramente as implicações de determinadas afirmações do concílio, mas
aparecem também os vazios e lacunas a serem preenchidos, em especial,
precisamente sobre o papel do Espírito Santo. Já tomava nota desta necessidade
São João Paulo II, quando, por ocasião do XVI centenário do concílio ecumênico
de Constantinopla, em 1981, escrevia em sua Carta Apostólica, a seguinte
afirmação :
‘Todo o trabalho de renovação da Igreja, que
o Concílio Vaticano II tão providencialmente propôs e iniciou […] não pode ser
realizado a não ser no Espírito Santo, isto é, com a ajuda da sua luz e do seu
poder [2]’.
2. O lugar do Espírito Santo na liturgia
Esta
premissa geral é particularmente útil ao lidar com o tema da liturgia, a
Sacrosanctum concilium. O texto nasce da necessidade, sentida por um longo
tempo e por muitos, de uma renovação das formas e ritos da liturgia católica. A
partir deste ponto de vista, os seus frutos foram muitos e, no conjunto,
benéficos para a Igreja. Menos advertida era, naquele momento, a necessidade de
debruçar-se sobre aquilo que, seguindo Romano Guardini, geralmente chama-se ‘o espírito da liturgia [3]’, e que – no sentido que vou
explicar – eu chamaria mais de ‘a
liturgia do Espírito’ (Espírito com letra maiúscula!).
Fies à
intenção declarada destas nossas meditações de valorizar alguns aspectos mais
espirituais e interiores dos textos conciliares, é precisamente neste ponto que
eu gostaria de refletir. A SC dedica a isso só um curto texto inicial, fruto do
debate que precedeu a redação final da constituição [4] :
‘Em tão grande obra, que permite que Deus
seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa
sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por
meio dele rende culto ao Eterno Pai. Com razão se considera a Liturgia como o
exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam
e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo
Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público
integral. Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo
sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada par excelência, cuja
eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra
ação da Igreja [5]’.
É nos
indivíduos, ou nos ‘atores’ da
liturgia que hoje somos capazes de perceber uma lacuna nesta descrição. Os
protagonistas aqui realçados são dois : Cristo e a Igreja. Falta qualquer
alusão ao lugar do Espírito Santo. Também no resto da Constituição, o Espírito
Santo nunca é sujeito de um discurso direto, só nomeado aqui e ali, e sempre ‘oblíquo’.
O Apocalipse
nos diz a ordem e o número completo dos atores litúrgicos quando resume o culto
cristão na frase : ‘O Espírito e a Esposa
dizem (a Cristo, o Senhor), Vem!’ (Ap 22, 17). Mas Jesus já havia
manifestado perfeitamente a natureza e a novidade do culto da Nova Aliança no
diálogo com a Samaritana : ‘Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros
adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores
que o Pai deseja’. (Jo 4, 23).
A expressão ‘Espírito e Verdade’, à luz do
vocabulário joanino, só pode significar duas coisas : ou ‘o Espírito de verdade’, ou seja, o Espírito Santo (Jo 14, 17;
16,13) ou o Espírito de Cristo, que é a verdade (Jo 14, 6). Uma coisa é certa :
não tem nada a ver com a explicação subjetiva, cara a idealistas e românticos,
de que ‘espírito e verdade’,
indicariam a interioridade escondida do homem, em oposição a qualquer culto
externo e visível. Não se trata só apenas da passagem do exterior para o
interior, mas da passagem do humano para o divino.
