*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
‘Em todas as celebrações eucarísticas
ouvimos a proclamação da Igreja, que ressoa a Escritura : ‘Felizes os convidados para a Ceia do Senhor’ (Cf. Ap19, 9). E é
grande a alegria por saber que o chamado de Deus quer incluir a todos. Na oração
do Rosário, o terceiro mistério luminoso nos faz contemplar justamente o
chamado à conversão, que ocorre com o anúncio do Reino de Deus. É que da parte
do Senhor existe a clara vontade de salvar a todos, envolvendo as diversas
gerações e situações humanas. Ao se tratar de uma grande consolação, resulta
igualmente provocante a responsabilidade entregue à liberdade humana, pois Deus
não impõe, mas convoca e convida. Conversando com um jovem em recuperação na ‘Fazenda da Esperança’, Comunidade
Terapêutica presente em tantas partes de nosso país e do mundo, ouvi uma
afirmação surpreendente. Dizia ele que seu drama maior era uma porteira aberta,
por saber que, se quisesse, poderia ir embora. Sabia que o maior presente dado
por Deus era entrar pelos umbrais da liberdade que o conduziam, pela estrada do
Evangelho, a uma vida nova!
Jesus estabeleceu contato com todas as
classes de pessoas, pelo que escandalizava a muitos. Era uma multidão de
estropiados, rejeitados da sociedade, doentes de toda ordem, gente solitária,
publicanos, pecadores de qualquer classificação. O Evangelho apenas permite
entrever os dramas humanos que se apresentavam ao Senhor. Não muito diferente
das imagens oferecidas ao vivo e a cores em nossos dias, com pessoas sofrendo
toda espécie de miséria. As guerras localizadas ou espalhadas por nossas
cidades pela violência e a miséria mostram um mundo machucado e desorientado,
carente de encontrar aberta a porta do Reino de Deus! Que seja uma imensa
procissão em busca de Deus! Que a meta seja o regaço misericordioso daquele que
veio para os pecadores!
Também nossa história pessoal é repleta
de idas e vindas, marcadas pelo mistério do pecado, malgrado o desejo de
acertar esteja presente, pela própria vontade de Deus que nos criou. Muitas
vezes damos nossa resposta positiva aos apelos de Deus e depois seguimos por
outra estrada, cedendo ao egoísmo, turrões, cabeças duras que pretendem ser
donas da verdade. Podemos ser também como o filho pirracento do primeiro
momento que depois se converte e obedece ao Pai. ‘Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse : ‘Filho,
vai trabalhar hoje na vinha!’ O filho respondeu : ‘Não quero’. Mas depois mudou
de atitude e foi. O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este
respondeu :‘ Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi’ (Mt 21, 28-30). Cada pessoa
sabe de sua aventura humana de liberdade, quedas, arrependimento, coragem para
recomeçar, pedidos de perdão aos milhares, encontros com a misericórdia de
Deus. Escute a palavra de Deus : ‘Quando
um ímpio se arrepende da maldade que praticou e faz o que é direito e justo,
conservará a própria vida. Arrependendo-se de todos os crimes que cometeu, ele
certamente viverá, não morrerá’ (Ez 18, 27-28)
O contato de Jesus com as pessoas é
marcado pelo chamado constante à conversão. O início de sua pregação resume a
proposta que faz à humanidade : ‘Depois
que João foi preso, Jesus veio para a Galiléia, proclamando a Boa Nova de Deus
: Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede
na Boa-Nova’ (Mc 1, 14-15). Os cobradores de impostos convertidos e as
prostitutas que acreditaram em Jesus, mudando radicalmente sua vida, são
referências da possibilidade de transformação inscrita por Deus no coração
humano (Cf. Mt 21, 28-32).
Os publicanos, cobradores de impostos,
traidores do povo por trabalharem para os romanos, manipulavam a fonte
permanente de tentação para o ser humano, o dinheiro! A malversação das verbas
públicas e as torneiras abertas, pelas quais passam milhões e bilhões, ainda estão
expostas diante de nossos olhos, nos dias que vivemos. Multiplicam-se os
escândalos, revelam-se operações fraudulentas, mas o ‘deus dinheiro’ continua atraindo as pessoas, traindo-as mesmo
quando, confrontadas com acusações e provas dizem não saber de nada. A
conversão passa pelo bolso, pois exige um uso dos bens segundo o plano de Deus,
fundamentado na partilha e na comunhão. Chamem-se Mateus ou Zaqueu, ou quem
sabe estejam no templo orando ao lado de um fariseu, é possível e desejável que
os homens e mulheres, todos nós, mudemos o modo de usar os bens da terra!
Outro campo delicado é o da afetividade
e da sexualidade e a degradação do uso de tais realidades, sob o título de
prostituição. O corpo continua a ser vendido, não só nas zonas de prostituição
de nossas cidades. Há outras formas de negociá-lo! Até se enfeita mais este
comércio, justificando-o com a falsa liberdade de expor a intimidade das
pessoas. Entretanto, o Evangelho de todos os tempos dará nome de Mulher
adúltera, ou Samaritana, Prostituta ou outros qualificativos e profissões, a
muitas pessoas que creem em Jesus Salvador e a Ele se convertem, mesmo depois
de uma vida de miséria e sofrimento.
Com os publicanos e as prostitutas,
amplie-se o horizonte para se sentirem envolvidos no chamado à conversão todos
os homens e mulheres de nosso tempo, cada um de nós em primeiro lugar, seja
qual for o nosso currículo! Encontram-se abertas as portas e as inscrições!
Para entrar no Reino de Deus, as condições são o reconhecimento sincero da
condição de pecadores, a coragem do arrependimento, a força para recomeçar
quantas vezes for necessário, a sinceridade do olhar que se encontra com a
misericórdia de Deus. Vale ainda olhar ao nosso redor e fazer festa com aqueles
muitos que, também pecadores, são nossos companheiros, irmãos e irmãs que
peregrinam na estrada da conversão, sem julgá-los ou pretender excluí-los.
É tempo de pedir com sinceridade : ‘Ó Deus, que mostrais vosso poder, sobretudo
no perdão e na misericórdia, derramai sempre em nós a vossa graça, para que,
caminhando ao encontro das vossas promessas, alcancemos os bens que nos
reservais’’.
Fonte :
* Artigo na íntegra de http
://www.zenit.org/pt/articles/deus-nao-impoe-mas-convoca-e-convida
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