Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil
O compromisso pessoal no cultivo
da paz no coração é contribuição indispensável no propósito de alcançar a paz
social. É, pois, questão que vai além de um simples bem-estar individual, para
ser reconhecido como tarefa educativa indispensável, que não pode ser
renunciada. Desconsiderar essa tarefa significa conviver com prejuízos pessoais
e sociais. Todos são convocados a investir cada vez mais na própria
interioridade, um arrumar-se essencial para se tornar coração de paz. Isto
porque a paz é dom de Deus. Esse dom, para ser recebido, requer, de cada
pessoa, um especial cuidado com a própria interioridade. Deus é fonte
inesgotável de paz, mas a acolhida desse dom depende de um esforço humano
indispensável. Esse esforço diz respeito à avaliação e à gestão dos sentimentos
que podem fazer do próprio coração um tribunal implacável. Tribunal de
julgamentos que inviabilizam a construção de vínculos e as ações que sustentam
a fraternidade universal.
Conta decisivamente o especial
cuidado com o que se hospeda no coração. Trata-se de uma responsabilidade moral
e afetiva que, quando não é assumida, leva à emissão de juízos comprometidos
sobre os outros e a respeito das muitas situações que marcam a existência
humana. E o tribunal do coração precisa ser justo para não se contrapor à
grandeza do amor. O amor é a vocação e a missão de cada coração. Essa vocação e
missão são desrespeitadas quando corações se fecham para a escuta do outro, de
suas razões, tornando-se um tribunal implacável. Corações fechados emitem
juízos caracterizados por uma rigidez na consideração do próximo,
inviabilizando a constituição de vínculos qualificados, de relações pautadas
pelo respeito. O tribunal do coração precisa contemplar a capacidade de escutar
o semelhante, buscando estabelecer diálogos que gerem entendimentos e escolhas
acertadas. A escuta é remédio que salva o coração de fechar-se sobre si mesmo,
estreitando o seu alcance com maus sentimentos, a exemplo da inveja, da
ingratidão e do excesso de rigor na consideração das outras pessoas.
Interiorizar no coração
sentimentos qualificados é indispensável para não se correr o risco de
simplesmente buscar se agigantar na racionalidade, enquanto se apequena no
aspecto afetivo-emocional. Desconsiderar a dimensão afetivo-emocional leva à
confusão entre sentimentos e juízos, com impactos negativos nas relações e nas
avaliações, promovendo inadequada percepção sobre os próprios desempenhos e
responsabilidades. Não raramente, corre-se o risco de leituras que justificam
inimizades e ressentimentos, a busca pelo poder mesmo que com consequências
prejudiciais para o bem comum. A qualidade das atitudes humanas, do desempenho
de líderes, das tarefas exercidas dentro da responsabilidade de cada um,
depende da adequada regência dos sentimentos que habitam os corações.
No cuidado dessa regência, são
preciosas as indicações do Mestre Jesus, que terapeuticamente trata do coração
de seus discípulos. Jesus, em vários momentos, adverte seus discípulos sobre a
importância de se cuidar da própria interioridade para garantir justiça e amor.
Em certa ocasião, o Mestre sublinhou que a dureza do coração humano produziu a
relativização da lei, com consequências graves para a humanidade. Focalizou
ainda a incompetência humana e moral revelada na disputa entre seus discípulos
que, em determinada situação, almejavam poder e lugar privilegiado revelando
vaidade e soberba. Jesus argumentou, reiteradamente, sobre a importância da
autoconsciência. Apontou indicações e práticas para se evitar a substituição do
amor recíproco por mágoas - multiplicadoras de sombras, de ingratidão e de
leituras da realidade sem as virtudes de um coração simples. O Mestre sublinhou
especial advertência: não traz condenação o que entra, mas o que sai da boca,
considerando imoralidades que ferem a grandeza da vocação humana.
Investir na qualificação do
próprio coração, em um fecundo itinerário espiritual, é indispensável para
alicerçar juízos, decisões e escolhas que levem à paz. Um itinerário para
promover os valores e os princípios essenciais à fraternidade solidária, meta
que precisa ser alcançada urgentemente, para que seja respeitada sempre, e cada
vez mais, a dignidade humana.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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