Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘Não
se está apenas vivendo uma época de mudanças, mas uma grande e radical mudança
de época. Essa expressão, resultado de análises filosófico-antropológicas
dedicadas à contemporaneidade, faz referência às revoluções sem precedentes que
estão reconfigurando a humanidade. No contexto das aceleradas e profundas
transformações, pensa-se que as muitas narrativas capazes de dar sentido ao
mundo ruíram, e ainda não teria surgido nenhuma outra para ocupar as lacunas
existentes. Muitas perguntas permanecem sem respostas, mesmo com tantas vozes
que se consideram autoridades no esclarecimento de interpelações. Não
raramente, essas vozes promovem uma dissonância que atormenta, atrasa
processos, gera confusões, alimentando relativizações que desconsideram
memórias, valores e princípios imprescindíveis. O resultado é uma verdadeira
babel, com prejuízos aos entendimentos necessários para que cada pessoa exerça
o seu papel na sociedade. Essa dissonância, com vozes que instigam polarizações
e fundamentalismos, prejudica também o estado de espírito – a condição
emocional de grupos e indivíduos, alimentando desequilíbrios e descompassos.
O
coro ruidoso, promovido por pessoas e grupos, é desafinado não por uma falta de
referenciais teóricos, ou pela escassez de análises relevantes. A dissonância
de vozes vem, especialmente, da ausência de compreensão mínima sobre o que
significa viver e conviver na Casa Comum, ou da desconsideração sobre a
urgência de se efetivar uma economia guiada pelos parâmetros da
sustentabilidade, salubridade e solidariedade. Sem solucionar essas carências,
torna-se impossível mudar cenários de exclusão social que são atestados de
incompetência para uma sociedade com tantos avanços tecnológicos e científicos.
Obviamente, a civilização contemporânea, em comparação a outras fases da
história humana, conta com muito mais oportunidades, mas precisa capacitar-se
para aproveitá-las bem. É necessário investir para que o humanismo fundamente
as vozes deste tempo. Mais que isso : torne-se também força capaz de configurar
nova etapa na história da humanidade.
Ante
as aceleradas transformações sociais contemporâneas, muitos experimentam
sensação de impotência neste contexto que aparenta ser caótico. Esse sentimento
pode ser o sinal de que se está no caminho certo, pois a realidade é, de fato,
muito complexa. Não é possível a apenas uma pessoa compreendê-la ou gerenciá-la
plenamente. Reconhecer que se sabe muito menos do que se pensa saber é um
passo com incidência existencial forte. Para alcançar essa compreensão, deve-se
considerar a importância de muitos elementos que não podem ser negociados ou
rifados, pois são antídotos para obscurantismos. Não se deve abrir mão, por
exemplo, da memória histórica de instituições, frequentemente desconsideradas
nos dias atuais por quem se perde na avalanche de mudanças.
Sem
reconhecer a memória, muitos acreditam, ingenuamente, que estão ‘inventando
a roda’, mesmo que essa ‘roda’ já exista – o necessário é a
inteligência para fazê-la girar. Além disso, ao desconsiderar a memória,
paga-se um preço alto com a perda do sentido que alimenta a vida. Convive-se
com a arbitrariedade da iconoclastia que demole tudo e enfraquece o tecido
existencial com superficialidades, a partir da ilusão de que se está
construindo algo novo. Nesse mesmo caminho de desconsideração da memória, há um
impulso inconsequente, por vezes alimentado por interesses ideológicos,
oportunistas, cegos e até mesquinhos. Esse impulso leva muitos a prescindir de
instituições com capacidade para ser voz forte na superação das dissonâncias
que prejudicam a sociedade.
As
instituições estão sendo enfraquecidas ou atingidas por um subjetivismo que
alimenta nas pessoas a ilusão de que suas próprias vozes são as mais lúcidas.
Indivíduos passam a acreditar que suas perspectivas podem substituir vozes
institucionais – que também necessitam, permanentemente, de afinação, para
continuarem proféticas e gerarem interpelações transformadoras. Quando a
irracionalidade permite que sejam enfraquecidos contextos institucionais há
graves consequências : democracias perdem força, desempenhos profissionais e
cidadãos tornam-se inadequados e cada vez mais se acentua a dissonância entre
as muitas vozes, conduzindo instituições religiosas, educacionais, políticas,
governamentais e tantas outras ao universo das irrelevâncias.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/artigo/9052/2020/09/vozes-e-irrelevancias/
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