Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Cardeal arcebispo de Viena (Áustria)
‘Entre os grandes legados do Papa Bento XVI está
certamente o Catecismo da Igreja Católica. Nesta sede, eu me lembro com
gratidão de suas recordações pessoais. É bem conhecido que o Vaticano II,
diferentemente do Concílio de Trento, não tinha decidido publicar um Catecismo
próprio do Concílio. Os documentos do Concílio, de certa forma, foram eles
mesmos a grande catequese da Igreja. Vinte anos após o Concílio, muitos
começaram a ver as coisas de maneira diferente. O Sínodo dos Bispos de 1985,
entre suas propositiones, formulou uma que exortava o Papa a
redigir um Catecismo do Vaticano II. Falava-se então de um compêndio, a
expressão catecismo era evitada, não era bem recebida. A desorientação que foi
sentida de muitas partes no período pós-conciliar foi decisiva para a
formulação dos desiderata dos padres sinodais. Nesse sentido,
uma conferência que o cardeal Ratzinger havia dado em Lyon e Paris sobre a ‘crise
da catequese’ havia desempenhado um papel importante. Esta explanação teve uma
ressonância mundial.
O cardeal Ratzinger não somente abordou o tema da
crise na proclamação da fé, mas também apresentou um programa para a renovação
da catequese da Igreja. Sua referência tinha sido o Catecismo Romano de 1566 e
sua preocupação era apresentar a fé da Igreja em toda sua beleza e de uma
maneira não polêmica. De fato, é surpreendente que em um tempo repleto de
controvérsia teológica, a Igreja tenha apresentado uma exposição da fé que
renunciou totalmente à polêmica, confiando plenamente no poder irradiante da
representação positiva da fé.
As conferências de Ratzinger em Lyon e Paris foram sem
dúvida um forte impulso que encorajou os padres sinodais a pedir ao Papa João
Paulo II que considerasse algo semelhante para o nosso tempo.
Em 1986, o Papa João Paulo II começou a realizar o
pedido do Sínodo. Ninguém se surpreendeu que ele tenha confiado ao cardeal
Ratzinger a liderança deste projeto. Certamente não preciso me lembrar das
etapas deste percurso de seis anos. Foi formada uma comissão de 12 cardeais e
bispos, com o cardeal Ratzinger na condução. Foi criado um comitê de redação,
composto por sete bispos diocesanos; como professor em Friburgo, tive a honra
de ser seu secretário.
Parece-me importante enfatizar o papel do cardeal
Ratzinger na realização desta obra. Sua orientação, seu espírito, sua
inspiração foram decisivos. A primeira e mais importante coisa é que ele
acreditava neste projeto. Desde o primeiro dia, houve grande controvérsia
quanto à razoabilidade, até mesmo quanto à viabilidade de um compêndio de fé
válido para o mundo inteiro. A pluralidade de culturas e crenças religiosas
parecia falar radicalmente contra ela. Ao invés disso, ele acreditava nesta
possibilidade, com confiança e coragem, de que a unidade na fé também torna
possível a expressão comum desta unidade. Com esta premissa orientadora, o
trabalho começou. Um segundo ponto de partida que ele ofereceu para a
realização do projeto foi a convicção de que os quatro pilares da
catequese também eram fundamentais para os dias de hoje. Ele também
indicou a ordem de sucessão : o Credo é o fundamento, desde os primeiros
tempos da Igreja; os sacramentos são as portas pelas quais a graça entra em
nossas vidas; os Dez Mandamentos são os pontos de referência seguros de uma
vida feliz; o Pai-Nosso representa a medida e a forma original de todas as
nossas orações. Eis aí a estrutura do livro da fé.
A terceira indicação foi decisiva para o estilo da
obra. De fato, não devia repropor os debates teológicos, nem continuar as
discussões. Sua tarefa era apresentar a doutrina da fé da maneira mais simples
e clara possível. O Catecismo não era para tomar partido entre escolas
teológicas, mas para oferecer tudo o que precede toda teologia e que é a base
de toda teologia: o depositum fidei. Foi uma preocupação particular
do cardeal Ratzinger ver a doutrina da fé como um todo orgânico, prestar
atenção ao nexus mysteriorum, a conexão interna de toda doutrina da
fé, sua sinfonia. O Catecismo não deveria se tornar uma estrutura doutrinária
seca, abstrata, mas deveria revelar algo da beleza da fé. Sob sua orientação,
constante encorajamento e paternidade espiritual, a obra cresceu para se tornar
o que mais tarde se tornou com sua promulgação pelo Papa João Paulo II : um
critério e um ponto de referência seguro para a fé em nosso tempo. O
Catecismo continua sendo um grande testemunho do poder formativo do teólogo
Joseph Ratzinger/Papa Bento.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2022-12/morte-bento-xvi-cardeal-schonborn.html
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