terça-feira, 1 de setembro de 2020

Forçados a fugir

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)   
     

*Artigo de Bernardino Frutuoso,
jornalista

‘O jovem africano, magro e assustado, olha fixamente para o telemóvel. Desce a escada da ponte nos braços de um marinheiro de macacão azul e com uma máscara anticovid. A fotografia circula na Internet, publicada pelas ONG que trabalham há anos para salvar as pessoas que, desesperadas, fogem da África e do Médio Oriente. «Parece a Pietà» comentam nas redes sociais. A Pietà do Mediterrâneo estava a bordo do Talia, um cargueiro libanês que normalmente transporta gado e que em Julho passado recebeu cerca de cinquenta migrantes, resgatados em condições extremas e que tinham sido bloqueados a poucos quilômetros de distância de Malta.

Esta notícia – e ação de profunda humanidade do marinheiro-samaritano – lembra-nos a atualidade, o drama e o desafio da migração. Sabemos que existem múltiplas e complexas razões que levam as pessoas a migrar : conflitos, violência armada, pobreza, desigualdade, falta de emprego e oportunidades, alterações climáticas, insegurança urbana (68% das pessoas que integram as caravanas na América Central em direção aos EUA fogem da pobreza, mas também dos gangues). Dizem os especialistas que a pressão migratória vai continuar a aumentar. De fato, de acordo com os dados da Organização Internacional para as Migrações, entre 2000 e 2019 os migrantes à escala global passaram de 150 milhões para 272 milhões (de 2,8% para 3,4% da população mundial).

Uma vertente da migração, cada vez mais relevante, é o fenômeno do deslocamento interno (segundo os últimos dados publicados pelo Internal Displacement Monitoring Centre, registaram-se em 2019 em todo o mundo 33,4 milhões de novos deslocados internos). É em relação a esse drama do mundo contemporâneo, «muitas vezes invisível, que a crise mundial causada pela pandemia de covid-19 exacerbou», que Francisco reflete na mensagem para o 106.º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, que este ano se celebra no dia 27 deste mês de Setembro.

O ponto de partida do texto do papa é o ícone da fuga da Sagrada Família para o Egito, em que «o menino Jesus experimenta, juntamente com os seus pais, a dramática condição de deslocado e refugiado marcada por medo, incerteza e dificuldades». Na hermenêutica que faz do texto de Mateus, o papa sublinha que em cada um dos deslocados do nosso tempo «está presente Jesus, forçado – como no tempo de Herodes – a fugir para Se salvar. Nos seus rostos, somos chamados a reconhecer o rosto de Cristo faminto, sedento, nu, doente, forasteiro e encarcerado que nos interpela». E podemos interpretar, igualmente, que esse relato bíblico nos lembra que todos somos migrantes e cada um de nós tem nos seus genes uma história de migração, temporalmente mais remota ou mais próxima.

Para 2020, além de relembrar aos cristãos os verbos acolherprotegerpromover integrar, as quatro pedras angulares para uma ação eticamente comprometida que propusera na mensagem de 2018, o Papa Francisco acrescenta seis pares de verbos que traduzem ações concretas, interligadas numa relação de causa-efeito : conhecer para compreender; aproximar-se para servir; escutar para reconciliar-se; partilhar para crescer; co-envolver para promover; colaborar para construir. Verbos que conjugados pró-ativamente na prática quotidiana dos discípulos missionários de Jesus ajudarão a derrubar muros e a alicerçar um futuro mais esperançado, fraterno e justo para todos.’


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