*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo
Metropolitano de Belém, PA
‘‘Chegaram algumas pessoas trazendo a Jesus
notícias a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando o sangue
deles com o dos sacrifícios que ofereciam. Ele lhes respondeu : ‘Pensais que
esses galileus eram mais pecadores do que qualquer outro galileu, por terem
sofrido tal coisa? Digo-vos que não. Mas se vós não vos converterdes,
perecereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito que morreram quando a torre
de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro
morador de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes,
perecereis todos do mesmo modo’’ (Lc 13, 1-15).
Alguém pode até
pensar que se trata de crônica policial, com fatos hoje corriqueiros e
incapazes de nos assustar, tal a frequência de massacres, violência e
acidentes! Mas aqui se trata de uma proposta séria de reação inteligente,
baseada na fé, diante dos acontecimentos. Não dá para passar ao largo de todas
as muitas provocações vindas do dia a dia, sem acolher a misteriosa e efetiva
mensagem que Deus quer efetivamente oferecer-nos, exigindo nossa reação. Deus
nos fala continuamente e pede sempre o mesmo, a conversão, palavrinha
provocante que significa mudar de mentalidade e de rota!
Mudar de mentalidade! A Campanha da Fraternidade em curso remete os
cristãos que dela participam e apela a todas as pessoas de boa vontade para o
cuidado com a nossa casa comum, a partir do intrigante tema do saneamento
básico. Impressiona o fato de que se torna necessário que os responsáveis pela
vida eclesiástica tenham que vir a público, quase a suplicar que alguém se
desperte e tome providências efetivas quanto ao cuidado com a água, o
recolhimento do lixo, o esgoto sanitário e daí por diante! São elementos tão ‘escondidos’ até debaixo da terra, cujo
cuidado já deveria ser dado por descontado pela cidadania e pelos responsáveis
pela administração pública! Só que a mente precisa ser mudada para que as ações
a ela correspondam. O bem dos outros e o bem comum, no qual cada um de nós está
incluído, há de passar na frente do escandaloso prazer de sujar ruas e praças
ou desperdiçar água, ou ainda destruir o patrimônio público! Mais ainda, há de
mudar a banalização da vida, vilipendiada e destruída diante dos olhos de
todos.
Podemos ir mais a
fundo na questão, com a coragem de perguntar ao conjunto da sociedade a
respeito dos motivos para tanta inversão de valores! É que começamos a plantar
há muito tempo. Quando Deus deixa de ser o centro
e o polo de referência, todo o resto desmorona. O ser humano, a natureza ou
qualquer outro ideal, jogam fora o próprio sentido, quando Deus é excluído! Não
somos fruto do acaso! Quando a humanidade ‘escolheu
o acaso’, gerou o individualismo, espalhou-se como relativismo, confundiu
as peças do tabuleiro da sociedade e da vida! Reconstruir tudo, ajuntando os
cacos já está dando trabalho e pedirá muito esforço do conjunto da sociedade.
A Palavra de Deus
e a experiência sofrida e maravilhosa dos cristãos suscitaram alguns passos. É
incrível, mas começa quando paramos, tomamos consciência de nossos inúmeros
erros, temos a coragem de reconhecê-los como ‘pecados’, descobrimos que prejudicar os outros ou a própria vida e
ainda a natureza toca na raiz de nossa existência! E lá vai o pecador,
arrependido e suplicante, corajoso para se enrubescer de vergonha no
confessionário, pedir perdão e sair disposto a recomeçar pela enésima vez,
levantar a cabeça e melhorar! Vem da sabedoria do Papa Francisco uma magnífica
palavra : ‘A confissão não deve ser uma
tortura. Todos devem sair da confissão com a alegria no coração, com o rosto
radiante de esperança, mesmo se às vezes, como sabemos, molhado pelas lágrimas
da conversão e da alegria’. Sim, o mundo já mudou para melhor quando alguém
começou a ser diferente!
Saindo dos muitos
confessionários à disposição, trata-se de mudar a rota! Começar a amar o
próximo que está ao nosso redor, tratar os bens da natureza com maior carinho,
privilegiar o bem que é feito, diminuir a amargura com a qual se comentam os
fatos da sociedade, fazer menos propaganda dos crimes correntes, relatar
experiências positivas, participar de iniciativas comunitárias, quem sabe
reaprender a sorrir e cumprimentar com maior delicadeza, fazer-se um com os
outros, sem pretender justificar as opções egoístas de quem quer ficar ‘na sua’ e ainda afirma que ninguém tem
nada com isso!
A quem considera
irreais tais propostas, aqui está o resto da conversa de Jesus, por sinal à
disposição dos interessados nas missas do terceiro domingo da Quaresma. Vale a
pena acolhê-la e ainda ir à missa para ouvir a Boa Nova proclamada e celebrada
na Igreja : ‘Jesus contou esta parábola :
‘Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi lá procurar figos e
não encontrou’. Então disse ao agricultor : ‘Já faz três anos que venho
procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Para que está
ocupando inutilmente a terra?’ Ele, porém, respondeu : ‘Senhor, deixa-a ainda este ano. Vou cavar em
volta e pôr adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então a cortarás’’
(Lc 13, 6-9). O tempo não perdoa quem não o respeita! Há que aproveitá-lo e
transformá-lo em oportunidade de salvação. Não desperdiçar a paciência de Deus,
que oferece de tudo para o nosso crescimento e a conversão. Fazer penitência para afofar a terra de nosso coração, acreditar nas
graças que são oferecidas! Temos tempo!
Há poucos dias, em
Ciudad Juarez, no México, o Papa Francisco, referindo-se é pregação do profeta
em Nínive, assim se expressou : ‘Jonas
ajudou a ver, a tomar consciência. Que se passa depois? O seu apelo encontra
homens e mulheres capazes de se arrependerem, capazes de chorar : deplorar a
injustiça, deplorar a degradação, deplorar a opressão. São as lágrimas que
podem abrir o caminho à transformação; são as lágrimas que podem abrandar o
coração, são as lágrimas que podem purificar o olhar e ajudar a ver a espiral
de pecado em que muitas vezes se está enredado. São as lágrimas que conseguem
sensibilizar o olhar e a atitude endurecida, e sobretudo adormecida, perante o
sofrimento alheio. São as lágrimas que podem gerar uma ruptura capaz de nos
abrir à conversão. Foi assim com Pedro, depois de ter renegado Jesus; chorou e
as lágrimas abriram-lhe o coração. Hoje esta palavra ressoa vigorosamente no
meio de nós; esta palavra é a voz que clama no deserto e nos convida à
conversão. Neste Ano da Misericórdia, quero implorar convosco neste lugar a
misericórdia divina, quero pedir convosco o dom das lágrimas, o dom da
conversão’. Pedindo o dom da conversão, deixemo-nos envolver com o manto da
misericórdia!’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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