‘O jovem
africano, magro e assustado, olha fixamente para o telemóvel. Desce a escada da
ponte nos braços de um marinheiro de macacão azul e com uma máscara anticovid.
A fotografia circula na Internet, publicada pelas ONG que trabalham há anos
para salvar as pessoas que, desesperadas, fogem da África e do Médio Oriente. «Parece
a Pietà» comentam nas redes sociais. A Pietà do Mediterrâneo estava
a bordo do Talia, um cargueiro libanês que normalmente transporta
gado e que em Julho passado recebeu cerca de cinquenta migrantes, resgatados em
condições extremas e que tinham sido bloqueados a poucos quilômetros de
distância de Malta.
Esta
notícia – e ação de profunda humanidade do marinheiro-samaritano – lembra-nos a
atualidade, o drama e o desafio da migração. Sabemos que existem múltiplas e
complexas razões que levam as pessoas a migrar : conflitos, violência armada,
pobreza, desigualdade, falta de emprego e oportunidades, alterações climáticas,
insegurança urbana (68% das pessoas que integram as caravanas na América
Central em direção aos EUA fogem da pobreza, mas também dos gangues). Dizem os
especialistas que a pressão migratória vai continuar a aumentar. De fato, de
acordo com os dados da Organização Internacional para as Migrações, entre 2000
e 2019 os migrantes à escala global passaram de 150 milhões para 272 milhões
(de 2,8% para 3,4% da população mundial).
Uma
vertente da migração, cada vez mais relevante, é o fenômeno do deslocamento
interno (segundo os últimos dados publicados pelo Internal Displacement
Monitoring Centre, registaram-se em 2019 em todo o mundo 33,4 milhões de novos
deslocados internos). É em relação a esse drama do mundo contemporâneo, «muitas
vezes invisível, que a crise mundial causada pela pandemia de covid-19
exacerbou», que Francisco reflete na mensagem para o 106.º Dia Mundial do
Migrante e do Refugiado, que este ano se celebra no dia 27 deste mês de
Setembro.
O ponto
de partida do texto do papa é o ícone da fuga da Sagrada Família para o Egito,
em que «o menino Jesus experimenta, juntamente com os seus pais, a dramática
condição de deslocado e refugiado marcada por medo, incerteza e dificuldades».
Na hermenêutica que faz do texto de Mateus, o papa sublinha que em cada um dos
deslocados do nosso tempo «está presente Jesus, forçado – como no tempo de
Herodes – a fugir para Se salvar. Nos seus rostos, somos chamados a reconhecer
o rosto de Cristo faminto, sedento, nu, doente, forasteiro e encarcerado que
nos interpela». E podemos interpretar, igualmente, que esse relato bíblico
nos lembra que todos somos migrantes e cada um de nós tem nos seus genes uma
história de migração, temporalmente mais remota ou mais próxima.
Para
2020, além de relembrar aos cristãos os verbos acolher, proteger, promover e integrar,
as quatro pedras angulares para uma ação eticamente comprometida que propusera
na mensagem de 2018, o Papa Francisco acrescenta seis pares de verbos que
traduzem ações concretas, interligadas numa relação de causa-efeito : conhecer
para compreender; aproximar-se para servir; escutar para reconciliar-se;
partilhar para crescer; co-envolver para promover; colaborar para construir.
Verbos que conjugados pró-ativamente na prática quotidiana dos discípulos
missionários de Jesus ajudarão a derrubar muros e a alicerçar um futuro mais
esperançado, fraterno e justo para todos.’
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