*Artigo de Padre José Rebelo,
Missionário Comboniano
‘O que torna difícil a missão na China?
Bem, há muitas missões na China. Foi
particularmente difícil nos primeiros anos por causa do problema da língua.
Além disso, as energias investidas no nosso trabalho pastoral não foram
proporcionais aos resultados que estávamos a obter. Por outro lado, estávamos
num contexto onde havia um certo número de católicos e liberdade política e
religiosa [em Taiwan, nota do editor].
Estávamos numa comunidade e numa paróquia, de alguma forma, protegidos e
ocupados a fazer coisas, mesmo que os resultados fossem muito poucos.
Trabalhávamos da maneira tradicional missionária – no contexto de uma paróquia
em que fomos inseridos. Olhando para trás para essa experiência, reconheço que
foi um desafio, mas menor do que o que enfrentamos agora [na China continental, nota do editor].
A maneira como estamos a fazer a missão
agora na China é diferente, por várias razões. Vivemos num lugar e trabalhamos
noutro, faltando um sentimento de pertença. Como estamos a trabalhar na
formação, precisamos de muito tempo para preparar os materiais. O tempo nunca é
suficiente. Então, vamos a um lugar no continente e ficamos lá por curtos
períodos de tempo, dois ou três dias, uma semana, para um retiro anual ou até
duas semanas para um curso bíblico. Tentamos integrar-nos com as pessoas, mas passado
esse tempo com eles, podemos não voltar a vê-las. Temos essa sensação de ser
pedras escondidas. Nós não somos protagonistas! O que me deu um sentido de
humildade e de rendição à vontade de Deus. No fim, a única coisa que nos mantém
nesse tipo de trabalho é a confiança que temos em Deus. Nós fazemos este
trabalho especial por causa de Deus ou para Deus.
É uma obra de fé!
Assim é. Os resultados são escassos.
Por exemplo, agora estou prestes a ir para o continente e a ter pelo menos
cinco diferentes actividades de formação : orientar dois retiros de três dias e
realizar encontros de formação com os seminaristas e as crianças. Acabados os
cursos, vamo-nos embora e ficamos sem saber o impacto que houve. Quando
semeamos, também gostamos de colher. Não o podemos fazer, é difícil fazê-lo. É
por isso que este trabalho requer uma espiritualidade forte, uma força interior
que permita que se continue com serenidade, convencido de que esta é a obra de
Deus. Confiamos em Deus e vamos em frente, mesmo que mal possamos ver os
resultados. Estamos numa situação muito especial : estamos a servir a Igreja na
China. Este é o tipo de trabalho missionário que fazemos. É emocionante e
desafiador. Posso dizer que, até agora, estou muito feliz.
As pessoas dão valor ao trabalho que faz?
A Igreja na China está a enfrentar a
cruz. O missionário que quer ir para a China tem de viver e experimentar as
mesmas condições que as pessoas. Ele não domina o que está a acontecer.
Primeiro, ele pode planear apenas para os meses imediatos. Então, mesmo que
planeie as suas actividades, não sabe o que vai acontecer. A polícia pode
detê-los a qualquer momento. Este trabalho é clandestino tanto para a Igreja
legal como para a comunidade subterrânea. Não é permitido, é ilegal. Então,
isso põe-nos numa situação de tensão que não é fácil de suportar.
A língua e a cultura são obstáculos para o seu trabalho
no sentido de impedi-lo de partilhar os conteúdos e as experiências que
desejou?
Pode impedir-nos de expressar
completamente as experiências religiosas que queremos transmitir. No entanto, a
língua não pode ser vista como um obstáculo para a missão. O que passamos no
início, ao aprendermos a língua pacientemente, é apenas uma amostra do que vai
acontecer depois. É um tipo de treino. O estudo da língua não é uma preparação
para a evangelização, é o momento mais genuíno para o missionário expressar o
amor às pessoas que ele estará a servir mesmo que ainda desconhecidas para ele.
Ele investe todas as suas energias e capacidades num povo que não conhece ainda.
Portanto, considero a língua não como um obstáculo mas como um verdadeiro
compromisso missionário : ela põe-nos no ambiente certo para as coisas que
estão para vir.
O que o faz sentir-se humilde!?
O modelo é a humildade de Jesus, como
aparece na carta aos Filipenses (2, 5-11). O hino proclama que Jesus, apesar de
ser Deus, ‘esvaziou-se a si mesmo,
assumindo a condição de servo, e tornando-se semelhante aos homens. Assim,
apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se
obediente até à morte, e morte de cruz’. A humildade de pôr-se ao serviço
das pessoas, confiando em Deus, é muito necessária. Na África, onde trabalhei
alguns anos, eu era o protagonista. Na Ásia, isso não acontece muito. As
pessoas podem gostar de nós e apreciar o que dizemos e fazemos, mas, depois de
alguns dias, temos de começar de novo, mais tarde, noutro lugar. Devemos ter a
atitude de João Baptista – que Ele cresça e nós possamos diminuir. Não nos
devemos tornar um obstáculo para que as pessoas venham a Cristo, que por vezes
pode acontecer. Este é o trabalho de um missionário.