Se a
liturgia cristã é ‘o exercício da função
sacerdotal de Jesus Cristo’, a melhor maneira de descobrir a sua natureza,
é ver como Jesus exerceu a sua função sacerdotal em sua vida e em sua morte. A
tarefa do sacerdote é oferecer ‘orações e sacrifícios’ a Deus (cf. Hb 5,1;
8,3). Agora sabemos que era o Espírito Santo que colocava no coração do Verbo
feito carne o grito ‘Abba’! que
encerra toda a sua oração. Lucas observa explicitamente quando escreve : ‘Naquela mesma hora Jesus exultou de alegria
no Espírito Santo e disse : Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra…’
(cf. Lc 10, 21). A própria oferta do seu corpo em sacrifício na cruz aconteceu,
segundo a Carta aos Hebreus, ‘em um
Espírito eterno’ (Hb 9, 14), isto é, por um impulso do Espírito Santo.
São Basilio
tem um texto esclarecedor.
‘O caminho do conhecimento de Deus procede do
único Espírito, através do único Filho, até o único Pai; inversamente, a
bondade natural, a santificação segundo a natureza, a dignidade real, se
difundem do Pai, por meio do Unigênito, até o Espírito [6]’.
Em outras
palavras, a ordem da criação, ou da saída das criaturas de Deus, parte do Pai,
passa através do Filho e chega a nós no Espírito Santo. A ordem do conhecimento
ou do nosso retorno a Deus, do qual a liturgia é a expressão mais alta, segue o
caminho oposto : parte do Espírito, passa através do Filho e termina no Pai.
Essa visão descendente e ascendente da missão do Espírito Santo está presente
também no mundo latino. O beato Isaac de Stella (sec. XII), expressa em termos
muito próximos aos de Basílio :
‘Como as coisas divinas desceram a nós pelo
Pai, pelo Filho e o Espírito Santo, ou no Espírito Santo, então, as coisas
humanas sobem ao Pai por meio do Filho, e [no] Espírito Santo [7]’.
Não se
trata, como podemos ver, de ser, por assim dizer, o torcedor de uma ou de outra
das três pessoas da Trindade, mas de salvaguardar o dinamismo trinitário da
liturgia. O silêncio sobre o Espírito Santo, inevitavelmente, atenua o caráter
trinitário da liturgia. Por isso parece-me particularmente oportuno a chamada
que São João Paulo II fazia na Novo Millennio Ineunte :
‘Obra do Espírito Santo em nós, a oração
abre-nos, por Cristo e em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender esta
lógica trinitária da oração cristã, vivendo-a plenamente sobretudo na liturgia,
meta e fonte da vida eclesial, mas também na experiência pessoal, é o segredo
dum cristianismo verdadeiramente vital, sem motivos para temer o futuro porque
volta continuamente às fontes e aí se regenera [8]’.
3. A adoração ‘no espírito’
Vamos tentar
tirar, a partir dessas premissas, algumas orientações práticas para o nosso
modo de viver a liturgia e fazer que ela execute uma das suas principais
tarefas, que é a santificação das almas. O Espírito Santo não autoriza inventar
novas e arbitrárias formas de liturgia ou modificar de própria iniciativa
aquelas existentes (tarefa que cabe a hierarquia). Ele é o único, no entanto,
que renova e dá vida a todas as expressões da liturgia. Em outras palavras, o
Espírito Santo não faz coisas novas, mas faz novas as coisas! A palavra de
Jesus repetida por Paulo : ‘É o Espírito
que dá vida’ (Jo 6, 63; 2 Cor 3, 6) aplica-se principalmente à liturgia.
O apóstolo
exortava os fiéis a orar ‘no Espírito’
(Ef 6:18; cf. também Judas 20). O que significa orar no Espírito? Significa
permitir que Jesus continue a exercer o próprio ofício sacerdotal no seu corpo
que é a Igreja. A oração cristã se torna uma extensão no corpo da oração do
chefe. É conhecida a afirmação de Santo Agostinho :
‘Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é
aquele que reza por nós, reza em nós e que é rezado por nós. Reza por nós como
nosso sacerdote, reza em nós como nosso chefe, é rezado por nós como nosso
Deus. Reconheçamos, portanto, nele, a nossa voz, e em nós a sua voz [9]’.
