Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Padre Fábio de Melo é um exemplo dos padres que se adaptaram à nova realidade, celebrando suas missas dominicais através de lives (Reprodução Instagram @pefabiodemelo)
*Artigo do Padre Wladimir Porreca,
Diocese de São João da Boa Vista
Paróquia São Sebastião em Mococa, SP
‘No
cenário de mudanças rápidas nas atividades religiosas impostas pela pandemia da
Covid-19, o isolamento social e as práticas higiênicas, exigiram das lideranças
religiosas criarem alternativas para manterem o vínculo humano e religioso e
prestarem a devida assistência religiosa aos adeptos dos segmentos religiosos.
Pelos
meios midiáticos grande parte dos líderes religiosos em todo mundo, continuaram
as atividades e orientações religiosas, para possibilitar aos fiéis (mesmo
aqueles com grandes dificuldades em terem os aparelhos/recursos tecnológicos e
em manipular os meios tecnológicos), proximidade as práticas e orientações
religiosas e fraternas/solidárias mais acessíveis, minimizando a ausência
sofrida nos ritos ou nas celebrações em lugares religiosos costumeiros e o
empenho da caridade.
Houve
uma busca em orientar e valorizar outros componentes dos ritos ou celebrações,
redimensionando as partes ausentes, salientando o argumento do bem maior na
manutenção e preservação da vida, valorizando o essencial e a criatividade dos
componentes presentes e possíveis. E ainda apelos e ações solidárias concretas
constantes em prol da coletividade.
Na
aventura das mudanças e adaptações em tempo pandêmico, as religiões, em sua
estrutura e dinâmica, com suas doutrinas, ritos, valores e outros, ganharam
considerável amplitude no ciberespaço com as tecnologias, promovendo uma
verdadeira pandemia de transmissões religiosas : ritos ou celebrações, lives,
estudos, comunicados e outros.
Se
os corpos ficam em casa, pelo menos os olhos, os ouvidos, as mentes e os
corações tentam sair, encontrar-se, por isso não tardaram em se conectar. Com
reinvenção do rito, do culto e das práticas religiosas e outras atividades
religiosas, a adaptação a realidade pandêmica evidenciou e instalou ‘novos’
modelos religiosos mais descentralizados da liderança religiosa, bem como, uma
grande preocupação de como serão as atividades religiosas pós pandemia (Grillo,
2020; Hott, 2020).
No
que se refere às questões financeiras, é importante descrever que muitas
organizações religiosas fizeram também reformulações administrativas,
promovendo uma contenção de gastos e inúmeras iniciativas para se criar e
ampliar formas de arrecadação de dinheiro. Abriram-se outras frentes de
promoção e venda, sejam elas de comida delivery, bazares e leilões online,
coleta e ofertas via internet e tantos outros meios de obtenção de recursos
financeiros, sem negar, reduzir ou ignorar as restrições e orientações
sanitárias, afinal era preciso manter as finanças dos lugares religiosos.
Outro
fator importante que merece ser considerado na adaptação é o fato de os fiéis
reassumirem os princípios da esperança e da caridade/solidariedade, podendo
adquirirem a capacidade de se ressignificarem como pessoa religiosa,
asseguradas em sua fé, que, sem saírem da realidade pandêmica, aventuraram-se a
construir um olhar de possibilidades para retomarem e revalorizarem alguns
valores esquecidos, bem como em concretizar ações anteriormente idealizadas.
Nem
todas as lideranças e adeptos religiosos conseguiram atingir níveis
considerados de adaptação e seguirem as restrições e orientações sanitárias de
manter e ampliar o isolamento social ou seguir os protocolos para a volta
gradual para conter o avanço do SARS-CoV-2.
Alguns
líderes religiosos hindus, judeus, cristãos, mulçumanos e budistas, em
especial, assumiram e mantiveram inúmeras resistências em mudar os hábitos e
costumes religiosos, desde aqueles que negavam veementemente a existência do
vírus, até aqueles que garantiram a sua cura (McLaughlin, 2020).
Negacionismo
Alguns
desses líderes assumiram uma postura negacionista, outros reducionista e
outros, ainda, de conveniência, optando por negar ou diminuir e/ou desviar a
gravidade da Covid-19, colocando a si mesmos e a seus seguidores em situação de
risco de contaminação da doença, com possíveis mortes e criação de potenciais
disseminadores do novo coronavírus.
Alguns
desses religiosos, não em sua maioria, enfrentaram penalidades civis,
descréditos e críticas em suas comunidades religiosas, na opinião pública e na
mídia, pelas atitudes irresponsáveis e contraditórias ao seu papel religioso.
A
postura negacionista de alguns religiosos, apoiados em teorias e discursos
conspiratórios, contraditórios e sem aprofundamentos, em oposição às evidências
médicas, aos dados científicos, à mídia, disseminaram o vírus da desconfiança,
apoiados nos princípios morais que lhes eram elencados, com conteúdos
religiosos admissíveis, facilitando a aceitação, por seus seguidores, de uma
posição negacionista.
Esses
religiosos discordavam do isolamento social e das orientações das autoridades
sanitárias e insistiam em manter seus lugares abertos, com aglomeração de
pessoas nos ritos ou nas celebrações, como se a doença respiratória Covid-19
não existisse.
