Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Jackson Erpen
«A percepção
desta perda do tempo presente por parte do cristianismo e da tarefa que disto
derivava estava bem resumida pela palavra ‘aggiornamento’, actualização. O
cristianismo deve estar no presente para poder dar forma ao futuro» (Bento XVI)
‘Joseph Ratzinger, como teólogo, contribuiu para dar
forma e acompanhar o Concílio Vaticano II. Trabalhou na sua preparação, foi
membro de diversas comissões e ao final redigiu os comentários às
Constituições Lumen gentium, Sacrosanctum concilium, Dei Verbum e Gaudium et spes.
Mas
voltemos um pouco ao contexto em que Ratzinger recebeu o anúncio do Concílio. E
é ele mesmo que o descreve com as seguintes palavras : «João XXIII havia
anunciado o Concílio Vaticano II, reavivando – em muitos até a euforia –
aquele sentimento de renascimento e esperança que, apesar da ameaça que a etapa
nacional-socialista havia suposto, ainda estava vivo desde o final do Primeira
Guerra Mundial».[1]
A teologia e a vida da Igreja
na Alemanha, de fato, havia dado passos importantes no período entre
guerras. Ratzinger assim resume essas contribuições. ‘Por um lado, o século em
que vivemos foi chamado o século da Igreja; poderíamos também chamá-lo de século
litúrgico e sacramental, visto que a redescoberta da Igreja, ocorrida durante
as duas guerras mundias, reside na redescoberta da riqueza espiritual da
liturgia primitiva cristã e o princípio sacramental». [2]
Ele também conclui, que ‘o
movimento litúrgico, o movimento bíblico e ecumênico e, por fim, uma forte
religiosidade mariana, configuraram um novo clima espiritual no qual floresceu
também uma nova teologia que, no Concílio Vaticano II, deu frutos para toda
Igreja».[3]
No contexto do recente
falecimento do Papa Bento XVI, grande teólogo, padre Gerson
Schmidt* nos propõe hoje a reflexão ‘Ratzinger e o Concílio Vaticano
II’ :
‘O cardeal Joseph Ratzinger, como
teólogo, participou em medida relevante na gênese dos textos mais variados do
Concilio Vaticano II, primeiro ao lado do arcebispo de Colônia, cardeal Joseph
Frings, e mais tarde como membro autônomo de diversas comissões.
O cardeal e arcebispo emérito D.
Gerhard Ludwig Müller, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, fala
assim da influência de Ratzinger no Concílio :
‘Na fase da recepção, ele –
Ratzinger - não se cansa de recordar que o Concílio deve ser avaliado e
compreendido à luz da sua intenção autêntica. O Concílio é parte integrante da
história da Igreja e, portanto, só o podemos compreender corretamente se
considerarmos este contexto de dois mil anos. Graças aos seus trabalhos sobre o
conceito de Igreja em Santo Agostinho e sobre o conceito de Revelação em são
Boaventura, com os quais tinha obtido os graus académicos, Joseph Ratzinger era
particularmente idôneo e preparado para enfrentar as questões centrais
apresentadas à Igreja no século XX. Entre elas, depois das experiências da
guerra e de uma sociedade em profunda transformação nos anos sessenta, estava a
crescente perda de significado e de presença da Igreja no mundo. O Papa Bento
XVI descreveu do seguinte modo a tarefa do concílio : «A percepção desta perda
do tempo presente por parte do cristianismo e da tarefa que disto derivava
estava bem resumida pela palavra ‘aggiornamento’, atualização. O cristianismo
deve estar no presente para poder dar forma ao futuro».’[4]
No discurso à Cúria Romana
a 22 de Dezembro de 2005, que suscitou grande interesse, Bento XVI pôs em
evidência «a hermenêutica da reforma na continuidade» face a uma «hermenêutica
da descontinuidade e da ruptura». Joseph Ratzinger coloca-se assim no sulco das
suas afirmações de 1966. Esta interpretação é a única possível segundo os
princípios da teologia católica, ou seja, considerando o conjunto indissolúvel
entre Sagrada Escritura, a Tradição completa e integral e o Magistério, cuja
expressão mais alta é o concílio presidido pelo sucessor de são Pedro como
cabeça da Igreja visível. Fora desta única interpretação ortodoxa infelizmente
existe uma interpretação herética, ou seja, a hermenêutica da ruptura, quer na
vertente progressista, quer na tradicionalista. Estas duas vertentes têm em
comum a rejeição do concílio; os progressistas pretendendo deixá-lo para trás,
como se fosse só uma estação que se deve abandonar para alcançar outra Igreja;
os tradicionalistas não querendo alcançá-lo, como se fosse o Inverno da Catholica. [5]
A questão das polarizações e
totalitarismos são percebidos também dentro da própria Igreja. Há quem diga que
o Concílio Vaticano II já está ultrapassado; outros, como conservadores
radicais, nem aceitam o Concílio como a proposta de renovação da Igreja para
dentro e para fora. Consultado que foi para um novo Concílio nas Américas, o
Papa Francisco respondeu que as conclusões do Concílio Vaticano II nem foram
aplicadas ainda na Igreja.
Na homilia dos
60 aos do Concílio dizia em tom claro sobre os radicalismos : ‘Quantas
vezes se preferiu ser «adeptos do próprio grupo» em vez de servos de todos, ser
progressistas e conservadores em vez de irmãos e irmãs, «de direita» ou «de
esquerda» mais do que ser de Jesus; arvorar-se em «guardiões da verdade» ou em
«solistas da novidade», em vez de se reconhecer como filhos humildes e
agradecidos da santa Mãe Igreja. Todos, todos somos filhos de Deus, todos
irmãos na Igreja, todos Igreja, todos’.’
_______________
[1] Mi vida, Encuentro, Madrid 1997, pp. 97.
[2] Ser cristiano (1965), Sígueme,
Salamanca 1967, p. 57
[3] Natura e compito della teologia. Il teologo
nella disputa contemporanea: storia e dogma, Jaca Book, Milano 1993, p. 90.
[4] Arcebispo D.
Gerhard Ludwig Müller,Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - Reflexões
sobre os escritos conciliares de Joseph Ratzinger - https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/muller/rc_con_cfaith_doc_20121128_riflessioni-muller_po.html
[5] Idem.
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-01/joseph-ratzinger-concilio-vaticano-ii0.html
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