*Artigo de A. Torres Neiva
Era uma vez,
não me lembro bem onde. Só sei que havia lá um lindo jardim que só de vê-lo era
um sonho. Ficava ali mesmo, em frente da casa do senhor, que não resistia à tentação
de passar por ali todas as tardes a saborear a brisa e a sombra. No jardim,
quase ao centro, uma cana de bambu chamava logo a atenção. Alta, elegante, bela
como poucas. Não admira que o senhor tivesse um fraco por ela.
Por ser
bela, mas talvez também por crescer mais que todas as outras plantas, talvez
por se manter retilínea e graciosa, não obstante os ventos do inverno e os
calores do verão. A cana bem sabia desta preferência do seu senhor e toda se lisonjeava.
Um belo dia, o senhor aproximou-se dela, um pouco constrangido, como se tivesse
más notícias para dar. E quase sem levantar o olhar, disse-lhe timidamente :
- ‘Caro
bambu, preciso de ti.’ Foi uma maravilha.
- ‘Senhor –
diz o bambu, feliz como nunca – sou todo teu; faz de mim o que quiseres.’ Bom
de ouvir, se não fosse o que vem a seguir :
- ‘Bambu – o
senhor não sabia mesmo por onde começar – para usar os teus serviços, vou
precisar de te abater.’
- ‘Abater-me?’
O senhor não podia estar falando sério. Então para que fizera dele a mais bela árvore do seu jardim? ‘Não, por favor,
tudo menos isso.’
O senhor não
se zangou. Quem é que aceita uma coisa destas sem espernear? Mas também não
desistiu.
- ‘Meu caro
bambu, se não te abater, não posso usar-te.’
E ficaram os
dois em silêncio, sem nenhum saber o que dizer. Até o vento parou e os pássaros
se detiveram sem um pio para cantar. Lentamente, muito lentamente, o bambu
inclinou as folhas, lindas que nem sei, e disse, muito baixinho, quase como um
segredo que custa dizer :
- ‘Senhor,
se não podes usar-me sem me abater, faz de mim o que quiseres e está bem,
abata-me.’
- ‘Meu caro
bambu – disse de novo o senhor – eu ainda não te disse tudo : não devo só
abater-te, mas preciso tirar-te as folhas e os ramos.’
- ‘Ó senhor,
não me faças isso; deixa-me ao menos as folhas e os ramos. Sem folhas e sem
ramos, que farei eu no jardim?’
E outra vez
o senhor :
- ‘Se não
posso tirar-te as folhas e os ramos não poderei usar os teus serviços.’
Então o sol
não quis ouvir mais e escondeu-se; e os pássaros fugiram do jardim para não
saberem do resto. E a tremer, o bambu conseguiu ainda dizer :
- ‘Está bem,
senhor, corta-as.’
- ‘Meu caro
bambu, tenho ainda uma coisa que me custa muito a pedir-te. Terei que cortar-te
em dois e tirar-te o miolo. Sem isso não poderei usar-te.'
O bambu já
não pôde falar; inclinou-se por terra e ofereceu-se todo ao seu senhor. Assim o
senhor do jardim abateu o bambu, tirou-lhe os ramos e as folhas, partiu-o em
dois e extraiu-lhe o miolo. Depois levou o bambu para junto de uma fonte de
água fresca que ficava perto dos seus campos, que há muito morriam de sede, ali
à beira da fonte. E com todo o carinho, ligou uma ponta do bambu à fonte e a
outra ao campo. A fonte dava água, o bambu começou a levar a água para o campo
que há tanto tempo esperava por ela. E o campo começou a reverdecer.
Quando a
primavera chegou, o senhor semeou ali arroz e os dias foram passando até que a
semente cresceu, o tempo da colheita chegou e o senhor pôde alimentar toda a
sua casa. Quando era grande e belo e gracioso, o bambu vivia e crescia só para
si e gostava de se ver assim, esbelto e elegante. Agora, humilde e deitado por
terra, tinha-se transformado num canal que o senhor usava para alimentar a sua
casa e tornar fecundo o seu reino.
Fonte
:
* Artigo
adaptado de Vida Consagrada, 264 – Janeiro 2004, do Padre Adélio Torres
Neiva, C. S. Sp. (missionário espiritano (+2010)).
Revista Beneditina nrº 8,
Janeiro/Fevereiro de 2005, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da
Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.
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