domingo, 15 de janeiro de 2023

E Francisco após a morte de Bento XVI?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

Francisco reza diante de caixão de Bento XVI após funeral do dia 5 de janeiro de 2023 | AFP 

*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


O que muda com a morte de Bento XVI? Há um impacto real sobre o pontificado de Francisco? Trata-se de uma página virada na história da Igreja que esconde incertezas sobre o futuro?

Esses foram os questionamentos feitos por algumas pessoas logo após a notícia do falecimento do papa emérito, ocorrido no último dia 31. O problema é que, do ponto de vista histórico, a renúncia de Ratzinger já havia sido vetor de uma revolução sem precedentes, não o seu falecimento em si.

E vou explicar o porquê.

Como sabemos, Bento XVI não foi o primeiro pontífice da história a abdicar. Ao menos desde o século I há registros de demissões do ministério petrino (livres ou forçadas). Papa Clemente (o quarto bispo de Roma), que foi exilado, deixou cargo em favor de Evaristo, de modo que a comunidade cristã não ficasse desamparada.

A diferença é que Papa Ratzinger instaurou uma instituição chamada ‘papado emérito’, cuja regulamentação os canonistas aguardam que se efetive para possibilitar que outros papas, que queiram dar esse passo, sejam amparados por uma legislação clara.

No entanto, Francisco sinalizou que não pretende, durante seu governo, mexer no que aí está. A afirmação foi feita durante entrevista concedida à ABC da Espanha, publicada no mês passado.

‘Não toquei em nada nem tive a ideia de fazê-lo. Talvez o Espírito Santo não queira que eu me preocupe com essas coisas’, ressaltou.

E foi nessa resposta que Francisco instaurou um clima de incerteza tanto em relação a uma eventual renúncia quanto aos critérios que ele mesmo estabeleceu para executá-la no futuro. Muito embora o papa argentino tenha declarado, também nesta entrevista, que já havia assinado sua carta de renúncia em 2013, repetindo o gesto de seus antecessores Pio XII e Paulo VI, tal oficialização, na prática, quer dizer muito pouco. Pacelli e Montini, que fizeram o mesmo, permaneceram no cargo até a morte.

Ou seja, isso não quer dizer que Francisco, com isso, dá por certa sua saída do papado ‘por vias não convencionais’. Mas pode estar ‘jogando’ com essa afirmação, à diferença dos outros dois que citamos, cuja intenção foi guardada a sete chaves e só foi revelada anos após a morte de ambos.

Nesses dois casos precedentes, caso qualquer informação vazasse, impactaria na estabilidade do próprio papado. Um foi papa em meio à Segunda Guerra Mundial. O outro, por sua vez, teve a incumbência de colocar em prática o Concílio Vaticano II e lidar com todas as resistências que se levantaram contra aquele novo modelo de Igreja. Mostrar-se ‘enfraquecido’, em tais contextos, estava fora de cogitação.

Diferente de Bento XVI, Francisco, em suas declarações, esconde grandes trunfos. Ele sabe que muitos, dentro da própria Cúria Romana, o apoiam por conveniência.

Por isso, para ele, é interessante observar, do alto da sua cátedra, como seus colaboradores se movem nesse ‘pré-conclave’.

Francisco é um grande estrategista, no sentido mais nobre do termo. Ele executa um programa de governo capaz de impactar para além dos muros da Igreja. Por isso mesmo, ser reconhecido como líder global por setores que sequer estão ligados à estrutura eclesial é um dado de fato.

Talvez, com isso, ele queira sentir como o colégio cardinalício prepara o terreno para o seu sucessor uma vez que ele, mais que ninguém, não quer que seu substituto decline seu projeto de reforma. Neste caso, mostrar-se enfraquecido e às portas de jogar tudo para o alto, esconde mais vantagens que desvantagens para ele. E ele o faz visando o bem da própria instituição, para que ela não caia nas mãos da ‘corte do retrocesso’ onde um ‘clero nobre’, que se coloca acima do bem e do mal, governa para mas servir aos próprios interesses.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1598516

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