Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Francisco reza diante de caixão de Bento XVI após funeral do dia 5 de janeiro de 2023 | AFP
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
Esses foram os questionamentos
feitos por algumas pessoas logo após a notícia do falecimento do papa emérito,
ocorrido no último dia 31. O problema é que, do ponto de vista histórico, a
renúncia de Ratzinger já havia sido vetor de uma revolução sem precedentes, não
o seu falecimento em si.
E vou explicar o porquê.
Como sabemos, Bento XVI não foi o
primeiro pontífice da história a abdicar. Ao menos desde o século I há
registros de demissões do ministério petrino (livres ou forçadas). Papa
Clemente (o quarto bispo de Roma), que foi exilado, deixou cargo em favor de
Evaristo, de modo que a comunidade cristã não ficasse desamparada.
A diferença é que Papa Ratzinger
instaurou uma instituição chamada ‘papado emérito’, cuja regulamentação os
canonistas aguardam que se efetive para possibilitar que outros papas, que
queiram dar esse passo, sejam amparados por uma legislação clara.
No entanto, Francisco sinalizou
que não pretende, durante seu governo, mexer no que aí está. A afirmação foi
feita durante entrevista concedida à ABC da Espanha, publicada no mês passado.
‘Não toquei em nada nem tive a
ideia de fazê-lo. Talvez o Espírito Santo não queira que eu me preocupe com
essas coisas’, ressaltou.
E foi nessa resposta que
Francisco instaurou um clima de incerteza tanto em relação a uma eventual
renúncia quanto aos critérios que ele mesmo estabeleceu para executá-la no
futuro. Muito embora o papa argentino tenha declarado, também nesta entrevista,
que já havia assinado sua carta de renúncia em 2013, repetindo o gesto de seus
antecessores Pio XII e Paulo VI, tal oficialização, na prática, quer dizer
muito pouco. Pacelli e Montini, que fizeram o mesmo, permaneceram no cargo até
a morte.
Ou seja, isso não quer dizer que
Francisco, com isso, dá por certa sua saída do papado ‘por vias não
convencionais’. Mas pode estar ‘jogando’ com essa afirmação, à diferença dos
outros dois que citamos, cuja intenção foi guardada a sete chaves e só foi
revelada anos após a morte de ambos.
Nesses dois casos precedentes,
caso qualquer informação vazasse, impactaria na estabilidade do próprio papado.
Um foi papa em meio à Segunda Guerra Mundial. O outro, por sua vez, teve a
incumbência de colocar em prática o Concílio Vaticano II e lidar com todas as
resistências que se levantaram contra aquele novo modelo de Igreja. Mostrar-se ‘enfraquecido’,
em tais contextos, estava fora de cogitação.
Diferente de Bento XVI,
Francisco, em suas declarações, esconde grandes trunfos. Ele sabe que muitos,
dentro da própria Cúria Romana, o apoiam por conveniência.
Por isso, para ele, é
interessante observar, do alto da sua cátedra, como seus colaboradores se movem
nesse ‘pré-conclave’.
Francisco é um grande
estrategista, no sentido mais nobre do termo. Ele executa um programa de
governo capaz de impactar para além dos muros da Igreja. Por isso mesmo, ser
reconhecido como líder global por setores que sequer estão ligados à estrutura
eclesial é um dado de fato.
Talvez, com isso, ele queira
sentir como o colégio cardinalício prepara o terreno para o seu sucessor uma
vez que ele, mais que ninguém, não quer que seu substituto decline seu projeto
de reforma. Neste caso, mostrar-se enfraquecido e às portas de jogar tudo para
o alto, esconde mais vantagens que desvantagens para ele. E ele o faz visando o
bem da própria instituição, para que ela não caia nas mãos da ‘corte do
retrocesso’ onde um ‘clero nobre’, que se coloca acima do bem e do mal, governa
para mas servir aos próprios interesses.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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