*Artigo de Padre Jorge Naranjo, Missionário Comboniano
e Fernando Félix, jornalista
‘Em Assuã, a 867 quilómetros a sul do
Cairo, situava-se a primeira das seis cataratas que alteravam o plácido curso
do rio Nilo à sua passagem pela região que, com o decurso do tempo, passaria a
chamar-se Núbia (como existiam ali minas de ouro em grande quantidade, os
árabes chamaram a este local nuba. Na escrita hieroglífica, nub significa ‘ouro’. Os Núbios eram filhos de colonos
sul-egípcios com escravas nilotas). Antes disso, no período faraónico, o território
a sul de Assuã era conhecido como Cuxe, e era a sede de um reino com raízes nos
africanos negros. Os seus habitantes tinham emigrado de Wadi Howar, no actual
Estado do Darfur (Sudão).
O Império Cuxita rivalizou com o
faraónico pelo domínio do vale do Nilo e estendeu-se cerca de seiscentos
quilómetros para sul até ao que hoje é Cartum, capital da República do Sudão.
No século VIII a. C., uma família cuxita tomou mesmo o poder na capital
egípcia, Tebas. Teve início, então, uma dinastia de faraós negros. Esta
dinastia dominou o império faraónico durante mais de cem anos (747 a. C. – 656
a. C.). Porém, a partir da ocupação assíria, em 661 a. C., os Cuxitas
abandonaram o Egipto e retiraram-se para o que actualmente é o Norte do Sudão.
Ali estabelecerão um reino que teria como capital, num primeiro momento, a
cidade de Napata, e posteriormente Meroé, mais para sul, e, consequentemente,
mais distante da influência egípcia.
Os Meroítas aproveitaram a existência
de minas de ferro na zona e desenvolveram técnicas de fundição para fabricar
armas e ferramentas em grande escala depois de meados do século IV a. C. Com
efeito, considera-se que foram eles que introduziram estas técnicas no interior
de África. Este avanço tecnológico conferiu-lhes a supremacia militar sobre os
povos vizinhos.
No século III a. C., este reino começou
a desenvolver uma civilização cada vez mais independente da faraónica e mais
caracterizada pelos elementos africanos. A civilização meroítica criou uma nova
escrita – que não era baseada nos hieróglifos, como a dos antigos Egípcios –, e
uma nova língua, a meroítica, que só recentemente começa a ser decifrada. Por
isso, ainda desconhecemos muitas coisas sobre esta refinada cultura. Esta
língua possuía um sistema fonético próprio que não tinha nada que ver com os
sistemas alfabéticos que se usavam no Egipto. Os poucos textos escritos
traduzidos revelam que, durante o século I a. C., o império foi governado por
várias mulheres : Naytal, Amanirenas e Amanishakheto. Nos anos sucessivos, o
reino de Meroé floresceu, graças à sua actividade cultural e pelos intercâmbios
comerciais com o Egipto e a Arábia.
As pirâmides de Meroé e Nuri
Os reis de Meroé começaram a construir
pirâmides após 270 a. C. Ao contrário das egípcias, nelas podiam ser enterrados
nobres com alto poder aquisitivo e, junto a eles, os seus servos. Em acréscimo,
os corpos, em vez de serem mumificados antes do enterro, eram incinerados. As
dimensões das pirâmides de Meroé são mais reduzidas do que as das egípcias e
constam de três partes : a primeira é a própria pirâmide, construída
inicialmente com pedras e mais tarde com tijolos cozidos; outra parte é o
templo funerário, à entrada da pirâmide, que era decorado com relevos; por
último, a câmara funerária, que se encontrava debaixo da pirâmide.
Mas não são só as pirâmides a atestar o
esplendor da civilização meroítica. No início de 1960, o arqueólogo alemão
Hintze encontrou mais de oitocentos blocos bem conservados com relevos e
inscrições do chamado ‘Templo dos Leões’,
um edifício construído pelo monarca Arnekhamani (235-218 a. C.) e dedicado à
divindade local Apedemak. Este e os outros templos da zona de Naqa e Musawuarat
combinam na sua construção elementos autóctones africanos com influência
egípcia e ptolemaica.
Todavia, não encontramos pirâmides
apenas em Meroé. Se nos deslocarmos a vinte quilómetros para norte e cruzarmos
o Nilo para passar à margem ocidental, encontramos a necrópole real de Nuri.
Ali jaz um herói nacional sudanês, Taharqa, filho do rei de Napata, antiga
capital de Cuxe, antes de Meroé. A história de Taharqa, que governou o Egipto
entre 690 e 664 a. C., é conhecida por todas as crianças sudanesas. Este ‘faraó negro’, que deteve o ataque das
tropas assírias contra Jerusalém, foi enterrado num túmulo de 60 metros de altura,
o mais alto de Núbia. Os seus sucessores também lá foram enterrados. No
cemitério há 82 sarcófagos, dos quais 74 são pirâmides; destas, mais de 20 são
de reis e umas 50 de rainhas. É significativo o facto de o cemitério real estar
na margem ocidental, como acontece com todas as pirâmides egípcias. É que se
acreditava que, enterrando os corpos a oeste do rio, a vida sobreviria como o
Sol, que também morre por aquele lado, mas logo ressurge a oriente, todas as
manhãs. Contudo, quando a capital foi transladada para Meroé, deixou de se usar
a necrópole de Nuri e os reis passaram a ser enterrados na margem oriental do
Nilo, o que reflecte a ruptura entre a cultura meroítica e a faraónica.
A africanidade de Meroé
A estepe africana exerceu uma poderosa
influência sobre Meroé, que se expressou no seu culto ao leão e ao elefante. Um
exemplo da profusão destas imagens encontra-se nos muros nos templos de
Musawarat es-Sofra, onde se multiplicam tais representações.
A essência africana da cultura
meroítica manifesta-se na vida quotidiana, na arte, na escrita, nas insígnias
de poder dos seus reis e nos cultos, onde coexistem Amon, divindade egípcia, o
rei leão Apedemak, que é uma divindade puramente local, e o deus grego
Dionísio. Outra característica própria é o papel relevante das rainhas,
chamadas cândaces. Os historiadores asseguram que elas regiam a administração
civil, dirigiam exércitos, o comércio e as relações diplomáticas. Por vezes,
cita-se a cândace como rainha-mãe, com poder para ter a última palavra na
nomeação do herdeiro ao trono.
Outro exemplo da originalidade desta
cultura encontra-se sob as pirâmides de Meroé : na câmara funerária, o corpo do
defunto orientava-se para oeste, como ocorria na tradição egípcia, mas
retorcia-se sobre as costas como estabelecia a tradição local.
O fim do império que durou
mil anos
Em meados do século III, Meroé começou
a ser invadida por tribos do Sudoeste Africano, provavelmente da zona dos
montes Nuba, na actual fronteira entre Sudão e Sudão do Sul. No ano 350, o rei
Ezana, de Axum, na actual Etiópia, invadiu o reino e ocupou Meroé. Abandonou-a
logo, mas o esplendor do império desvaneceu-se, e os seus segredos só agora
começam a ser desvelados quando se tenta decifrar a sua escrita.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFAyVkkZFFBnRVeIsP
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