terça-feira, 16 de setembro de 2014

São Roberto Belarmino, Bispo e Doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Bento XVI, Papa Emérito
   
São Roberto Belarmino, de quem desejo falar-vos hoje, leva-nos com a memória ao tempo da dolorosa cisão da cristandade ocidental, quando uma grave crise política e religiosa provocou a separação de nações inteiras da Sé Apostólica.

Nasceu a 4 de Outubro de 1542 em Montepulciano, nos arredores de Sena, e era sobrinho por parte da mãe do Papa Marcelo II. Recebeu uma excelente formação humanística antes de entrar na Companhia de Jesus, a 20 de Setembro de 1560. Os estudos de filosofia e teologia, que completou entre o Colégio Romano, Pádua e Lovain, centrados sobre São Tomás e os Padres da Igreja, foram decisivos para a sua orientação teológica. Ordenado sacerdote a 25 de Março de 1570, foi durante alguns anos professor de teologia em Lovain. Sucessivamente, tendo sido chamado a Roma como professor no Colégio Romano, foi-lhe confiada a cátedra de ‘Apologética’; na década em que desempenhou tal cargo (1576–1586), elaborou um curso de lições que depois confluíram nas Controversiae, obra que se tornou imediatamente célebre pela clareza e riqueza de conteúdo e pela sua tonalidade predominantemente histórica. O Concílio de Trento tinha terminado há pouco tempo e para a Igreja católica era necessário revigorar e confirmar a sua identidade, também em relação à Reforma protestante. A obra de Belarmino inseriu-se neste contexto. De 1588 a 1594 foi inicialmente padre espiritual dos estudantes jesuítas do Colégio Romano, entre os quais encontrou e orientou São Luís Gonzaga, e depois superior religioso. O Papa Clemente VIII nomeou-o teólogo pontifício, consultor do Santo Ofício e reitor do Colégio dos Penitenciários da Basílica de São Pedro. Ao biénio de 1597–1598 remonta o seu catecismo, Doutrina cristã breve, que foi a sua obra mais popular.

No dia 3 de Março de 1599 foi criado cardeal pelo Papa Clemente VIII e, a 18 de Março de 1602, nomeado arcebispo de Cápua. Recebeu a ordenação episcopal em 21 de Abril desse mesmo ano. Durante os três anos em que foi bispo diocesano, distinguiu-se pelo zelo de pregador na sua catedral, pela visita que realizava semanalmente às paróquias, pelos três Sínodos diocesanos e um Concílio provincial que promoveu. Depois de ter participado nos conclaves que elegeram Papas Leão XI e Paulo V, foi novamente chamado a Roma, para ser membro das Congregações do Santo Ofício, para o Índex, os Ritos, os Bispos e a Propagação da Fé. Desempenhou inclusive funções diplomáticas, junto da República de Veneza e da Inglaterra, em defesa dos direitos da Sé Apostólica. Nos seus últimos anos, compôs vários livros de espiritualidade, nos quais condensou o fruto dos seus exercícios espirituais anuais. Com a sua leitura o povo cristão ainda hoje se sente muito edificado. Faleceu em Roma, no dia 17 de Setembro de 1621. O Papa Pio XI beatificou-o em 1923, canonizou-o em 1930 e proclamou-o Doutor da Igreja em 1931.

São Roberto Belarmino desempenhou um papel importante na Igreja das últimas décadas do século XVI e do início do século seguinte. As suas Controversiae constituem um ponto de referência, ainda hoje válido, para a eclesiologia católica sobre as questões relativas à Revelação, à natureza da Igreja, aos Sacramentos e à antropologia teológica. Nelas é acentuado o aspecto institucional da Igreja, por causa dos erros que então circulavam a propósito de tais questões. Todavia, Belarmino esclareceu também os aspectos invisíveis da Igreja como Corpo místico e explicou-os com a analogia do corpo e da alma, com a finalidade de descrever a relação entre as riquezas interiores da Igreja e os aspectos exteriores que a tornam perceptível. Nesta obra monumental, que procura sistematizar as várias controvérsias teológicas dessa época, ele evita toda a abordagem polémica e agressiva em relação às ideias da Reforma, mas utilizando os argumentos da razão e da Tradição da Igreja, ilustra a doutrina católica de modo claro e eficaz.

Todavia, a sua herança consiste no modo como concebeu o seu trabalho. Com efeito, as onerosas funções de governo não o impediram de tender, quotidianamente, para a santidade com a fidelidade às exigências da própria condição de religioso, sacerdote e bispo. É desta fidelidade que provém o seu compromisso na pregação. Dado que, como sacerdote e bispo, é antes de tudo um pastor de almas, sentia o dever de pregar assiduamente. Pregou centenas de sermones — homilias — na Flandres, em Roma, em Nápoles e em Cápua, por ocasião das celebrações litúrgicas. Não menos abundantes são as suas exposições e explanações aos párocos, às religiosas e aos estudantes do Colégio Romano, que têm com frequência como objecto a Sagrada Escritura, especialmente as Cartas de São Paulo. A sua pregação e as suas catequeses apresentam aquela mesma índole de essencialidade, que tinha aprendido da educação inaciana, inteiramente destinada a concentrar as forças da alma sobre o Senhor Jesus, intensamente conhecido, amado e imitado.