A esta luz,
a liturgia nos aparece como o ‘Opus Dei’,
a ‘obra de Deus’, não só porque tem
Deus por objeto, mas também porque tem Deus como sujeito; Deus não é só rezado
por nós, mas reza em nós. O mesmo grito, Abbá! que o Espírito, vindo a nós,
dirige ao Pai (Gl 4, 6; Rm 8, 15) mostra que quem reza em nós, pelo Espírito, é
Jesus, o Filho único de Deus. Por si mesmo, de fato, o Espírito Santo não
poderia dirigir-se a Deus, chamando-o Abbá, Pai, porque ele não é ‘gerado’, mas somente ‘procede’ do Pai. Se pode fazê-lo é
porque é o Espírito de Cristo que continua em nós a sua oração filial.
E,
especialmente, quando a oração torna-se cansaço e luta é que se descobre toda a
importância do Espírito Santo para a nossa vida de oração. O Espírito se torna,
então, a força da nossa oração ‘fraca’,
a luz da nossa oração apagada; em uma palavra, a alma da nossa oração.
Verdadeiramente, ele ‘irriga o que é
árido’, como dizemos na sequência em sua honra.
Tudo isso
acontece por fé. Basta eu dizer ou pensar : ‘Pai, tu me deste o Espírito de Jesus; formando, portanto, ‘um só
Espírito’ com Jesus, eu recito este Salmo, celebro esta santa missa, ou estou
simplesmente em silêncio, aqui em sua presença. Quero dar-te aquela glória e
aquela alegria que te daria Jesus, se fosse ele a orar ainda da terra’.
O Espírito
Santo vivifica especialmente a oração de adoração que é o coração de toda
oração litúrgica. A sua peculiaridade deriva do fato de que é o único
sentimento que podemos alimentar única e exclusivamente para com as pessoas
divinas. É o que distingue o culto de latria do culto de dulia reservado aos
santos e de hiperdulia reservado à Santa Virgem. Nós veneramos Nossa Senhora,
não a adoramos, ao contrário do que algumas pessoas pensam dos católicos.
A adoração
cristã é também trinitária. É trinitária no seu desenvolvimento, porque é
adoração feita ‘ao Pai, por meio do
Filho, no Espírito Santo’, e é trinitária no seu fim, porque é adoração
feita junto ‘ao Pai e ao Filho e ao
Espírito Santo’.
Na
espiritualidade Ocidental, quem desenvolveu mais a fundo o tema da adoração foi
o cardeal Pierre de Bérulle (1575-1629). Para ele, Cristo é o perfeito adorador
do Pai, que precisa unir-se para adorar a Deus com uma adoração de valor
infinito [10]. Escreve :
‘Desde toda a eternidade, havia um Deus
infinitamente adorável, mas não havia ainda um adorador infinito; […] Tu es
agora, oh Jesus, este adorador, este homem, este servidor infinito por
potência, qualidade e dignidade, para satisfazer plenamente este dever e fazer
esta homenagem divina [11]’.
Se existe
uma lacuna nesta visão, que também deu à Igreja belos frutos e moldou a
espiritualidade francesa por séculos, essa é a mesma que temos colocado em
destaque na constituição do Vaticano II : a pouca atenção dada ao papel do
Espírito Santo. Do Verbo encarnado, o discurso de Bérulle muda para a ‘corte real’ que o segue e o acompanha :
a Santa Virgem, João Batista, os apóstolos, os santos; falta o reconhecimento
do papel essencial do Espírito Santo.
Em qualquer
movimento de retorno a Deus, lembrou-nos São Basílio, tudo parte do Espírito,
passa através do Filho e termina no Pai. Não basta, portanto, recordar de vez
em quando que existe também o Espírito Santo; é necessário reconhecer-lhe o
papel de elo essencial, tanto no caminho de saída das criaturas de Deus quanto
no de retorno das criaturas a Deus. O abismo existente entre nós e o Jesus da
história está cheio do Espírito Santo. Sem ele, tudo na liturgia é somente
memória; com ele, tudo é também presença.
