*Artigo
de Fernando Félix, Jornalista,
e Christian Media Center
O Mali reconstruiu os 14 mausoléus da
cidade de Timbuctu que foram destruídos pelos extremistas islâmicos quando
ocuparam o Norte do país em 2012. A pérola do deserto do Saara recobra parte do
seu corpo, mas uma parte da alma do seu saber quase milenar já não vai renascer
das cinzas.
‘Durante
o conflito no Mali, entre 2012 e 2013, os extremistas islâmicos destruíram 14
dos 16 mausoléus da cidade de Timbuctu, Patrimônio Mundial da UNESCO desde
1988.
Quando, naquele
ano de 2012, um golpe de Estado depôs o presidente malinês democraticamente
eleito, Amadou Toumani Touré, o consequente derrube do poder estatal deu ao
grupo separatista tuaregue do Movimento Nacional de Libertação do Azauade
(MNLA) a possibilidade de declarar unilateralmente a independência da parte
norte do país. Estes dois acontecimentos precipitaram o surgimento de três
grupos islamistas : Ansar Dine, MUJAO (Movimento para a Unidade e a Jihad na
África Ocidental) e Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM). Estes grupos
encontraram o caminho livre e, em poucos dias, conquistaram as cidades
setentrionais do Mali, entre as quais Timbuctu, nas mãos dos tuaregues do MNLA.
A partir desse momento, o grito de guerra santa ressoou por todo o Norte do país
e, em particular, na histórica cidade malinesa, que foi meta de peregrinação
para os fiéis muçulmanos da África Ocidental, centro da cultura islâmica entre
os séculos XIII e XVII e se afirmou como foco cultural do mundo árabe, atraindo
milhares de estudantes de todo o mundo. Os movimentos islamitas trataram de
implantar um governo fundamentado numa interpretação rigorosa da lei islâmica –
a sharia – nas zonas sob o seu controlo.
A capital
religiosa e cultural malinesa foi sempre considerada o El Dorado do mundo
árabe, ao ponto de na Europa se discutir a sua existência ou não até inícios de
1800, quando teve finalmente a prova, com o regresso do explorador francês René
Caillé.
Dois séculos
antes, em 1526, o diplomata, geógrafo e explorador mourisco Leão, o Africano,
quando chegou a Timbuctu, escreveu encantado e fascinado com a beleza desta
cidade com as cores do deserto do Saara : «Aqui
havia uma grande quantidade de doutores, juízes, sacerdotes e outros homens de
cultura […] Aqui chegaram diversos manuscritos e livros escapados da barbárie,
que são vendidos a um preço mais alto do que qualquer outro bem.»
Não obstante, a
beleza desta pérola do deserto não conseguiu travar a brutalidade da ideologia
da guerra santa, segundo a qual «o dever
do muçulmano é defender o Islã aniquilando os infiéis», como infundem os
imãs (pregadores do culto islâmico) radicais. De fato, tudo o que, segundo
eles, vai contra os princípios do fundamentalismo sunita tem de ser destruído –
o sunismo deriva da palavra «suna»
(sunna), que se refere aos preceitos estabelecidos no século VIII, baseados nos
ensinamentos de Maomé e dos quatro califas ortodoxos.
Foi em nome deste
fundamentalismo que, em Timbuctu, foram destruídos e vandalizados manuscritos
antigos, mesquitas, mausoléus, santuários e tumbas sagradas dos pais fundadores
da cidade, venerados por séculos como santos. A Unesco qualificou tais atos
como trágicos e solicitou a todos os países envolvidos no conflito que atuassem
com responsabilidade.
Graças à
intervenção do Exército francês em apoio ao Governo do Mali, em Junho de 2013
assinou-se um acordo de paz entre o Governo e as forças tuaregues, que foi
violado por diversas vezes, até nova assinatura em 20 de Fevereiro de 2015.
Entretanto, a cidade de Timbuctu ficou livre dos fundamentalistas islâmicos e
foi assim que, em Março de 2014, puderam ter início os trabalhos de
reconstrução dos mausoléus destruídos. Fundamental foi também o apoio logístico
da Missão das Nações Unidas no Mali (Minusma) e as ajudas internacionais, de Andorra,
Bahrain, Croácia, ilhas Maurício, da Unesco e da União Europeia.
Se os monumentos
recobram a vida, recorrendo mesmo à técnica artesanal da arquitetura feita de
barro, o mesmo não sucederá com o conhecimento milenar e plural dos livros e
manuscritos queimados.
Os monumentos de
Timbuctu
No princípio do
século XII, Timbuctu, situada na margem norte do rio Níger, era um acampamento
temporário dos tuaregues, um povo nômade do deserto. Em finais do século XIII,
já tinha crescido e o sultão do Mali mandou construir a torre da Grande
Mesquita. Dois séculos mais tarde, já possuía três importantes mesquitas e uma
prestigiada universidade, onde chegaram mais de 25 mil estudantes que ali
encontravam os melhores professores de Teologia, Direito, Gramática, História
ou Astrologia.
Atualmente, a
cidade era já uma sombra do seu passado. No entanto, ainda havia reflexos da
sua rica história, como a muralha de cerca de cinco quilômetros, as três
mesquitas, a biblioteca famosa que guardava manuscritos e foi incendiada pelos
islamitas, o centro de estudos Ahmed Baba, que tinha uma coleção de 20.000
manuscritos árabes antigos, o palácio Buctú, as residências dos exploradores, o
museu Almansour Korey, o mercado, os 16 mausoléus de santos, a arquitetura
feita de barro e as, também típicas e únicas no mundo, portas requintadamente
trabalhadas, arte que requereu uma dedicação longa dos artesãos.
O grupo islamita
Ansar al-Dine justificou a destruição dos mausoléus, dizendo que «os santuários são uma forma de idolatria, o
que não é permitido pela lei do Islã». E a queima dos manuscritos tem por
base uma crença já com os mesmos resultados ao longo da História : as bibliotecas seriam como um repositório das memórias, crenças,
valores, fantasias, criações, histórias e sabedoria de pessoas, coisas que, ou
não estão no Alcorão e, por isso, são obra dos infiéis, ou estão no Alcorão, e,
portanto, estão a mais.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuVuylZyZlsykTpLIU
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