sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Império meroítico : A civilização do deserto

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Padre Jorge Naranjo, Missionário Comboniano
e Fernando Félix, jornalista

‘Em Assuã, a 867 quilómetros a sul do Cairo, situava-se a primeira das seis cataratas que alteravam o plácido curso do rio Nilo à sua passagem pela região que, com o decurso do tempo, passaria a chamar-se Núbia (como existiam ali minas de ouro em grande quantidade, os árabes chamaram a este local nuba. Na escrita hieroglífica, nub significa ‘ouro’. Os Núbios eram filhos de colonos sul-egípcios com escravas nilotas). Antes disso, no período faraónico, o território a sul de Assuã era conhecido como Cuxe, e era a sede de um reino com raízes nos africanos negros. Os seus habitantes tinham emigrado de Wadi Howar, no actual Estado do Darfur (Sudão).

O Império Cuxita rivalizou com o faraónico pelo domínio do vale do Nilo e estendeu-se cerca de seiscentos quilómetros para sul até ao que hoje é Cartum, capital da República do Sudão. No século VIII a. C., uma família cuxita tomou mesmo o poder na capital egípcia, Tebas. Teve início, então, uma dinastia de faraós negros. Esta dinastia dominou o império faraónico durante mais de cem anos (747 a. C. – 656 a. C.). Porém, a partir da ocupação assíria, em 661 a. C., os Cuxitas abandonaram o Egipto e retiraram-se para o que actualmente é o Norte do Sudão. Ali estabelecerão um reino que teria como capital, num primeiro momento, a cidade de Napata, e posteriormente Meroé, mais para sul, e, consequentemente, mais distante da influência egípcia.

Os Meroítas aproveitaram a existência de minas de ferro na zona e desenvolveram técnicas de fundição para fabricar armas e ferramentas em grande escala depois de meados do século IV a. C. Com efeito, considera-se que foram eles que introduziram estas técnicas no interior de África. Este avanço tecnológico conferiu-lhes a supremacia militar sobre os povos vizinhos.

No século III a. C., este reino começou a desenvolver uma civilização cada vez mais independente da faraónica e mais caracterizada pelos elementos africanos. A civilização meroítica criou uma nova escrita – que não era baseada nos hieróglifos, como a dos antigos Egípcios –, e uma nova língua, a meroítica, que só recentemente começa a ser decifrada. Por isso, ainda desconhecemos muitas coisas sobre esta refinada cultura. Esta língua possuía um sistema fonético próprio que não tinha nada que ver com os sistemas alfabéticos que se usavam no Egipto. Os poucos textos escritos traduzidos revelam que, durante o século I a. C., o império foi governado por várias mulheres : Naytal, Amanirenas e Amanishakheto. Nos anos sucessivos, o reino de Meroé floresceu, graças à sua actividade cultural e pelos intercâmbios comerciais com o Egipto e a Arábia.


  
As pirâmides de Meroé e Nuri

Os reis de Meroé começaram a construir pirâmides após 270 a. C. Ao contrário das egípcias, nelas podiam ser enterrados nobres com alto poder aquisitivo e, junto a eles, os seus servos. Em acréscimo, os corpos, em vez de serem mumificados antes do enterro, eram incinerados. As dimensões das pirâmides de Meroé são mais reduzidas do que as das egípcias e constam de três partes : a primeira é a própria pirâmide, construída inicialmente com pedras e mais tarde com tijolos cozidos; outra parte é o templo funerário, à entrada da pirâmide, que era decorado com relevos; por último, a câmara funerária, que se encontrava debaixo da pirâmide.

Mas não são só as pirâmides a atestar o esplendor da civilização meroítica. No início de 1960, o arqueólogo alemão Hintze encontrou mais de oitocentos blocos bem conservados com relevos e inscrições do chamado ‘Templo dos Leões’, um edifício construído pelo monarca Arnekhamani (235-218 a. C.) e dedicado à divindade local Apedemak. Este e os outros templos da zona de Naqa e Musawuarat combinam na sua construção elementos autóctones africanos com influência egípcia e ptolemaica.

Todavia, não encontramos pirâmides apenas em Meroé. Se nos deslocarmos a vinte quilómetros para norte e cruzarmos o Nilo para passar à margem ocidental, encontramos a necrópole real de Nuri. Ali jaz um herói nacional sudanês, Taharqa, filho do rei de Napata, antiga capital de Cuxe, antes de Meroé. A história de Taharqa, que governou o Egipto entre 690 e 664 a. C., é conhecida por todas as crianças sudanesas. Este ‘faraó negro’, que deteve o ataque das tropas assírias contra Jerusalém, foi enterrado num túmulo de 60 metros de altura, o mais alto de Núbia. Os seus sucessores também lá foram enterrados. No cemitério há 82 sarcófagos, dos quais 74 são pirâmides; destas, mais de 20 são de reis e umas 50 de rainhas. É significativo o facto de o cemitério real estar na margem ocidental, como acontece com todas as pirâmides egípcias. É que se acreditava que, enterrando os corpos a oeste do rio, a vida sobreviria como o Sol, que também morre por aquele lado, mas logo ressurge a oriente, todas as manhãs. Contudo, quando a capital foi transladada para Meroé, deixou de se usar a necrópole de Nuri e os reis passaram a ser enterrados na margem oriental do Nilo, o que reflecte a ruptura entre a cultura meroítica e a faraónica.


A africanidade de Meroé

A estepe africana exerceu uma poderosa influência sobre Meroé, que se expressou no seu culto ao leão e ao elefante. Um exemplo da profusão destas imagens encontra-se nos muros nos templos de Musawarat es-Sofra, onde se multiplicam tais representações.

A essência africana da cultura meroítica manifesta-se na vida quotidiana, na arte, na escrita, nas insígnias de poder dos seus reis e nos cultos, onde coexistem Amon, divindade egípcia, o rei leão Apedemak, que é uma divindade puramente local, e o deus grego Dionísio. Outra característica própria é o papel relevante das rainhas, chamadas cândaces. Os historiadores asseguram que elas regiam a administração civil, dirigiam exércitos, o comércio e as relações diplomáticas. Por vezes, cita-se a cândace como rainha-mãe, com poder para ter a última palavra na nomeação do herdeiro ao trono.

Outro exemplo da originalidade desta cultura encontra-se sob as pirâmides de Meroé : na câmara funerária, o corpo do defunto orientava-se para oeste, como ocorria na tradição egípcia, mas retorcia-se sobre as costas como estabelecia a tradição local.


O fim do império que durou mil anos

Em meados do século III, Meroé começou a ser invadida por tribos do Sudoeste Africano, provavelmente da zona dos montes Nuba, na actual fronteira entre Sudão e Sudão do Sul. No ano 350, o rei Ezana, de Axum, na actual Etiópia, invadiu o reino e ocupou Meroé. Abandonou-a logo, mas o esplendor do império desvaneceu-se, e os seus segredos só agora começam a ser desvelados quando se tenta decifrar a sua escrita.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFAyVkkZFFBnRVeIsP


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