Nos escritos deste homem de governo sente-se de modo muito claro, apesar da reserva por detrás da qual ele esconde os seus sentimentos, o primado que ele assegura aos ensinamentos de Cristo. Assim, São Roberto Belarmino oferece um modelo de oração, alma de todas as actividades : uma oração que ouve a Palavra do Senhor, que se satisfaz ao contemplar a sua grandeza, que não se fecha em si mesma, mas tem a alegria de se abandonar a Deus. Um sinal distintivo da espiritualidade de Belarmino é a percepção viva e pessoal da imensa bondade de Deus, pelo que o nosso santo se sentia verdadeiramente filho amado de Deus e o recolher-se com serenidade e simplicidade, em oração, em contemplação de Deus era para ele fonte de grande alegria. No seu livro De ascensione mentis in Deum — Elevação da mente a Deus — composto segundo o esquema do Itinerarium de São Boaventura, exclama : ‘Ó alma, o teu exemplar é Deus, beleza infinita, luz sem sombras, esplendor que supera aquele da lua e do sol. Eleva os olhos a Deus, em quem se encontram os arquétipos de todas as coisas e do qual, como de uma fonte de fecundidade infinita, deriva esta variedade quase infinita das coisas. Portanto, deve concluir : quem encontra Deus, encontra tudo; quem perde Deus, perde tudo’.

Neste texto sente-se o eco da célebre contemplatio ad amorem obtineundum — contemplação para alcançar o amor — dos Exercícios espirituais de santo Inácio de Loyola. Belarmino, que vive na sociedade opulenta e frequentemente malsã do último período do século XVI e do primeiro período do século XVII, desta contemplação haure aplicações práticas e projecta a situação da Igreja do seu tempo com um vigoroso ímpeto pastoral. No livro De arte bene moriendi — A arte de morrer bem — por exemplo, indica como norma segura do bom viver, e também do bom morrer, a meditação frequente e séria, de que se deverá prestar contas a Deus das próprias acções e do próprio modo de viver, e procurar não acumular riquezas nesta terra, mas viver com simplicidade e com caridade, de maneira a acumular bens no Céu. No livro De gemitu columbae — O gemido da pomba, onde a pomba representa a Igreja — exorta com força o clero e todos os fiéis a uma reforma pessoal e concreta da própria vida, seguindo aquilo que ensinam a Escritura e os Santos, entre os quais em particular São Gregório de Nazianzo, São João Crisóstomo, São Jerónimo e Santo Agostinho, além dos grandes fundadores de Ordens religiosas, como Bento, São Domingos e São Francisco. Belarmino ensina com grande clareza e com o exemplo da sua própria vida, que não pode haver uma verdadeira reforma da Igreja, se antes não houver a nossa reforma pessoal e a conversão do nosso coração.

Dos exercícios espirituais de Santo Inácio, Belarmino hauria conselhos para comunicar de modo profundo, até aos mais simples, a beleza dos mistérios da Fé. Ele escreve : ‘Se tens sabedoria, compreendes que foste criado para a glória de Deus e para a tua salvação eterna. Esta é a tua finalidade, este é o centro da tua alma, este é o tesouro do teu coração. Por isso, considera verdadeiro bem para ti aquilo que te conduz para o teu fim, e verdadeiro mal aquilo que te priva dele. Acontecimentos prósperos ou adversos, riquezas e pobrezas, saúde e doença, honras e ofensas, vida e morte, o sábio não deve procurá-los nem rejeitá-los para si mesmo. Mas só são bons e desejáveis, se contribuírem para a glória de Deus e para a tua felicidade eterna; são maus e devem ser evitados, se a impedirem’ (De ascensione mentis in Deum, grad. 1).

Obviamente, não se trata de palavras que passaram de moda, mas palavras que hoje devemos meditar prolongadamente, para orientar o nosso caminho nesta terra. Elas recordam-nos que a finalidade da nossa vida é o Senhor, o Deus que se revelou em Jesus Cristo, em quem Ele continua a chamar-nos e a prometer-nos a comunhão com Ele. Estas palavras recordam-nos a importância de confiar no Senhor, de levar uma vida fiel ao Evangelho, de aceitar e iluminar com a fé e com a oração todas as circunstâncias e todas as obras da nossa vida, sempre orientados para a união com Ele. Amém!’

 (23 de fevereiro de 2011)

Fonte :
* Bento XVISantos e Doutores da Igreja (catequeses condensadas), Lisboa, Paulus Editora, 2012.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário