segunda-feira, 15 de setembro de 2014

São Cornélio, Papa e São Cipriano, Bispo, Mártires

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

‘Nascido em Roma no ano 200, Cornélio viveu um momento complicado para os cristãos. Em meados do século de seu nascimento, o Imperador Décio perseguia os cristãos do Império Romano, chegando a ordenar que cometessem sacrifícios religiosos, em 250, pois, em caso contrário, seriam sentenciados à morte. A ameaça fez com que alguns cristãos apostatassem, outros realizassem os sacrifícios e alguns se recusassem, o que os levou à morte. Nesse cenário persecutório, o papa Fabiano se recusou a atender os ordenamentos do imperador e foi um dos cristãos martirizados. Para agravar a crise na Igreja Católica, Décio tentou impedir a eleição de um novo papa, mas, forçado a se ausentar de Roma para combater os godos, a eleição foi realizada. Na ocasião, Cornélio, contra sua vontade, foi eleito papa em 251.

O papado de Cornélio foi muito turbulento. Já havia um cenário anterior estimulado pelo Imperador Décio desfavorável, mas, semanas depois, Novaciano se proclamou antipapa, gerando um cisma. Novaciano achava que seria eleito papa e não concordou com a derrota. Só que Cornélio tinha o apoio de importantes religiosos da época e de diversas regiões cristãs, enquanto Novaciano era apoiado apenas por uma minoria do clero de Roma. Cornélio reagiu excomungando Novaciano.

O papa Cornélio enfrentou as perseguições contra os cristãos e o cisma da Igreja, demonstrando grande capacidade para ser um líder religioso, mesmo que não fosse seu interesse ser papa. Possuía dons diplomáticos também para solucionar problemas políticos. Perfil que o tornou um exemplo para todos os papas que o sucederam. A morte de Décio não aliviou a perseguição aos cristãos porque o sucessor, Treboniano Galo, também foi um opositor. O novo imperador exilou o papa em Civitavecchia. Após uma vida toda dedicada ao cristianismo, Cornélio faleceu em reclusão em 253.’
  
Fonte  :



 *Artigo de Bento XVI, Papa Emérito

‘Na série das nossas catequeses sobre as grandes personalidades da Igreja antiga, chegamos hoje a um excelente Bispo africano do século III, São Cipriano, que ‘foi o primeiro bispo que na África conseguiu a coroa do martírio’. Em primeiro lugar a sua fama como afirma o diácono Pôncio, o primeiro que escreveu a sua vida está relacionada com a produção literária e com a actividade pastoral dos treze anos que decorrem entre a sua conversão e o martírio (cf. Vida 19, 1; 1, 1).

Nascido em Cartagena numa família pagã rica, depois de uma juventude dissipada Cipriano converte-se ao cristianismo com 35 anos. Ele mesmo narra o seu percurso espiritual : ‘Quando ainda jazia como que numa noite escura’, escreve alguns meses depois do baptismo, ‘parecia-me extremamente difícil e cansativo realizar o que a misericórdia de Deus me propunha... Estava ligado a muitíssimos erros da minha vida passada, e não pensava que me podia libertar, porque cedia aos vícios e favorecia os meus maus desejos... Mas depois, com a ajuda da água regeneradora, foi lavada a miséria da minha vida precedente; uma luz soberana difundiu-se no meu coração; um segundo nascimento restaurou-me num ser totalmente novo. De modo maravilhoso começou então a dissipar-se qualquer dúvida... Compreendia claramente que era terreno o que antes vivia em mim, na escravidão dos vícios da carne, e era ao contrário divino e celeste o que o Espírito Santo já tinha gerado em mim’ (A Donato, 3-4).

Logo depois da conversão, Cipriano, não sem invejas nem resistências, é eleito para o cargo sacerdotal e para a dignidade de Bispo. No breve período do seu episcopado enfrenta as primeiras duas perseguições sancionadas por um edito imperial, o de Décio (250) e o de Valeriano (257-258). Depois da perseguição particularmente cruel de Décio, o Bispo teve que se comprometer corajosamente para reconduzir a comunidade cristã à disciplina. De facto, muitos fiéis tinham abjurado, ou contudo não tinham tido um comportamento correcto diante da prova. Eram os chamados lapsi isto é ‘que caíram’ que desejavam ardentemente reentrar na comunidade. O debate sobre a sua readmissão chegou a dividir os cristãos de Cartagena em laxistas e rigorosos. A estas dificuldades é necessário acrescentar uma grave peste que assolou a África e colocou interrogações teológicas angustiantes, quer no interior da comunidade, quer em relação aos pagãos.

Por fim, é necessário recordar a controvérsia entre Cipriano e o Bispo de Roma, Estêvão, sobre a validez do baptismo administrado aos pagãos por cristãos hereges.

Nestas circunstâncias realmente difíceis, Cipriano revelou dotes eleitos de governo : foi severo, mas não inflexível com os lapsi, concedendo-lhes a possibilidade de perdão depois de uma penitência exemplar; perante Roma foi firme na defesa das tradições sadias da Igreja africana; foi muito humano e repleto do mais autêntico espírito evangélico ao exortar os cristãos a ajudar fraternalmente os pagãos durante a peste; soube manter a medida justa ao recordar aos fiéis demasiado receosos de perder a vida e os bens terrenos que para eles a verdadeira vida e os verdadeiros bens não são deste mundo; foi irremovível ao combater os costumes corruptos e os pecados que devastavam a vida moral, sobretudo a avareza. ‘Passava assim os seus dias’, narra a este ponto o diácono Pôncio, ‘quando eis que por ordem do pró-cônsul chegou improvisamente à sua cidade o chefe da polícia’ (Vida, 15, 1). Naquele dia o santo bispo foi preso, e depois de um breve interrogatório enfrentou corajosamente o martírio no meio do seu povo.

