*Artigo de Dom Mamerto Menapace, OSB
O monginho achava-se na igreja. Começava
a primavera, quando o sol fica mais fraco e lá fora, tudo canta a vida. Era o
início da tarde e ele se encontrava sentado num banco da igreja, entre
meditando e distraído. Pela janela aberta entrava a luz, o calor e muitos seres
pequeninos e vivos moviam-se no ar.
Na realidade não estava distraído, mas
absorto. Havia um pensamento que o vinha perseguindo há vários dias. Talvez
fosse por causa da primavera que começava. O certo é que há muitos dias vinha
se perguntando sobre a eternidade do céu. Sobretudo questionava-o a idéia de
uma realidade que nunca teria fim e da qual Deus o convidava a participar
também.
Era um monginho ativo, cheio de vida,
curioso e inteligente, esperto e sonhador. Não entendia como Deus conseguiria
manter o interesse numa realidade que seria eterna. Porque ele não conseguia
passar meia hora sem ter de mudar de ocupação ou de lugar. Assustava-se com a
idéia de permanecer para sempre em algo eterno.
Estava pensando nisso e, adormecendo,
quando de repente um pequeno pássaro que acabava de entrar pela janela chamou
sua atenção. Parecia uma avezinha simples e sobretudo mansa.
Depois de um curto vôo, foi colocar-se
a dois ou três bancos adiante do monginho. Não pareceu importar-se com sua
presença. Após um momento de silêncio, levantou a cabecinha e deu um delicioso
gorjeio que encheu de ecos o silêncio da igreja.
Quando o canto repetiu-se novamente o
monginho, sem pensar no que fazia, levantou-se e se aproximou do passarinho que
não demonstrou medo. Simplesmente deu outro pequeno salto e foi colocar-se no
encosto do banco seguinte enquanto gorjeava novamente um trinado. Mas desta
vez, o canto era modulado de maneira diferente. Parecia mais belo e mais
sonoro. Além disso, ao dar o sol sobre suas penas, havia coloridos que antes
não haviam aparecido. Maravilhado, nosso amigo só fez com que a avezinha
repetisse seu curto vôo até outro banco mais adiante.
E assim, de vôo em vôo, de trinado em
trinado, ambos foram se dirigindo até a porta da igreja. O monginho estava tão
entusiasmado que nem se dava conta do que fazia. Simplesmente ia atrás da ave
canora, que a cada instante mostrava um novo colorido ou exprimia uma harmonia
diferente e sempre mais bela. Atravessaram a porta, cruzaram o jardim, saíram
pelo grande portão que dava para o bosque do outeiro vizinho e finalmente se
adentraram enel sem se dar conta de que iam se afastando cada vez mais do
mosteiro. Quanto tempo transcorreu desde aquele momento não o soube então o
monge. Porque, passo a passo, e indo atrás da encantadora ave, foi perdendo a
noção das horas e da distância.
Mas, finalmente a avezinha deu um
gorjeio como nunca havia dado, e batendo suas pequenas asas, perdeu-se entre a
folhagem do bosque.
Então, subitamente, o monginho voltou a
si e assustou-se ao ver que já era tarde. Voltou sobre seus passos, amedrontado
por não reconhecer o caminho que o havia conduzido até ali. Mas do alto do
bosque onde se encontrava, às vezes via entre a folhagem o mosteiro e assim ia
se situando. O que no entanto estranhava profundamente era não conseguir
encontrar a porta por onde havia saído. Ao entardecer, por mais que procurasse
onde ela estaria, não pode achá-la. Contornado o mosteiro, afinal deu com a
porta principal. Contudo, o que via parecia-lhe estranho. Nada era agora
familiar e sentia-se como de outro mundo.
Tocou a campainha e veio atender um
velho irmão porteiro com uma longa barba branca. Não o reconheceu. Inteiramente
atrapalhado e temendo um equívoco, perguntou timidamente se aquele era o
mosteiro de São Pantaleão. O monge porteiro respondeu-lhe que sim e perguntou,
por sua vez o que desejava. Nosso monginho, perplexo, pediu que lhe abrisse a
porta para voltar à sua cela e desculpar-se com o mestre de noviços. Está claro
que o porteiro não entendeu nada e não sabia o que pensar. Tratar-se-ia de
alguma brincadeira de um dos monges disfarçado? Ou então seria algum louco que
confundia as coisas?
Não sabendo como proceder, pediu-lhe
amavelmente que se assentasse esperasse o abade, a quem ia chamar em seguida.
Quando este veio, tampouco reconheceu o monginho nem este o abade.
Cumprimentaram-se e começaram a conversar. O noviço, aflito, contou o que lhe
havia acontecido aquela tarde ou talvez – não sabia – na tarde anterior. Como
abandonara a igreja e o mosteiro indo atrás daquela rara avezinha de canto e
plumagem continuamente cambiante que o havia fascinado e levado atrás dela.
Também abriu seu coração ao abade confessando que sentia tudo diferente ao seu
redor e não conseguira reconhecer nada do que via. Nem podia reconhecer com
quem estava falando.
Vocês imaginarão como estaria perplexo
o abade diante daquele estranho e desconhecido monginho que contava uma
história tão bela e extraordinária. Supôs que se trataria de um jovem
desorientado e mentalmente enfermo que estava inventando uma história sobre sua
própria vida, ainda que o fazia tão bem que não podia negar a realidade dos
fatos que verdadeiramente coincidiam com as daquele velho mosteiro. Como era um
homem bom e não queria ferir o jovem com o que pensava interiormente, decidiu
tentar convencê-lo mediante o registro dos monges, para lhe mostrar que seu
nome nunca estivera inscrito naquele mosteiro.
Trouxeram o livro de registro onde há
séculos vinham anotando os monges que ali haviam vivido e, folha por folha,
começando pelas últimas, foi mostrando que efetivamente ali não estava seu
nome. Mas, de repente, ao folhear ao acaso o livro, seus olhos depararam com
algo insólito. Uma página estava metade em branco. E para sua surpresa, ali
aparecia o nome do monginho, com todos os seus dados e uma nota em vermelho que
dizia simplesmente : ‘Desapareceu numa
tarde no bosque sem deixar rastros’. Era uma página escrita 227 anos atrás.
Esta bela história termina assim : ‘O jovem se deu conta que sem o saber,
seguira durante todos esses 227 anos a avezinha, sem se cansar nem envelhecer.
E experimentou um tal desejo de ir ao céu, que ali mesmo...despertou de seu
sono, no banco da igreja, naquele entardecer’.
Já era hora
das Vésperas.
Fonte
:
*
Dom Mamerto Menapace, OSB, abade
emérito de Santa Maria de Los Toldos (Argentina); foi Presidente da Congregação
Beneditina da Santa Cruz do Cono Sur.
- Artigo publicado em Cuadernos
Monásticos 75 – 1985.
Revista Beneditina nrº 11, Julho/Agosto
de 2005, traduzido do espanhol e editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro
da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.
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