*Artigo
de Giorgio Brocco,
Doutorado em Antropologia social e cultural,
Universidade Livre de Berlim
A Tanzânia é o país do mundo com maior percentagem
de albinos. Crianças e adultos com a anomalia continuam a ser vítimas de um
mercado oculto, favorecido por superstições, que utiliza o seu corpo e sangue
em rituais que visam atrair riqueza, saúde e sorte.
‘«Sisi, kama albino, watu weny ulemavu wa
ngozi, hapa nchini Tanzania, tuna matatizo mengi sasa kama muda wote!». «Nós, enquanto albinos, pessoas com
albinismo, aqui na Tanzânia temos muitos problemas agora e sempre!»
Foram estas as
palavras que um dos responsáveis da organização das pessoas com albinismo na
Tanzânia (Tanzania Albinism Society) pronunciou num encontro no hospital do
Ocean Road Cancer Institute, em Dar es Salaam. Era Março e no dia anterior
tinha recebido a notícia de uma outra, mais uma, criança com albinismo, na
região de Geita, subtraída com violência à mãe e barbaramente assassinada. O
seu corpo teria sido encontrado cerca de uma semana depois numa fossa, com os
membros amputados. Desde o início de 2000, foram registadas por parte das
autoridades tanzanianas cerca de 76 mortes e mais de 100 agressões contra
pessoas com albinismo nas regiões dos Grandes Lagos (Mwanza, Shinyanga, Tabora,
etc.).
As razões destas
atrocidades podem encontrar-se na marginalização social das pessoas com
albinismo e no chamado ‘mercado do oculto’,
no seio do qual vigora a crença de que os membros e o sangue das pessoas com
albinismo podem trazer riqueza e sorte aos garimpeiros de minerais, aos
pescadores das indústrias limítrofes do lago Vitória e a poderosos homens de
negócios tanzanianos. Por tais motivos, aumentam as atrocidades e os homicídios
contra os albinos, por exemplo, por altura das eleições nacionais, como as que
se realizaram no passado 25 de Outubro.
O estigma
O albinismo é uma
anomalia que se manifesta fenotipicamente por meio da falta de pigmentação da
pele, do cabelo e das pupilas. Na Tanzânia, embora não se tenha feito ainda um
recenseamento nacional, calcula-se que a percentagem de pessoas com albinismo
seja claramente superior à média europeia e americana : cerca de um indivíduo
por cada 20 mil. O Governo tanzaniano calculou – no último recenseamento
nacional, realizado em 2012 – que a população com albinismo seja composta por
ao menos 16 mil indivíduos, equivalente a 0,04 % num total de quase 45 milhões
de habitantes. Segundo outras fontes, entre as quais a prestigiada revista Bmc
Public Health Journal, haveria no país cerca de uma pessoa com albinismo em
cada 4 mil indivíduos.
Na Tanzânia,
chamam-lhes habitualmente zeruzeru (fantasma), dili (oferta) e mzungu (europeu,
pessoa de pele branca). Termos ofensivos, testemunho direto do estigma e da
discriminação de que são vítimas. Uma discriminação que se perpetua desde há
muito pelas ruas das aldeias e das cidades tanzanianas. Mas que se manifesta
também a nível oficial. Um sinal disso está patente no vocabulário da língua
suaíli (Kamusi ya Kiswahili Sanifu) : zeruzeru, de fato, é indicado, juntamente
com albino, como termo para designar as pessoas com albinismo.
A sua
marginalização nas comunidades, também por razões econômicas, contribuiu para o
seu isolamento e reforçou os preconceitos. Até há alguns anos, nas pequenas
aldeias do distrito de Kilolo (região de Iringa) era corrente a ideia de que o
albinismo era uma maldição (laana) infligida pelos antepassados ou por Deus,
pelas malfeitorias realizadas no passado por um dos membros, à família em que
tinha nascido a criança com esta anomalia congénita. Ainda hoje, uma mulher que
dê à luz uma criança com albinismo é considerada pela comunidade, e em alguns
casos pelo próprio marido, um ser fraco (mtu mgonjwa) enquanto não der à luz um
indivíduo ‘saudável’. Em alguns
casos, só o fato de se olhar para uma pessoa com albinismo, ou comer alimentos
confeccionados por ela, pensa-se que possa causar o nascimento de prole com
aquele problema.