Esse trabalho na China pode ser feito por qualquer
pessoa?
Provavelmente não. Nem toda a gente
gosta deste tipo de missão – entrar e sair e gastar muito tempo a preparar-se
para os cursos. Há pessoas que gostam de uma vida mais estável, por exemplo,
num ambiente paroquial. O tipo de trabalho que estamos a fazer na China
continental põe-nos numa situação muito, muito irregular. Certamente, sem uma
vida de oração é difícil aceitar as cruzes que vêm por aí e fazem parte do todo
que é este tipo de vida missionária. A China tem uma Igreja local pobre.
Colaborar com ela, dando alguma da formação de que ela mais precisa, é um
privilégio.
Podemos dizer que este é um trabalho provisório?
O trabalho provisório é uma das
características do trabalho missionário desde o início do Cristianismo. São
Paulo é um bom exemplo : viajava e estabelecia as primeiras comunidades sem
estar por muito tempo num só lugar. O papel dos missionários é ajudar no
nascimento da Igreja, confiá-la à população local e seguir em frente. Quando os
missionários comemoram o 75.º ou o 100.º aniversário de uma comunidade na
África ou na América Latina, sinto-me envergonhado! Parece que estão a
comemorar o seu próprio fracasso em estabelecer a Igreja local e transmiti-la
às pessoas.
Está aqui há muitos anos. Quando veio pela primeira vez,
não estava a pensar que a China ia abrir-se mais rapidamente do que está a
acontecer?
Com certeza! Às vezes, vem-me à mente :
o que seria a situação na China se houvesse liberdade de religião? Mas sou
realista e nunca trabalho segundo a abordagem do ‘se’. Atenho-me muito à realidade. Temos também de admitir que houve
melhorias nos últimos vinte anos. Isso significa que a Igreja está a crescer
com altos e baixos por causa das circunstâncias. Há sinais positivos, por
exemplo, no campo da formação. Vinte anos atrás, eu estava a chegar à China e
as regras e abordagens do Concílio Vaticano II estavam a começar a ser postas
em prática. Hoje em dia, há boas comunidades cristãs na China. Há bons grupos
missionários e alguns leigos que vão para outros lugares partilhar o seu zelo
missionário. Há um grande grupo de irmãs que foram estudar no estrangeiro e vão
voltar para as suas congregações e dioceses e elas estão a ir bem. Há muitos
padres que foram para o estrangeiro para estudar e voltaram, e são boas pessoas
de recurso. Como as vocações diminuem, os leigos estão a crescer em espírito
missionário.
Os problemas não o preocupam mais do que deviam?
Os problemas sempre existiram e digo
sempre o seguinte : se a Igreja na China, durante a Revolução Cultural, foi
capaz de encontrar o seu caminho, sobreviver e sair com muito entusiasmo, a
situação por que estamos a passar não tem nada que se compare com esse momento.
A Igreja na China está acostumada a carregar a cruz e, por isso, é justo que
também os missionários se envolvam e assumam os desafios da Igreja. Nós também
devemos levar a cruz com esperança.
Os cristãos na China estão esperançados no futuro?
A China é grande e as coisas mudam de
um lugar para outro. Após sessenta anos, os cristãos de ambas as comunidades
(clandestina e pública) sabem como sobreviver no quadro político – como puxar o
fio o suficiente, mas sem o partir. Há experiências muito interessantes de
paróquias renovadas. Uma preocupação é o êxodo rural para as áreas urbanas.
Essa é uma das coisas que a Igreja ainda não tratou. Os jovens estão a deixar
as áreas rurais e a irem para as principais cidades para estudar. Nas áreas
rurais, a Igreja é activa, hoje em dia, podem até mesmo tocar os sinos. Então,
toda a gente sabe quando tem de ir à missa ou à oração. Na cidade, a situação é
muito diferente e, lentamente, esta geração mais jovem, se não é bem-vinda aos
lugares onde está ou se as paróquias urbanas não encontram o caminho para
entrar em contacto com ela, podemos estar à beira de perder toda uma geração.
Para mim, esta é uma das principais preocupações para a Igreja na China. Tenho
assistido a muitos simpósios, mas não ouvi falar de uma tentativa de resolver
este problema.
Há experiências missionárias?