Cipriano compôs numerosos tratados e cartas, sempre ligados ao seu ministério pastoral. Pouco inclinado para a especulação teológica, escrevia sobretudo para a edificação da comunidade e para o bom comportamento dos fiéis.

De facto, a Igreja é o tema que lhe é mais querido. Distingue entre Igreja visível, hierarquia, e Igreja invisível, mística, mas afirma com vigor que a Igreja é uma só, fundada sobre Pedro. Não se cansa de repetir que ‘quem abandona a cátedra de Pedro, sobre a qual está fundada a Igreja, ilude-se de permanecer na Igreja’ (A unidade da Igreja católica, 4). Cipriano sabe bem, e formulou-o com palavras fortes, que ‘fora da Igreja não há salvação’ (Epístola 4, 4 e 73, 21), e que ‘não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe’ (A unidade da Igreja católica, 4).

Característica irrenunciável da Igreja é a unidade, simbolizada pela túnica de Cristo sem costuras (ibid., 7) : unidade da qual diz que encontra o seu fundamento em Pedro (ibid., 4) e a sua realização perfeita na Eucaristia (Epístola 63, 13). ‘Há um só Deus, um só Cristo’, admoesta Cipriano, ‘uma só é a Igreja, uma só a fé, um só povo cristão, estreitado em firme unidade pelo cimento da concórdia : e não se pode separar o que é uno por natureza’ (A unidade da Igreja católica, 23).

Falamos do seu pensamento em relação à Igreja, mas não se deve descuidar, por fim, o ensinamento de Cipriano sobre a oração. Eu amo particularmente o seu livro sobre ‘o Pai Nosso’, que muito me ajudou a compreender melhor e a recitar melhor a ‘oração do Senhor’ : Cipriano ensina como precisamente no ‘Pai Nosso’ é proporcionado ao cristão o modo correcto de rezar; e ressalta que esta oração está no plural, ‘para que quem reza não reze unicamente para si. A nossa oração escreve é pública e comunitária e, quando nós rezamos, não rezamos por um só, mas por todo o povo, porque com todo o povo somos uma coisa só’ (A adoração do Senhor 8). Assim oração pessoal e litúrgica mostram-se robustamente ligadas entre si. A sua unidade provém do facto que elas respondem à mesma Palavra de Deus. O cristão não diz ‘meu Pai’, mas ‘Pai nosso’, até no segredo do quarto fechado, porque sabe que em cada lugar, em cada circunstância, ele é membro de um mesmo Corpo.

Portanto, rezemos irmãos amadíssimos’, escreve o Bispo de Cartagena, ‘como Deus, o Mestre, nos ensinou. É oração confidencial e íntima rezar a Deus com o que é seu, elevar aos seus ouvidos a oração de Cristo. Reconheça o Pai as palavras de seu Filho, quando dizemos uma oração : aquele que habita interiormente no ânimo esteja presente também na voz... Quando se reza, além disso, adopte-se um modo de falar e de rezar que, com disciplina, mantenha a calma e a discrição. Consideremos que estamos diante do olhar de Deus. É preciso ser agradáveis aos olhos divinos tanto com a atitude do corpo como com a tonalidade da voz... E quando nos reunimos juntamente com os irmãos e celebramos os sacrifícios divinos com o sacerdote de Deus, devemos recordar-nos do temor reverencial e da disciplina, não dispersar as nossas orações com vozes descompostas, nem fazer com tumultuosa verbosidade um pedido que deve ser recomendado a Deus com moderação, porque Deus ouve não a voz, mas o coração (non vocis sed cordis auditor est)’ (3-4). Trata-se de palavras que permanecem válidas também hoje e nos ajudam a celebrar bem a Santa Liturgia.

Em conclusão, Cipriano coloca-se nas origens daquela fecunda tradição teológico-espiritual que vê no ‘coração’ o lugar privilegiado da oração. Segundo a Bíblia e os Padres, de facto, o coração é o íntimo do homem, o lugar onde habita Deus. Nele se realiza aquele encontro no qual Deus fala ao homem, e o homem escuta Deus; o homem fala a Deus, e Deus ouve o homem : tudo isto através da única Palavra divina. Precisamente neste sentido fazendo eco a Cipriano Smaragdo, abade de São Miguel em Mosa nos primeiros anos do século IX, afirma que a oração ‘é obra do coração, dos lábios, porque Deus não vê as palavras, mas o coração do orante’(O Diadema dos monges, 1).

Caríssimos, façamos nosso este ‘coração em escuta’, do qual nos falam a Bíblia (cf. 1 Rs 3, 9) e os Padres : temos disso tanta necessidade! Só assim poderemos experimentar em plenitude que Deus é o nosso Pai, e que a Igreja, a santa Esposa de Cristo, é verdadeiramente a nossa Mãe.’

 (6 de junho de 2007)

Fonte  :
Bento XVISantos e Doutores da Igreja (catequeses condensadas), Lisboa, Paulus Editora, 2012.  


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