E as
discriminações acontecem mesmo nas grandes cidades, e não apenas nas povoações
rurais. Em Dar es Salaam ou em Iringa alguns empregadores decidiram não admitir
pessoas com albinismo porque consideradas incapazes de desenvolver tarefas
simples, porque não são dotadas de suficientes capacidades intelectivas.
Todavia, a cidade é mais inclusiva e oferece maiores oportunidades do que as
zonas rurais. Para uma melhoria da situação concorrem também os novos meios de
comunicação, Internet e as campanhas de sensibilização conduzidas por
organizações governamentais e não-governamentais. Não é por acaso que termos
como ‘albino’ ou mtu mwenye ulamavu
wa ngozi (‘pessoa com deficiência da pele’)
estejam muito difundidos em Dar es Salaam ou em Mwanza, comparativamente a
outros lugares.
Mortes em massa e
excluídos
De 2008 até hoje,
o Governo assumiu muitas medidas para conter o fenômeno das mortes das pessoas
com albinismo. Na sequência de pressões da comunidade internacional, o
presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete, condenando as atrocidades em relação a
estas pessoas, afirmou várias vezes pretender organizar uma força conjunta
composta pelo exército, pelos membros de algumas organizações de curandeiros
tradicionais (waganga wa jadi) para descobrir os malfeitores e os ‘bruxos’ que cometem tais barbáries
contra pessoas com albinismo. Em Março deste ano, foi sentenciada a condenação
à morte de quatro indivíduos culpados de terem matado uma menina, e as listas
nacionais de curandeiros tradicionais foram ulteriormente revistas e atualizadas.
Por seu lado, a
Tas (Tanzânia Albinism Society) e a UTSS (Under the Same Sun) – uma ONG
cristã-pentecostal fundada no Canadá – são muito ativas em organizar campanhas
de sensibilização em todo o país. Dia 13 de Junho é a data escolhida para
celebrar o Dia Internacional do Albinismo em Arusha, declarado pela Assembleia
Geral das Nações Unidas. Além disso, a UTSS, desde a sua criação em 2008,
distribuiu mais de 320 bolsas de estudo a pessoas com albinismo,
prodigalizando-se na distribuição em larga escala de cremes solares, em
colaboração com o Kilimanjaro Christian Medical Center. A estrutura sanitária,
fundada pela Good Samaritarian Foundation, dispõe de um centro de dermatologia
avançado para o tratamento de cancros da pele e lançou um programa para
produzir cremes solares in loco e distribuí-los gratuitamente em todo o país.
Também as
comunidades cristãs e muçulmanas tanzanianas se mobilizaram de imediato para
condenar o fenômeno dos homicídios cometidos na região dos Grandes Lagos e para
iniciar programas humanitários a fim de distribuir cremes solares e
medicamentos à população com albinismo.
O Exército de
Salvação, por exemplo, distribui bolsas de estudo aos estudantes com albinismo
de algumas escolas primárias no distrito de Itala, em Dar es Salaam; também a
Muzdafarah Charity Organization, com a ajuda do embaixador turco, lançou um
programa para a distribuição de cremes solares e medicamentos.
O que é o albinismo?
O albinismo é uma
anomalia genética que produz um defeito na produção de melanina. Esta
irregularidade é a causa da ausência total ou parcial de pigmentação da pele,
dos olhos e dos cabelos. O albinismo é hereditário e afeta todas as raças.
De acordo com um
estudo publicado pelo Instituto Nacional de Saúde, dos Estados Unidos, uma em
cada 17 mil pessoas tem albinismo em todo o mundo.
A Tanzânia é o
país com maior percentagem de albinos. Estima-se que no país africano um em
cada 1400 habitantes seja albino, ou seja, sete vezes mais do que no resto do
mundo.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuuAulZpAFphZBZNpZ
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