quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A santa discrição na direção espiritual

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Santa Edith Stein 

A Santa Regra de São Bento é frequentemente denominada como ‘discretione perspicua’, quer dizer, ‘que se distingue pela discrição’. A discrição é considerada como uma marca característica da santidade beneditina.

De certo modo, sem ela não existe santidade e, quando compreendida em sua amplitude, se confunde com a própria santidade. Quando se confia algo a alguém, de humilde discrição, espera-se que ele guardará silêncio, porém, é muito mais do que simples sigilo. O discreto sabe, mesmo quando não lhe é recomendado, aquilo que não deve falar. Possui o dom de discernir entre o que deve falar e o que deve manter em silêncio, a quem se pode confiar algo e a quem não o pode. Isto serve tanto para assuntos pessoais quanto para os outros.

Consideramos como indiscrição se alguém fala de seus assuntos pessoais quando não convém, ou quando sua omissão é ofensiva.

Deste dom necessitam especialmente os que têm de dirigir almas. São Bento o menciona no contexto do capítulo 64 que caracteriza o Abade. Nas decisões que toma tem de ser ‘prudente e refletido’ e seja um trabalho humano ou divino que ele ordena, tem de saber discernir e ponderar, tendo presente o discernimento de Jacó quando diz : ‘Se fizer meus rebanhos trabalhar, andando demais, morrerão todos num só dia’. Este e outros testemunhos sobre a discrição, a mãe de todas as virtudes, tem de brotar do seu coração de tal modo que saiba ver o que os fortes desejam e o que afugenta os fracos. Poderíamos definir aqui a discrição como sábia moderação. Mas a fonte de tal moderação é o dom do discernimento, isto é, saber o que é mais adequado para cada um.

De onde nos vem este dom? Em nossa natureza há algo que nos capacita a um certo grau de discernimento. Nós o designamos como tato ou sensibilidade, fruto da cultura espiritual e sabedoria herdadas ou adquiridas, por meio de uma complexa atividade educativa e através de experiências de vida. O Cardeal Newman afirma que o autêntico cavalheiro, cortês e atencioso, quase se confunde com o santo. Certamente isto só é válido enquanto não se cumpre um certo limite. A partir deste limite, porém, o equilíbrio ‘natural’ se faz em pedaços. Por ouro lado, essa discrição natural, não penetra no profundo. Sabe muito bem ‘como tratar os homens’ e chega a prevenir-se dos obstáculos da vida social, lubrificando oportunamente as engrenagens do sistema. Mas, os pensamentos do coração, no mais íntimo da alma, permanecem escondidos. Aí, só penetra o Espírito que tudo perscruta inclusive a profundez da divindade. A autêntica discrição é, portanto, sobrenatural. Encontra-se somente onde reina o Espírito Santo, onde uma alma totalmente entregue e livre para mover-se, está atenta à suave voz do encantador hóspede e espera o seu sopro divino. (...)

A santa discrição é radicalmente diversa da discrição humana. Ela não discerne em base a um pensamento progressivo, como pode ser o espírito investigador humano, tampouco na base de compêndios ou de comparações e agrupamentos, ou conclusões e demonstrações. Ela discerne como o olho em plena luz do dia o contorno que as coisas têm ao seu redor. Perceber os mínimos detalhes não impede que se perca a visão do todo. Quanto mais acima o peregrino está, mais amplo é o panorama à sua frente, visto que do cume de onde contempla, alcança todos os arredores. O olho do espírito, iluminado pela luz celeste, alcança as distâncias mais remotas e nada se lhe apresenta indistinto ou indistinguível. Com a união cresce a plenitude até que o simples raio da luz divina se faça visível, no mundo inteiro, como aconteceu a São Bento na magna visão.


Fonte : 
* Santa Edith Stein (Teresa Benedita da Cruz, OCD, 1891-1942). Obras Selectas – Editorial Monte Carmelo – Burgos, 1998, p. 261-264.

Revista Beneditina nrº 11, Julho/Agosto de 2005, traduzido e editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.


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