No outro dia, entrei em contacto com um
grupo missionário em Hebei animado por um padre que é uma pessoa muito zelosa e
entusiasmada, com uma mente missionária. Foram-se deslocando constantemente,
indo para as cidades e áreas rurais. Disseram-me : ‘Nós somos a Dagong de Deus.’ (Dagong
são os migrantes que vão para outros lugares à procura de emprego e de
dinheiro.) ‘Fazemos este tipo de
migração para Deus, para partilhar a Palavra de Deus!’ Isso é algo que vai
mudar a situação do Cristianismo na China, porque, tradicionalmente, o
Cristianismo foi estabelecido em áreas rurais, mas agora está a mudar destas
para as áreas urbanas. Quem cuida dessa massa toda de pessoas que fluem de um
lugar para outro? Esta é uma das principais preocupações! Na verdade, algumas
das actividades que organizamos ocorrem quando esses migrantes estão em casa,
que é no Verão ou durante o Ano Novo chinês. Estas são as épocas em que os
alunos recebem outros jovens e pessoas que estão a trabalhar noutras
províncias.
Foi o fundador de Fenxiang. Como aconteceu isso?
Foi em 1998. Percebi que tinha de ter
algo do tipo, porque pertencia a uma congregação missionária que trabalha na
Ásia, o continente mais populoso, onde poucos são cristãos, e por causa da
situação particular da China, cuja Igreja foi passando o mistério pascal, a
paixão, morte e ressurreição de Cristo. Começámos a pensar no assunto e, desde
o início, vi que a formação era a questão crucial. Em seguida, houve a
necessidade de promoção humana. Outra questão que considerei muito importante
foi a forma de partilhar o nosso espírito missionário com a Igreja local. Estes
foram os três pilares que inspiraram a nossa presença na China.
Durante os últimos anos, estes têm
vindo a desenvolver-se. Vendo os desafios e as circunstâncias, algumas mudanças
foram feitas na modalidade e na forma como fazemos as coisas, mas ainda
mantemos esses três princípios : formação, promoção humana e visão missionária.
No início, estávamos mais preocupados com a promoção humana e patrocinávamos
muitos projectos de desenvolvimento. Ainda estamos envolvidos com a promoção
humana, a lidar com os mais marginalizados : ajudamos os órfãos e damos bolsas
de estudo a crianças muito pobres, apoiamos as famílias afectadas pela sida e
pagamos os cursos de formação das pessoas que cuidam delas. Mas agora estamos a
concentrar-nos cada vez mais na formação e na animação missionária. Se há algo sensível na China, é essa
dimensão missionária. É o oposto do que o Governo da China gostaria de
ouvir. Uma vez que nos sentimos agora mais à vontade com a língua e conhecemos as pessoas,
ministramos cursos. Muitas paróquias
e muitas dioceses pedem-nos essa ajuda. Como fazer o trabalho missionário num país com 1 bilhão e 300 milhões de pessoas
e uma minoria de cristãos? Como abordar os não cristãos? E darmos-lhes algumas
ferramentas para os ajudar a viver como cristãos (espiritualidade missionária, estudo da Bíblia e assim por diante).
Já alguma vez se envolveu com os leprosos?
Sim! Trabalhei de perto com eles há
alguns anos. Nessa altura, patrocinámos bolsas de estudo para crianças cujos
pais viviam em aldeias de leprosos.
A lepra ainda é um grande estigma social?
Durante os últimos anos, não tive muito
contacto com eles. No entanto, permanece como uma espécie de tabu na China e
noutros lugares. As pessoas receiam-na como se fosse uma doença contagiosa. O
Governo nega que haja lepra e considera que é uma doença de pele. A Igreja está
muito envolvida com eles, especialmente as Irmãs, que estão a fazer algo que o
Governo é incapaz de fazer. Uma das razões para a Igreja emergir na sociedade é
justamente por isso : apoia aqueles que são ‘ninguém’ : leprosos, órfãos, deficientes, doentes de sida. Muitas
estruturas diocesanas, sobretudo através das Irmãs, lidam com essas situações.
As pessoas vêm para conhecer a Igreja, através dessas iniciativas. É uma ‘Igreja samaritana’. A Igreja fez a opção
pelos marginalizados, mostrando-o de muitas maneiras diferentes. Isso é algo
que temos de aplaudir. Nós apoiamos estas iniciativas a favor das pessoas
excluídas.
Será que uma congregação missionária tem alguma coisa a
ganhar com este tipo de serviço?
Eu acho que uma congregação missionária
não pode deixar de estar presente na China. É uma das fronteiras da missão na
qual não somos protagonistas, não podemos controlar as coisas de qualquer
maneira possível, onde temos muito poucas satisfações e experimentamos a cruz.
Estes são os traços genuínos para nos ajudarem a viver profundamente a nossa espiritualidade
missionária. Aqui estamos humilhados, e acho que isso é único e tem de ser
trazido para toda a congregação. Talvez esta missão não seja para todos, mas
dá-nos a perspectiva correcta para fazer missão, e o missionário, do ponto de
vista espiritual, encaixa-se perfeitamente no contexto chinês. Mas deve haver
um maior investimento das congregações, especialmente em pessoal.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http
://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFZklyFkVpOmoieemW
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