No livro do
Êxodo, lemos que, no Sinai, Deus indicou para Moisés uma cavidade na rocha, e
escondido no interior dela ele poderia contemplar a sua glória sem morrer (cf.
Ex 33, 21). Comentando este passo, o próprio São Basílio escreve :
‘Qual é hoje, para nós cristãos, aquela
cavidade, aquele lugar, onde podemos refugiar-nos para contemplar e adorar a
Deus? É o Espírito Santo! De quem aprendemos? Do próprio Jesus que disse : Os
verdadeiros adoradores adorarão o Pai em Espírito e verdade! [12]’
Que
perspectivas, que beleza, que poder, que atração tudo isso dá ao ideal da
adoração cristã! Quem não sente a necessidade de esconder-se de vez em quando,
no vórtice rodopiante do mundo, naquela cavidade espiritual para contemplar a
Deus e adorá-lo como Moisés?
4. Oração de intercessão
Junto com a
adoração, um componente essencial da oração litúrgica é a intercessão. Em toda
a sua oração, a Igreja não faz mais do que interceder : por si mesma e pelo
mundo, pelos justos e pelos pecadores, pelos vivos e pelos mortos. Também esta
é uma oração que o Espírito Santo quer animar e confirmar. Dele São Paulo
escreve :
‘Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa
fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o
Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que perscruta
os corações sabe o que deseja o Espírito, o qual intercede pelos santos,
segundo Deus.(Rm 8, 26-27)’.
O Espírito
Santo intercede por nós e nos ensina a interceder, por sua vez, pelos outros. Fazer
oração de intercessão significa unir-se, na fé, a Cristo ressuscitado que vive
em um estado constante de intercessão pelo mundo (cf. Rm 8, 34; Heb 7, 25; 1
João 2, 1). Na grande oração com a qual concluiu a sua vida terrena, Jesus nos
oferece o exemplo mais sublime de intercessão.
‘Rogo por eles, por aqueles que me deste. […]
Guarde-os no teu nome. Não peço que os tires do mundo, mas que os pretejas do
mal. Consagra-os na verdade. […] Não rogo somente por estes, mas também por
aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim… (Jo 17, 9ss)’.
Do Servo
Sofredor se diz, em Isaías, que Deus lhe dá em prêmio as multidões ‘porque carregava os pecados de muitos e
intercedia pelos pecadores’ (Is 53, 12) : Essa profecia encontrou o seu
perfeito cumprimento em Jesus que, na cruz, intercede pelos seus executores
(cf. Lc 23, 34).
A eficácia
da oração de intercessão não depende de ‘muitas
palavras’ (cf. Mt 6, 7), mas do grau de união que se consegue ter com as
disposições filiais de Cristo. Mais do que as palavras de intercessão, deve-se,
pelo contrário, multiplicar os intercessores, ou seja, invocar a proteção de
Maria e dos Santos. Na festa de Todos os Santos, a Igreja pede a Deus para ser
ouvida ‘pela abundância dos intercessores’
(‘multiplicatis intercessoribus’).
Multiplicam-se
os intercessores até quando se rezam uns pelos outros. Diz Santo Ambrósio :
‘Se você orar por você, só você vai orar por
você, e se cada um só reza por si, a graça que alcança será menor com relação
àquele que intercede pelos outros. Ora, dado que os indivíduos rezam por todos,
acontece também que todos rezam pelos indivíduos. Portanto, para concluir, se
você reza somente por você, você é o único que reza por você. Mas se, pelo
contrário, você reza por todos, todos rezarão por você, estando você no meio
daqueles todos [13]’.