Com
essa postura negacionista, desenvolveu-se e ampliou-se o fenômeno de
desinformações de realidades verdadeiras da Covid-19, não somente como
informações falsas, mas também enganosas, imprecisas e inconclusivas. Os
grupos religiosos são lugares férteis para a propagação de informações por
serem considerados confiáveis, não somente pela liderança - como um rabino,
pastor(a), padre, mestre(a) e outros(as) - mas também pelos adeptos, pois é um
grupo de considerada afeição, apoio e credibilidade.
No
Brasil, o Coletivo Bereia publicou um levantamento realizado em sites
religiosos (12/12/2019 – 9/06/ 2020) e atividades digitais checados pelo
Coletivo, sobre a desinformação com temática religiosa. Os 53 artigos que
compuseram a análise foram assim classificados : 23% verdadeiros, 30%
enganosos, 17% imprecisos, 2% inconclusivos e 28% falsos. No total, 77% eram
informações cuja veracidade não pode ser confirmada (Classificação de Notícias
Bereia, 2020).
Reducionismo
Um
outra parcela das lideranças religiosas assumiu uma postura reducionista, em
que se diminuía a gravidade da disseminação do vírus e o perigo da
doença, buscando assegurarem-se nos princípios do fideísmo, isto é, utilizavam
a doutrina da exclusividade da fé pela fé : só se aceita a fé sobrenatural na
busca de certezas e verdades, só ela é capaz de conhecer a verdade.
Nos
princípios fideístas, há um isolamento da razão humana, esta é incapaz de
atingir o verdadeiro conhecimento e de interpretar a existência, portanto,
também a ciência seria impotente para alcançar as verdades sobre a pandemia da
Covid-19 e só Deus poderá livrar e proteger as pessoas de qualquer doença ou
mal.
Essa
é uma postura de que o humano seria incapaz de se salvar da doença, somente
Deus poderia protegê-lo e livrá-lo. As pessoas não seriam contaminadas
simplesmente porque tinham fé. Várias crenças nessa direção fideísta propagavam
que, ao serem utilizados os recursos da prevenção sanitária, se estaria
desconfiando da força de Deus e da sua proteção, portanto, seriam infiéis e
ingratos.
O fideísmo
garante a fidelidade dos seguidores aos líderes religiosos, os quais os
alimentam e os mantêm dependentes, em grande parte. Essa prática é utilizada
por lideranças religiosas que se asseguram na teologia e prática ‘milagreira
e da cura’, cujo poder do líder religioso realizaria tal proeza.
Convenientes
Outras
posturas convenientes de resistência ao isolamento social e práticas sanitárias
foram tomadas por variados grupos de líderes religiosos. Destacam-se os que
assumiram e rejeitaram o quê e como lhes mais
convinham, em relação ao isolamento social e às práticas de prevenção.
Nota-se
que esse grupo resistiu parcialmente às mudanças, não as contrapunha de forma
clara e autêntica, tinha consciência da gravidade da contaminação e da doença,
era cauteloso e mantinha as mesmas atividades religiosas, sem conflitos e, de
maneira não explícita, procurava brechas sanitárias e religiosas para manter o
que, ideologicamente individual, impunha como prática religiosa comum.
A
postura de resistência de conveniência, além de ser um exercício perigoso do
poder religioso, pode expressar uma crise de identidade e/ou absentismo da
liderança religiosa que o exerce, pois esta não conseguiria redimensionar as
suas atividades religiosas fora do seu controle e de seu padrão de
funcionamento.
A
resistência em aceitar o isolamento social também passa pelas questões
financeiras e econômicas das religiões. Com a suspensão dos ritos ou das
celebrações presenciais, por tempo indeterminado, as coletas, ofertas e doações
ficaram reduzidas e colocaram as finanças das religiões em alerta de falência
econômica.
Normalmente,
os lugares religiosos e o vínculo com os adeptos são centrais para o
funcionamento da religiosidade; sem o espaço territorial não há presença de
pessoas; portanto, as atividades também não acontecem e a economia fica frágil.
Sem dinheiro, toda a estrutura religiosa é prejudicada. Por mais espiritual que
seja, tanto a liderança como o lugar são materiais. E os meios tecnológicos nem
sempre garantem doações substanciosas dos adeptos.
Considerações
As
adaptações e reações religiosas nesse tempo inesperado de pandemia da Covid-19
com os seus contornos e limites na existência humana, podem ser uma companhia
eficaz e eficiente, porque não, sadia e saudável, na convivência consigo e com
o outro no contexto que estamos inseridos.
Mas
podem ser uma companhia de risco, se não nos impulsionam a seguir sem nos
distrair, ou deixar-nos levar por qualquer ‘solução’, proposta,
explicação, a fim de distrair-nos ou ausentar-nos da realidade da provocação de
vivermos intensamente esse tempo de grande aprendizagens e oportunidades, ou
mesmo em esvaziar o acontecimento que nos alcançou, reduzindo-o a um âmbito de
relações que nos proteja do impacto das coisas, no esforço de manter o velho
estilo de vida que não nos cabe mais, ou ainda, que nos poupe do desafio das
circunstâncias de renascer pessoas mais humanas, que se deixam estar suspensos
e serem arrastadas para o caos da pandemia (Carron, 2020; Porreca, 2020;
Giussani, Alberto & Prades, 2019).’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1473126/2020/09/como-as-religioes-tem-reagido-ao-isolamento-durante-a-pandemia/
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