*Artigo
de Marta Arrais,
Professora
‘Temos
cada vez mais frio. O fervilhar que nos queimava a beirinha da pele da alma,
que nos fazia querer curar todas as feridas do mundo, foge-nos e arrefece-nos.
Temos cada vez mais frio. Amontoam-se coisas que não precisamos nos corredores
de tudo o que somos. Compramos o que não nos faz falta para sentir que
conseguimos ter algo que nos pertence de verdade, que é nosso. Vamos
anoitecendo e arrefecendo perante o espreitar da consciência que nos assegura
que estamos cada vez mais perdidos. Ajoelhamo-nos diante do que brilha mas não
tem luz. Rendemo-nos ao que nos dá uma amostra de alegria para depois perdermos
o riso outra vez. Guardamo-nos de sentir e de amar para proteger as paredes do
nosso coração e, com esse escudo vazio, fazemos nascer mais dor. Estamos
perdidos. Olhamos como quem procura o que não pode ser visto. Sentado ao nosso
lado está Jesus. Põe a mão na nossa. Esgueira o seu coração para mais perto do
nosso e espera-nos. Espreita-nos. Não nos diz nada porque os grandes amigos
sabem ler as entrelinhas do nosso silêncio. Enterramos a cara nas mãos sujas da
tristeza que cultivamos e não encontramos Jesus. Ele, respirando as esperanças
que tem em nós, coloca-se à nossa frente e acena com a mão. No centro do seu
aceno está cravada a sombra da sua chaga. Atrás do Seu olhar está a luz de um
dia de sol. Temos cada vez mais frio. Somos pobres e a nossa fé parece uma
roupa rasgada, coçada e triste. Temos tudo e somos pobres. Estamos magros de
esperança. Temos fome de luz. Estamos surdos de amor. Amputados nos gestos.
Jesus quer-nos pobres de coração, mas quer que vistamos a alma de lavado. Não
quer que nos arrastemos dentro das nossas faltas de tudo. Das nossas falsas
riquezas. Jesus quer-nos pobres de amor, para que sintamos sempre a falta de
amar melhor. Quer que voltemos a ser crianças e que tenhamos saudades do seu
colo. Quer que saibamos nascer outra vez quando a vida nos despir de
possibilidades e de sonhos. Tudo nos parece incrivelmente difícil. Enrolamos o
corpo nas nossas dificuldades e adormecemos a pensar que Jesus fez as malas e
partiu de nós. Mas Aquele que nunca desiste embala-nos num sono ausente de
medos e feridas e sopra-nos aos ouvidos do coração o mais bonito de todos os
segredos :
«Ser pobre é querer ser sempre mais. Ser
pobre é querer ter sempre menos. Ser pobre é guardar o perdão no lugar do
rancor e da vingança. Ser pobre é querer abrir os braços a quem já nos espera.
Ser pobre é ser menino. Que, mesmo tendo tudo, valoriza e ama aquilo que não
cabe em lugar nenhum. A alegria de quem nunca se cansa de ser alegre. Ser pobre
é continuar a ser tudo mesmo quando já não se tem mais nada.»’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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