A oração de
intercessão é, portanto, agradável a Deus, porque é mais livre de egoísmo,
reflete mais de perto a gratuidade divina e está de acordo com a vontade de
Deus, que quer ‘que todos os homens sejam
salvos’ (cf. 1 Tm 2, 4). Deus é como um pai compassivo que tem o dever de
punir, mas que tenta todas as desculpas possíveis para não ter que fazê-lo e é
feliz, em seu coração, quando os irmãos do culpado conseguem detê-lo dessa
punição.
Se faltam
esses braços fraternos estendidos a Deus, Ele próprio reclama disso na
Escritura : ‘Ele viu que não havia
ninguém, maravilhou-se porque ninguém intercedia’ (Is 59, 16). Ezequiel
transmite-nos esta lamentação de Deus : ‘Busquei
entre eles um homem que levantasse um muro e se colocasse na brecha perante
mim, para defender o país, para que eu não o devastasse, porém não o encontrei’
(Ez 22, 30).
A palavra de
Deus enfatiza o extraordinário poder que tem junto a Deus, pela sua própria
disposição, a oração daqueles que Ele colocou no comando do seu povo. Diz-se em
um salmo que Deus havia decidido exterminar o seu povo por causa do bezerro de
ouro, ‘se Moisés não tivesse se
interposto diante dele para evitar a sua ira’ (cf. Sl 106, 23).
Aos pastores
e guias espirituais ouso dizer : quando, na oração, vocês sentirem que Deus
está zangado com o povo que vos foi confiado, não tomem rapidamente o partido
de Deus, mas do povo! Assim fez Moisés, até o ponto de protestar e de querer
ser riscado, ele próprio, com eles, do livro da vida (cf. Ex 32, 32), e a
Bíblia deixa claro que isto era justamente o que Deus queria, porque ele ‘abandonou a intenção de prejudicar o seu
povo’. Quando se está diante do povo, então, devemos dar razão, com toda a
força, a Deus. Quando Moisés, pouco depois, encontrou-se na frente do povo,
então se acendeu a sua ira : esmagou o bezerro de ouro, dispersou o pó na água
e fez as pessoas engolirem a água (cf. Ex 32: 19ss). Somente aquele que
defendeu o povo diante de Deus e carregou o peso do seu pecado, tem o direito –
e terá a coragem –, depois, de brigar com o próprio povo, em defesa de Deus,
como fez Moisés.
Terminemos
proclamando juntos o texto que melhor reflete o lugar do Espírito Santo e a
orientação trinitária da liturgia, que é a doxologia final do cânon romano : ‘Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós, Deus
Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e glória, agora e
para sempre. Amém.’’
Fonte :
*Artigos na íntegra
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[1] Cf. I. Ker, Newman,
the Councils, and Vatican II, in ‘Communio’. International Catholic Review, 2001, pp. 708-728.
[2] João Paulo II, Carta apostólica A
Concilio Constantinopolitano I, 25 marzo 1981, in AAS 73 (1981) 515-527.
[3] R.Guardini, Vom Geist del Liturgie,
23 ed., Grünewald 2013; J. Ratzinger, Der Geist del Liturgie,
Herder, Freiburg, i.b., 2000.
[4] Storia del concilio Vaticano II, organizado por G. Alberigo, vol. III, Bologna 1999,
p 245 s.
[6] S. Basílio de Cesareia, De Spiritu
Sancto XVIII, 47 (PG 32 , 153).
[7] B. Isacc de Stella, De anima (PL
194, 1888).
[9] S. Agostinho, Enarrationes in Psalmos 85, 1:
CCL 39, p. 1176.
[10] M. Dupuy, Bérulle, une spiritualité de
l’adoration, Paris 1964. .
[11] P. de Bérulle, Discours de l’Etat et
des grandeurs de Jésus (1623), ed. Paris 1986, Discours II, 12.
[12] S. Basílio, De Spiritu Sancto,
XXVI,62 (PG 32, 181 s.).
[13] S. Ambrósio, De Cain et Abel, I, 39 (CSEL
32, p. 372).